Já foi apelidado de estrela de rock do mundo tecnológico. Rob Bishop é neste momento o único empregado a tempo inteiro da Raspberry Pi Foundation. O jovem evangelista do projeto conhecido como o computador de 25 dólares passou por Portugal durante os três dias da sexta edição do Sapo Codebits e esteve à conversa com o TeK.

Durante a entrevista explicou qual o conceito do Raspberry Pi e qual a importância deste projeto para alguns segmentos da sociedade: para o ensino e para os programadores tecnológicos. Os tempos são diferentes e o Raspberry Pi promete acelerar essa mudança, ao dotar todos os interessados que queiram gastar cerca de 40 euros na compra de um dispositivo que tanto pode ser um centro multimédia lá em casa como pode ser usada para projetos de robótica amadora.



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TeK: Qual é o conceito do Raspberry Pi e da Raspberry PI Foundation?
Rob Bishop:
A Raspberry Pi Foundation é neste momento composta por um conjunto de administradores (trustees) e de engenheiros, e todos eles trabalham num regime de voluntariado, fundado por Eben Upton, que trabalhava na Universidade de Cambridge e era professor de ciências da computação. Um dia ele descobriu que os novos estudantes na universidade estavam a ter dificuldades e as notas estavam a cair, e isto é mau porque se tiveres cerca de 40 alunos a entrarem por ano e os licenciados forem cada vez piores, é mau para a indústria e é mau para a economia.

Então ele quis encontrar uma maneira de re-inspirar os miúdos a manterem-se no curso de ciências e de aprender novas habilidades. E o que ele se apercebeu é que na geração anterior à deles havia dispositivos como os Spectrum e aqueles computadores “do it yourself”, e foi então que percebeu como é que iria ser o futuro e como é este iria funcionar. Enquanto a nossa geração está agarrada à Xbox e iPad e a outros dispositivos, ele decidiu desenvolver o Raspberry Pi, uma plataforma computacional de 35 dólares do tamanho de um cartão de crédito que e é desenhada para ser um instrumento que permita aos jovens aprenderem, criarem e fazerem projetos computacionais ou trabalharem conceitos relacionados com as ciências da computação. O Raspberry Pi é como uma versão digital do Lego.

E a ideia é que isto consiga chegar até às escolas e as escolas possam apostar em áreas como a eletrónica apenas gastando poucos dólares em vez de gastarem centenas de dólares, e ainda estamos a trabalhar nesse sentido. Já vendemos meio milhão de unidades e ainda nem completamos o nosso primeiro ano de negócios. Agora estamos a trabalhar num desenvolvimento de recursos educacionais para que possamos usar um “pacote para escolas”, preparado para os professores, mesmo para aqueles sem grandes conhecimentos tecnológicos, para que possam ensinar através do Raspberry Pi.

TeK: Como é que o Raspberry Pi pode mudar o sistema de ensino e as formas de aprender?
RB:
Não se trata tanto de o Raspberry Pi mudar o sistema, é mais na perspetiva de as pessoas que mudem o sistema o façam usando o Raspberry Pi. Antigamente a educação de TI no Reino Unido era basicamente baseada nos produtos de software da Microsoft: como é que se utiliza o Word, como é que se cria uma folha de cálculo. E nós queremos ver mais programação, queremos ver os miúdos a construírem algoritmos e a pensarem nos termos de como os computadores funcionam, e esta é uma excelente plataforma para aprender isso.

O que nós queremos é que os miúdos em vez de serem apenas consumidores de conteúdos, possam ser criadores de conteúdo. Em vez de ligarem a Xbox à televisão através do HDMI para jogar, agora podem ligar o Raspberry Pi à televisão e fazer robôs, escrever os seus próprios jogos ou fazer websites. É tudo acerca de fazer coisas, em vez de apenas consumir, e ao fazer isto aprender com o processo.

TeK: Que exemplos a Raspberry Pi Foundation tem de jovens que estejam a fazer este tipo de atividades?
RB:
Fizemos uma competição de programação no verão para jovens, em duas categorias: até aos treze anos e dos catorze aos dezoito anos, e foi muito bom aquilo que foi conseguido. Eles fizeram programas eletrónicos educativos, fizeram jogos, fizeram servidores Web…E é incrível ver o que os miúdos conseguem fazer quando lhes são dadas as ferramentas. Esta é uma maneira pouco cara de fazer coisas incríveis e é por isso que todos os que aqui estão (no Codebits VI), estão aqui, para criarem coisas espantosas, e esta é também uma maneira acessível de os estudantes desenvolverem projetos.

