As tecnologias trazem consigo um manancial de novas formas de comunicar e de aprender, mas também potenciais perigos para o desenvolvimento saudável das crianças. Neste sentido, pais e educadores devem desempenhar um papel de orientadores e dar o exemplo das melhores práticas online aos mais novos.

Em entrevista ao TeK, Daniel Sampaio, médico psiquiatra e diretor do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria, e Ivone Patrão, psicóloga clínica e colaboradora do Núcleo de Utilização Problemática da Internet (NUPI) do Hospital de Santa Maria, refletiram acerca das vantagens e perigos que as crianças enfrentam no mundo digital.

Como explanam na sua obra “Dependências Online – O Poder das Tecnologias”, publicada este ano pela editora Pactor, a tecnologia veio para ficar e os impactos da sua evolução são transversais a todas as gerações.

No entanto, há que perceber que as camadas geracionais mais recentes já nasceram no seio da chamada “Revolução Digital”, ou seja, num mundo em que tudo é touch e em que a internet é um bem tão comum e essencial como a água.

Segundo Daniel Sampaio e Ivone Patrão, as crianças de hoje têm uma grande apetência para as tecnologias e o desenvolvimento das suas capacidades digitais ultrapassa o de qualquer outra geração.

Os pais que conseguem acompanhar as transformações tecnológicas e estar em sintonia com as tendências conseguem reduzir aquilo que os especialistas descrevem como “o fosso tecnológico geracional”. Desta forma, podem estar em pé de igualdade com os seus filhos em termos de valências tecnológicas, o que cria uma maior aproximação entre as duas gerações e pode mesmo aproximar a família, em vez de a tornar cada vez mas dispersa.

Mas ambos os especialistas alertam para os perigos que são potenciados por esta relação cada vez mais dependente que existe com as “máquinas”, em particular no que toca ao desenvolvimento saudável das crianças.

A utilização em demasia da internet pode causar distúrbios no humor das crianças, bem como no seu sono e nas dinâmicas sociais.

Os autores destacam dois perfis clínicos de jovens dependentes das tecnologias. Alguns jovens deprimidos encontram no mundo online um “porto” que julgam ser “seguro” e ficam dependentes desta ferramenta. Por outro lado, alguns jovens recorrem às tecnologias para interagir com os seus amigos e colegas, perdendo a sensibilidade da socialização cara-a-cara.

Mas o perigo da utilização das tecnologias como meio exclusivo de comunicação não se esgota nas faixas etárias mais jovens. Os adultos também estão expostos a estes riscos.

“Existirá sempre a necessidade do olhar, do cheiro, do toque”, sublinham. “As pessoas não se podem relacionar só através das máquinas”.

Os especialistas acreditam que o exemplo vem de cima e que os pais e educadores devem estar cientes das melhores práticas online, porque só dessa forma vão poder detetar comportamentos desviantes dos jovens no que diz respeito à utilização das novas tecnologias.

Mas “não se pode proibir o uso da tecnologia numa sala de aula e o professor ter a liberdade de ver o Facebook”, acrescentam. As regras sobre a utilização da tecnologia devem ser cumpridas por todos – pais, educadores, crianças e jovens – e não apenas por alguns.

A evolução tecnológica é incontornável e há que saber lidar com ela da melhor forma, visto que os seus impactos são sentidos a todos os níveis geracionais e da sociedade.

Daniel Sampaio e Ivone Patrão partilham da opinião de que “as salas de aula do futuro vão de certeza ser mais digitais e mais touch” e que as TIC podem desempenhar um papel importante enquanto motivadores de aprendizagem. Contudo, a vertente humana deve ser conservada e incentivada, para que as crianças e jovens possam desenvolver-se de forma saudável.

Nos dias correntes, os mais novos vivem imersos em “oceanos” de ecrãs e de tecnologia. Isto leva a que os seus níveis de concentração diminuam e a sua atenção se torne cada vez mais difusa.

Daqui emergem problemas de rotina, visto que a utilização dos dispositivos passa a “roubar” as horas que deviam pertencer ao sono. As luzes dos ecrãs fazem com que o cérebro esteja sempre em “modo dia” e constantemente ativo, o que leva a que as crianças e jovens não consigam descansar devidamente e, consequentemente, não tenham os aproveitamentos escolares desejados.

Olhando para o futuro, os especialistas declaram, com confiança, que “as próximas gerações vão com certeza ter profissões ligadas ao mundo digital”, algo que se torna mais e mais evidente a cada dia que passa.