Em Outubro do ano passado o Governo português escolheu o “campeão digital” que tem por missão representar Portugal no Fórum Digital Champions Europe, onde têm assento os Digital Champions de cada Estado Membro.

A nomeação de António Murta, numa base estritamente pro-bono (sem remuneração) passou quase despercebida, embora o papel de ligação entre a Agenda Digital de Portugal e a Sociedade Civil ganhe mais relevo agora que o documento de definição da estratégia portuguesa nesta área está aprovado e publicado, com apresentação pública marcada para amanhã.

Foi precisamente para perceber o que é ser um “Digital Champion” e quais as tarefas e atribuições assumidas que o TeK entrevistou António Murta. As perguntas foram enviadas por email, aproveitando o tempo entre os seus muitos afazeres, já que acumula o cargo de campeão digital com a liderança da sociedade de investimentos Pathena que criou para apoiar o desenvolvimento de projetos tecnológicos, depois de ter estado na génese da tecnológica Enabler, que entretanto foi vendida à indiana Wipro e de ter ajudado a fundar a Mobicomp (vendida à Microsoft) a ITPeers, Profimetrics, QuiiQ e Cardmobili.

TeK: Qual é o seu papel como um “Digital Champion” nacional e quais são os seus objetivos neste "cargo"?

António Murta: Deixe-me desde já dizer-lhe que não gosto nada da expressão "Digital Champion of (Country)". Prefiro usar a expressão de "representante de (País) no Fórum Digital Champions Europe". É esta última expressão de representação que adoto - não me sentiria bem de outro modo.
Dito isto, o meu papel é de pivot de ligação da Agenda Digital Portuguesa (Pública e Privada) à Sociedade Civil (incluindo nesta os Cidadãos e as Empresas). Pretende-se que a Agenda Digital seja uma fórmula integrada, aglutinadora da Agenda Digital Pública (liderada pelo Governo) e da Privada (conduzida pelas empresas com forte vocação digital que operam no nosso país, portuguesas ou não). Claro que nesse papel ganha particular relevo a dimensão de articulação com as Associações Empresariais do Sector TICE em Portugal - elas foram auscultadas no processo de geração do documento que ora se publica.

TeK: Como é que o Digital Champion pode ajudar Portugal a promover a sua inserção nas redes internacionais de inovação e empreendedorismo?
António Murta:
Desde logo representando Portugal no Fórum Digital Champions Europe - que conta com a alta sponsorização da Comissária Nelie Kroes e que contribui para a formulação de estratégias tendentes a implementar a Agenda Digital Europeia.

Desafiando as Associações do Sector a unirem-se em volta do documento Agenda Digital Portuguesa - que deverá ser periodicamente renovado. Isto quer dizer fazer acontecer, participar ativamente.

Desafiando as Grandes Empresas Digitais Portuguesas e as Multinacionais do Sector com forte presença em Portugal a contribuírem para os desígnios descriminados no documento.

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TeK: Já representou Portugal em encontros com outros "campeões" europeus?
António Murta:
Sim, em 2 reuniões da Digital Champions Europe em Bruxelas.

TeK: Qual é a comparação que faz entre Portugal e os outros Estados membros nesta área? Em alguns documentos encontrei expressas as metas de outros países, na área da inclusão digital, educação e saúde, mas não as portuguesas. Pode detalhar os tópicos principais?

António Murta: Portugal está muito bem posicionado do ponto de vista da qualidade e da penetração das novas autoestradas digitais. É um dos países líderes da Europa nesse domínio. A isso não é alheio termos uma excelente (e competitiva) oferta de Telecomunicações (PT, ZON, Optimus, Vodafone). Portugal é líder em Governo Eletrónico, é líder em implantação de Fibra, é muito avançado em Serviços de Banca Eletrónica (papel crítico da SIBS e dos Bancos portugueses) e também em autoidentificação nas autoestradas.

Portugal tem no entanto de melhorar muito o retorno do investimento efetuado em infraestruturas digitais. Por exemplo temos de usar muito melhor a Rede para promover digitalmente a oferta das nossas PMEs para promover as Exportações - os nossos ratings de Comércio Eletrónico podem melhorar muito - esse é o objetivo do programa PME Digital recentemente lançado. Podemos e devemos também usar os instrumentos digitais para combater o desperdício e a fraude no SNS (como estamos a fazer) e ajudar a integração de dados da saúde centrada no paciente; combater a evasão fiscal (que continua a ser um dos grandes problemas da nossa economia) e promover o near-shoring / domiciliação de centros de produção (de alto valor acrescentado) para toda a Europa.


TeK: O que falta para transformar o amadurecimento que se tem sentido em Portugal na área da inovação e TI em competitividade?
António Murta:
Falta ainda um maior foco nas exportações e na proteção da Propriedade Intelectual. Para passarmos de um pouco menos de 1300 milhões de euros de exportações de base digital (produtos e/ou serviços) para 3 ou 4 vezes mais precisamos de compreender que Portugal é só o início e um início pequeno (Portugal é e será pequeno), de assumir que o mais alto padrão de produtividade se faz com PI (a fórmula que o Mundo encontrou de vender N vezes, muitas vezes, a mesma solução) e de profissionalizar mais e mais a fileira de Capital de Risco.

Mas também é preciso melhorar em muito a produção e o valor das patentes registadas e o caudal de transferência de tecnologia das Universidades portuguesas para o mercado.

Só assim o sector de TICE poderá de facto ajudar (com expressividade) a contribuir para a criação de riqueza domiciliada (nem que parcialmente) em Portugal. Já somos um país "friendly" de tecnologia (são muitos a afirmá-lo, por comparação informada com muitos países de maiores economias), excelente lugar para testar novas soluções.
O crítico é passar de lugar de teste para laboratório e fábrica de geração de ideias / soluções para o Mundo. Algumas (poucas) das nossas empresas de TICE ganharam de facto reconhecimento mundial. É altura de colocar foco na internacionalização transformar isso mesmo em vendas e valor acrescentado muito expressivos à escala do PIB português.

TeK: Esteve envolvido na consulta pública da Agenda Digital. Como foi a participação? Acha que o nível e envolvimento da sociedade civil portuguesa nesta área é satisfatório ou deveria ser maior?
António Murta:
Estou satisfeito com o nível de participação que obtivemos - em face da escassez de meios (mormente tempo) que tivemos. O contributo de algumas das Associações Empresariais do Sector foi determinante.

Acho que podemos fazer muito melhor no que toca ao envolvimento da Sociedade Civil - grandes empresas digitais operando em Portugal ou a partir de Portugal para o Mundo e também dos Cidadãos motivados e comprometidos. Teremos de fazer isso nos próximos meses.

Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

Fátima Caçador