TeK: E o que é que o Raspberry Pi pode fazer pela comunidade de programadores?
RB:
Esse é um aspecto interessante. Todo este conceito de inspirar e criar, e de aprender e fazer coisas, isso prolonga-se por toda a nossa vida e não apenas quando somos jovens. Temos assistido a muitos adultos que já tinham alguns conhecimentos de computação, muitos Web developers, pessoas que costumavam desenvolver aplicações. Mas ainda existem muitas pessoas que que não têm necessariamente os skills de computação, e estão a usar o Raspberry Pi como um brinquedo para, por exemplo, fazer arcadas e lançar servidores Web, entre outros tipos de projetos. Consegues fazer coisas de baixo nível o suficiente e até criar um sistema operativo que corram nestes computadores. Nem todas as pessoas conseguem escrever um sistema operativo complexo para usar num Macbook, mas neste podes até criar o teu próprio sistema operativo para o Raspberry Pi. E isso é muito fixe.

TeK: Quais foram os principais desafios em construir um computador tão pequeno?
RB:
Este produto é mais uma inovação de negócio do que uma inovação de engenharia. A engenharia não é nada de estrondoso. Mas o que foi engenhoso foi gerar o lucro suficiente, através das 500 mil unidades vendidas, e através dos fundos externos. O Raspberry Pi é inteiramente autossustentado e isso foi engenhoso.

Tivemos que trabalhar com distribuidores e certificarmo-nos de que produziriam o volume suficiente para vender em redor do mundo. Ainda existem problemas e existem pessoas que têm tido dificuldades em conseguir comprar o Raspberry Pi, mas vejamos, quando consideramos que eramos apenas uma empresa de apenas cinco ou seis pessoas e de termos conseguido vender meio milhão de unidades é espantoso.

Eu entendo que seja chato para as pessoas terem que esperar pela encomenda, mas essa parte está a melhorar agora, e acredito que até meio de dezembro todas as encomendas terão sido despachadas. A Farnell tem stocks em Portugal, e os nossos amigos da Inmotion têm vendido todo o fim de semana, por isso sim, estamos numa posição boa.

TeK: Como é que foram os workshops aqui no Sapo Codebits?
RB:
Foram excelentes. Tivemos 120 pessoas inscritas para seis workshops de uma hora, divididos por dois dias, e tivemos uma grande adesão porque havia muitas mais pessoas que queriam vir. E ainda ontem tivemos uma fila de pessoas para comprarem o Raspberry Pi e tivemos que os racionar a um por pessoa, mas mesmo assim venderam-se todos. Acho que podíamos ter duplicado o número de Raspberry Pi e ainda assim teríamos vendido tudo.

E isso acontece provavelmente porque eu consigo ver que existe muitas pessoas em Portugal interessadas em hacking, existem muitas pessoas criativas em Portugal, e essa combinação de tecnologia e de ser criativo parece ser muito engraçada. E estou desejoso de voltar no próximo ano.

TeK: E como tem sido o Sapo Codebits até ao momento?
RB:
Tem sido fantástico. Tem sido um evento muito fixe. Está muito bem organizado, gosto muito de trabalhar com o Celso, estivemos a trabalhar nas arcadas juntos, e mal consigo esperar para ver os projetos nos quais as pessoas têm trabalhado e que vão ser apresentados, aposto que vão aparecer alguns fantásticos. Existem até alguns projetos que estão a utilizador os Raspberry Pi como componente. Demos alguns Raspberry Pi para alguns projetos para ver o que eles conseguiam fazer e sim, tem sido um tempo bem passado.

TeK: Que tipo de projetos estão a usar o Raspberry Pi?
RB:
Eu acho que um grupo está a trabalhar numa espécie de máquina de fotografias que vai permitir que as pessoas interajam com o processo de captura de fotografias, através do Raspberry Pi. Apesar de o conceito ainda ser um bocado vago, parece-me muito porreiro e espero que possamos ver mais projetos como este.

TeK: O que diria a um português que não sabe nada sobre o Raspberry Pi?
RB:
Diria que o dispositivo apela a dois tipos de pessoas. Para as pessoas que percebem de computadores, e provavelmente estes já conhecem o Raspberry Pi como uma excelente plataforma para fazer coisas e as 120 pessoas que estiveram aqui provam-no. E também é bom para aquele tipo de pessoas que podem até nem saber nada sobre computadores mas que querem aprender um pouco de programação, que queiram construir um centro multimédia ou uma plataforma barata para os miúdos. Por poucos euros podes apenas comprar e experimentar coisas com o Raspberry Pi, não é um investimento assim tão grande e as pessoas podem simplesmente ver o que acontece.

TeK: Quais são os próximos passos do projeto?
RB:
Neste momento estamos a comercializar o modelo B, e vamos vender um modelo A nos próximos meses, que vai estar à venda em todo o mundo. O novo modelo parece-se exatamente como o modelo B, mas não tem a conexão de Internet nem o chip de network. Esse modelo vai ter um menor consumo de energia e vai custar 25 dólares. Vai ser ideal para a área da robótica ou para as escolas, ou até mesmo para aqueles que usem o Wi-Fi como ligação principal. Vão sair ainda modelos com câmara integrada, que vão gravar em Full HD e vão captar imagens de cinco megapixéis: estes também vão custar 25 dólares e vão chegar nos próximos meses.

Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico