É a primeira experiência de trabalho numa nova área profissional e é também o grande teste para as várias partes envolvidas. Para quem recebeu a formação é o momento de perceber no terreno se é por ali que quer seguir. Para a startup que desenhou o modelo chegou a hora de perceber se as empresas vão valorizar, na medida esperada, os recursos que acabaram de formar. Os primeiros indicadores são positivos.  

O programa foi criado para reconverter competências e ajudar a direcionar pessoas de outras áreas para o mundo da programação, um domínio onde as solicitações do mercado estão muito acima dos recursos disponíveis. Quem já está a estagiar foi integrado em agências de marketing digital, consultoras ou startups, onde vai pôr em prática os conceitos básicos de programação que aprenderam nas últimas semanas.

Esta primeira edição, que terminou a 11 de dezembro, contou com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, que incluiu a medida no leque das propostas aprovadas por via do Orçamento Participativo. Para os que conseguiram garantir um lugar na turma esta não foi só uma oportunidade para desenvolver novas competências e lançar as bases para uma carreira numa área completamente nova. Também foi uma oportunidade de o fazer de forma gratuita, que se repete para mais um grupo de alunos já a partir de 11 de janeiro.

No espaço da Academia de Código (que "assina" como <Academia de Código_>) na Rua da Prata respira-se otimismo. Nos últimos dias de aulas da primeira turma a satisfação com o trabalho das semanas anteriores dava nas vistas, tal como a expectativa em relação às semanas seguintes e ao estágio que aí vinha.  

Ninguém esconde que as 14 semanas de formação foram difíceis mas para António Quadrado isso é um bom sinal. “Temos tido um ensino com bastante qualidade que nos dá as ferramentas para aprender, para evoluir e conseguir fazer disto a nossa vida profissional”, defende.

António formou-se em arquitetura. Saiu de Portugal para trabalhar em Genebra nessa área de formação. Quando voltou a Portugal faltaram oportunidades que o satisfizessem e quis abrir horizontes. Entre a faculdade e o início do percurso profissional já tinha descoberto a programação e quando soube do bootcamp da Academia de Código foi atrás da oportunidade. Agora quer trabalhar em web design.

 

 

 

De veterinário a analista de Big Data? 

A história do António não é muito diferente da história do Diogo ou do Pedro, que também já tinham algum interesse – e alguns conhecimentos – de programação. O background é. Diogo Vasconcelos estudou para ser veterinário. Pedro Antoninho acabou este ano o curso de Tecnologias da Música.  

“Comecei por usar a programação como um complemento, mas fui ganhando o gosto e comecei a perceber que era capaz de ter jeito. Resolver problemas é uma coisa que me dá gosto e que é desafiante para mim”, explica Pedro.

No caso do Diogo foi o desencanto com o curso de medicina veterinária, depois de ter explorado tanto a área clínica como a de investigação, que o fizeram ver a programação com outros olhos. Já tinha feito um curso online e agora quis ir mais longe. Imagina-se a trabalhar em Big Data e análise de dados.

Este interesse comum pela área da programação deu uma ajuda no processo de seleção que os levou à primeira turma da Academia de Código. São a primeira “fornada” de licenciados reconvertidos, à procura de um emprego num mercado que no ano passado deixou 10 mil vagas por preencher.

Na primeira edição do bootcamp chegaram à Academia de Código 600 candidaturas. Para a segunda, o número de inscrições duplicou. Numa e noutra edição, o curso está direcionado a desempregados residentes em Lisboa, mas enquanto na primeira edição só eram elegíveis licenciados com menos de 30 anos, nesta segunda experiência podiam entrar pessoas de qualquer idade ou nível de formação.

A primeira fase de seleção deixou na corrida 129 candidatos. À segunda fase passaram 70, entre esses foram escolhidos 30 e finalmente os 15 que em breve começam as 14 semanas de formação. O processo é exigente e procura candidatos que deem nas vistas pela destreza e pela capacidade de resolver problemas.

Quando o novo grupo entrar na Academia de Código terá uma apresentação feita pelos colegas da turma anterior. Vai lá estar Rui Ferrão, que trocou o emprego que tinha há anos para ajudar a desenhar um modelo de formação, que é apresentado como mais direcionado às necessidades do mercado, mais dinâmico que o dos cursos tradicionais e mais permeável aos inputs dos vários intervenientes. É o formador principal da Academia e nesta segunda edição do bootcamp já conta com a ajuda de dois ex-alunos, que ficaram na casa.

Catarina Campino também lá estará para receber quem chega e para acompanhar todo o percurso dos novos alunos, como já fez durante o processo de seleção. Vai voltar a partilhar o entusiasmo e a experiência de quem também está a fazer um percurso completamente novo. Fez carreira nas artes plásticas. Agora é head of detail da Academia de Código. Procurou uma oportunidade numa área radicalmente diferente e conquistou-a. Tem esse testemunho para partilhar no dia-a-dia com quem quer fazer o mesmo.

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Várias frentes, o mesmo objetivo

Em paralelo com os programas de formação na Rua da Prata, a Academia de Código trabalha outras frentes. Está em escolas e já assegura aulas de programação em vários colégios privados, desde os primeiros anos do percurso escolar. É a Academia de Código Júnior - <Academia de Código_ Júnior>.

Introduzir o ensino da programação nos primeiros anos do percurso escolar é uma tendência que vários países estão a seguir e que João Magalhães, cofundador e CEO da startup, acredita que se irá universalizar. Portugal terá de escolher se segue no grupo da frente ou vai mais atrás, defende.

Na sua opinião, começar cedo é importante para influenciar as decisões dos alunos em termos de percurso académico, mas não só. É também uma forma de promover a infoinclusão e desenvolver outras valências, como o raciocínio e o pensamento lógico.

 “É uma nova literacia. Quando se ensina o português a uma criança, a ideia não é que todas as crianças venham a escrever uns Lusíadas. Algumas podem fazê-lo mas a maior parte fica apenas a saber escrever e ler bem”, compara Catarina Campino. “Aqui acontece o mesmo. Alguns alunos podem vir a ser programadores, os restantes serão cidadãos completamente integrados e participativos numa sociedade cada vez mais digital”, acrescenta. 

Enquanto a programação não chega a todos os alunos em início de percurso escolar, a estratégia passa por continuar a apostar na reconversão de competências. A janela de oportunidade aberta pelo orçamento participativo da CML fechou-se, mas a startup está à procura de novos caminhos, entre parcerias e apoios comunitários. A ideia é continuar a apontar ao mesmo target usando a mesma receita: reconverter competências entre desempregados, com bootcamps de programação (tendencialmente) gratuitos.     

 

  Cristina A. Ferreira