Os Estados Unidos já aprovaram legislação neste sentido, adotando o princípio da neutralidade da Internet num processo que foi longo e que contou com forte oposição da indústria. Na Europa o debate tem permanecido na ordem do dia, mas as medidas concretas surgem só agora, com a revisão do quadro regulamentar das telecomunicações. 

A proposta aprovada esta terça-feira pelo Parlamento Europeu é recebida com um misto de satisfação e apreensão. Era urgente uma clarificação da posição europeia sobre o tema, defendem uns. O que fazia falta era uma legislação mais assertiva, consideram outros.  

O que é a neutralidade da Internet?

A neutralidade da Internet é um princípio, segundo o qual o tráfego de Internet não pode ser discriminado em função da sua origem/tipo. Ou seja, os prestadores de serviços de acesso à Internet não podem tornar uma ligação web mais lenta ou bloqueá-la em função do tipo de conteúdo, aplicação ou serviço que o cliente está a usar ou a gerar. É o princípio da Internet aberta.  

Neste momento é comum os operadores discriminarem o tráfego de Internet que passa pelas suas redes?

Sim. Há inclusive operadores que cobram para dar prioridade ao tráfego gerado por determinados serviços, intensivos no consumo de largura de banda. Impõem custos extra a determinados serviços para assegurar que os seus conteúdos chegam aos clientes nas melhores ccondições que a rede consegue assegurar.

O que justifica este tipo de políticas de discriminação de tráfego?

As empresas que oferecem acesso à Internet deparam-se com a utilização cada vez mais massiva de serviços de alta qualidade, que consomem muita largura de banda e que geram elevados volumes de tráfego. Os operadores queixam-se da exigência destes serviços para as suas redes e defendem a necessidade de gerir picos de utilização.

O que pretende a Comissão Europeia com a nova legislação?

A CE quer uniformizar regras em todo o espaço da União Europeia e fechar a porta a este tipo de políticas. Adotar claramente o princípio da neutralidade marca uma posição da região em relação ao tema, relativamente ao qual alguns países europeus já tinham criado legislação. A nova legislação quer defender consumidores e empresas, sobretudo as que não têm peso para se impor (como as PME) e são prejudicadas com este tipo de políticas, defende-se.

Estão previstas situações de exceção, em que as empresas possam manter estas práticas de discriminação de tráfego?

Sim. Podem fazê-lo sempre que esteja em causa o cumprimento da legislação europeia, para preservar a segurança e a integridade da rede (se for alvo de um ataque informático, por exemplo) ou para fazer face a situações de congestionamento da rede. Como este é um argumento usado hoje com frequência pelos operadores para justificarem políticas discriminatórias, a legislação europeia sublinha que estas serão sempre situações temporárias e excecionais. Se este tipo de constrangimentos for permanente isso significa que o operador está a investir menos do que devia para garantir uma qualidade de serviço desejável, alerta-se.   

As exceções não podem pôr em causa os princípios da legislação?

Teme-se que sim. Outra das exclusões previstas na legislação é o fornecimento de serviços especializados pelos ISPs (Internet Service Providers). A legislação reconhece que há serviços mais exigentes do ponto de vista da largura de banda e admite que os operadores possam cobrar para responder a essas necessidades. Dá como exemplo, serviços de IPTV, videoconferência em alta definição, ou telemedicina e frisa que essa opção deve estar disponível apenas como complementar a uma oferta base de elevada qualidade. Mesmo com a ressalva, o facto de se prever esta possibilidade tem levantado fortes críticas ao modelo e é encarada como um instrumento para criar uma Europa com Internet a duas velocidades. Tim Berners-Lee, considerado um dos pais da World Wide Web, é uma das vozes críticas em relação a esta exceção.

Tenho um tarifário móvel que me permite usar várias aplicações que não contam para o plafond de tráfego que posso gastar todos os meses. Isso vai acabar?  

Não, e essa é outra crítica feita às exceções previstas no quadro regulamentar europeu. Na legislação vê-se com bons olhos este tipo de ofertas, identificadas como “conetividade patrocinada” e considera-se que podem ser uma forma de dar mais serviços a quem é sensível ao fator preço. Mas também se reconhecem alguns riscos neste tipo de práticas e passa-se aos reguladores a missão de verificar o seu efeito real no mercado: dão acesso a mais conteúdos ou limitam a experiência online a serviços pré-determinados?

O que vai acontecer aos operadores que não cumprirem as novas regras?

O pacote de medidas aprovado no Parlamento Europeu será transposto para a legislação nacional de cada país e caberá aos reguladores locais supervisionarem o seu cumprimento. Ainda vão ser definidas as penalidades a aplicar.

Quando entram em vigor as novas regras?

O fim do roaming e a adoção do princípio da neutralidade da Internet vão integrar um pacote de medidas para as áreas das telecomunicações que revê um conjunto alargado de regras aplicáveis ao sector e que ficará concluído no próximo ano.