São vários os argumentos a favor do memorando de entendimento assinado ainda na anterior legislatura com o objetivo de agilizar o bloqueio de sites que disponibilizem conteúdos de forma ilegal, mas também há muitos argumentos contra, como ficou demonstrado esta segunda-feira, numa audição pública promovida pelo Bloco de Esquerda.

O acordo começou a funcionar no verão do ano passado, promovido pela Secretaria de Estado da Cultura, pela Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC), pelos operadores de telecomunicações, através da Apritel, pela Direção Geral do Consumidor e pela DNS.pt, a que se juntaram associações como a MAPINET, a AUDIOGEST e a SPA.

A intenção é que o memorando tornasse mais fácil o barramento do acesso a sites com conteúdos piratas, aplicando na prática uma medida de controlo do download e streaming de conteúdos ilegais, e o balanço tem sido positivo, segundo os seus promotores.

Na prática, o memorando funciona com base num levantamento feito pelo MAPINET - Movimento Cívico Antipirataria na Internet, que identifica sites em que dois terços do repositório sejam obras piratas e entrega a lista ao IGAC. O IGAC tem a responsabilidade de confirmar e enviar o ofício com a lista final aos operadores para que os endereços Web (DNS) sejam bloqueados.

O processo de verificação neste memorando de entendimento é precisamente um dos pontos que mais polémica está a causar, devido aos casos de “falsos positivos” que têm surgido.  

“Acontece que até sites que não existem estão a ser bloqueados. O que nos parece que está a acontecer é que o MAPINET envia uma lista de sites para o IGAC e o IGAC simplesmente manda bloquear: não há um critério de verificação”, acusa Paula Simões, da Associação de Ensino Livre. “Se fizesse essa confirmação também não bloqueava sites que têm um link embed”.

Para Paula Simões falta um tribunal como entidade isenta “que possa olhar para este processo, verificar se o MAPINET tem ou não razão. Claro que há sites que não estão a cumprir a lei, mas isso deve ser encaminhado para o Ministério Público, deve seguir a via dos tribunais”.

As opiniões de Maria João Nogueira, blogger, e de Ludwig Krippahl, professor da FCT/Nova vão no mesmo sentido. “A questão dos falsos positivos é aquilo que mais me incomoda. A premissa de que em pleno século XXI exista um grupo de interessados, com competências comprometidas, que decidem de forma básica o que terceiros podem ou não ver. Acho isto muitíssimo perigoso”, referiu Maria João Nogueira. “São quem faz a acusação, são o juiz, são o júri, são o carrasco sem que haja competências que num Estado de direito pertenceriam aos tribunais e, desta forma, sem permitirem que os acusados respondam ou se defendam”.

A representar o lado dos operadores de telecomunicações, Tiago Silva Lopes, da MEO, referiu que os falsos positivos são algo que não deve acontecer e que se acontecer deve ser punido, mas defendeu o memorando, afirmando que o modelo adotado não pode ser de tal forma complexo que se transforme num “paraíso” para quem queira tirar partido económico com o seu comportamento. “O memorando tentou criar regras mais claras para ser possível atuar quando há manifesta ilicitude”.

Legislação precisa-se

Outra das principais acusações ao memorando de entendimento é o facto de ter por base a Lei do Comércio Eletrónico. “Custa-me perceber de onde é retirada esta competência em específico para bloquear sites [da Lei do Comércio Eletrónico]”, referiu Teresa Nobre, coordenadora jurídica da Creative Commons Portugal.

“Parece-me complicado do ponto de vista da liberdade de expressão que se possa fazer isto ao abrigo desta lei sem mais procedimentos. Ainda que seja legal, parece-me pouco prudente”, acrescentou. “Noutros países que adotaram procedimentos idênticos, criaram-se regras muito claras para as pessoas saberem como atuar”.

A responsável considera que o memorando “não é satisfatório, precisa de uma regulamentação a sério”.

Paula Simões defende a suspensão imediata do Memorando. “Se o Memorando se sustenta na Lei do Comércio Eletrónico seria suposto que as entidades que mandam bloquear os sites mandem a lista para a ANACOM que é a entidade central. Mas a ANACOM diz que não faz sentido ser ela a fazer essa avaliação”.

A representante da Associação de Ensino Livre defende uma nova legislação do Direito de Autor no seu conjunto, mais abrangente. “Devíamos de facto tentar reformular esta lei nas suas várias vertentes e não apenas ir fazendo alguns remendos”.