Por Ricardo Cruz Rodrigues (*)

Se considerarmos que em 2010 eram produzidos 5,5 milhões de terabytes de dados por dia e que, acordo com os dados da Statista, este valor cresceu exponencialmente e atualmente todos os dias são produzidos cerca de 329 milhões de terabytes de dados em todo o mundo, constatamos que no espaço de 13 anos este número aumentou cerca de 60 vezes. De acordo com as previsões, este número deverá aumentar mais 50 por cento nos próximos anos. Esse aumento significativo de volume de dados destaca a necessidade critica de uma gestão eficiente desses ativos de informação. Atualmente as organizações deverão reconhecer que a governação de dados é uma prioridade incontestável para garantir a melhoria de processos e o sucesso no serviço que fornecem.

É difícil visualizar números tão desproporcionalmente elevados, mas a tendência é clara: a correta utilização dos ativos de informação é - e será cada vez mais - decisiva para o sucesso das empresas e instituições, razão pela qual a gestão destes dados se tornou numa prioridade absoluta. A ascensão da inteligência artificial (IA) traz consigo promessas significativas para a governação de dados e pode ser uma aliada valiosa para as empresas e organizações que souberem tirar partido dessas informações.

No entanto, para que o consigam fazer, é necessária a existência de processos de organização, gestão e controlo dos dados. Estamos a falar de Data Governance, ou como é comummente conhecido em português, a Governação de Dados. E o que significa isto? Na verdade, trata-se de um tema muito atual porque, para além da difusão dos dados que caracteriza o modelo económico contemporâneo, entrou em vigor no passado dia 23 de setembro o Data Governance Act (DGA), o quadro regulamentar que define as regras europeias em matéria de partilha de dados. Trata-se de um regulamento que cria uma nova forma europeia de governação de dados visando a criação de um ambiente mais seguro de partilha de dados em benefício das empresas, dos cidadãos, da sociedade e da economia.

Neste ambiente em rápida evolução, como pode a IA ajudar as empresas e organizações nos seus projetos de governação de dados? A resposta reside na capacidade da IA de simplificar e aprimorar a gestão de dados, reduzindo o esforço humano necessário para implementar sistemas eficientes e confiáveis de governação de dados. A implementação deste tipo de iniciativas tem sido frequentemente limitada pelo enorme esforço humano necessário para implementar e gerir esses mesmos sistemas. A IA representa assim uma solução inovadora que pode simplificar e melhorar a gestão de dados, reduzindo o esforço exigido pelas empresas e organizações para implementar sistemas de governação eficientes e seguros nesta área.

De facto, a IA pode facilitar a criação de glossários e catálogos de dados, simplificando a compreensão e a organização da informação empresarial, permitido uma correlação dos termos de negócios das diversas origens que suporta todo o ecossistema de dados ou reconhecendo padrões, após análise dos dados, atribuindo um significado funcional aos mesmos. A IA é também um aliado valioso no controlo do ciclo de vida dos dados, seguindo o seu percurso desde a origem até todas as transformações nos sistemas empresariais, um processo conhecido como lineage ou rastreabilidade dos dados.

Outro exemplo onde a integração de sistemas de IA generativa apresenta uma revolução, diz respeito à nova forma de consultar bases de dados, que anteriormente poderiam ser considerados como parte integrante de lugares obscuros e misteriosos. Os utilizadores podem agora fazer perguntas ao sistema em linguagem natural, como se estivessem a conversar com um ser humano, facilitando o acesso e entendimento dos dados. Para além da possibilidade de IA ser utilizada para melhorar a qualidade dos dados, identificando e corrigindo automaticamente erros, duplicações e inconsistências nos conjuntos de dados. Com o aumento das regulamentações de privacidade, como o GDPR, a IA pode também ajudar na automação do cumprimento dessas normas. É uma verdadeira revolução em relação ao passado, e agora estamos no momento de agir.

De facto, as principais barreiras que nos últimos anos impediram (e infelizmente, em algumas realidades, ainda impedem) a disseminação das iniciativas de Governação de Dados estavam relacionadas com o grande esforço necessário para a implementação e a falta de consciência da importância dos dados como um verdadeiro ativo capaz de gerar valor. Atualmente, já não é esse o caso. Hoje em dia, é mais fácil apresentar casos de negócio convincentes para promover estas iniciativas, com impacto imediato na organização através da democratização dos dados e da informação. E o potencial e o impacto que a Inteligência Artificial está a ter nesta área é mais um impulso nesta direção.

As organizações que ainda não iniciaram ou estabeleceram uma governação de dados sólida devem considerar seriamente a sua implementação. A maioria das organizações que ainda não estabeleceu uma Governação de Dados sólida, resultado muitas vezes da falta de data literacy nas suas estruturas, devem reconhecer a necessidade de realizar um caminho para o reconhecimento do dado como um dos principais ativos para a melhoria dos seus processos e serviços e como consequência um aumento da sua rentabilidade. Sem uma orientação clara sobre a forma de gerir e valorizar os seus dados, expõem-se a um risco real: ficarem para trás num cenário cada vez mais competitivo e em constante evolução, comprometendo a sua vantagem competitiva e o seu próprio futuro na economia de dados.

Em resumo, a Inteligência Artificial não apenas simplifica e aprimora os processos de governação de dados, mas também adiciona uma camada de inteligência e automação que é crucial, num cenário onde a quantidade e a complexidade dos dados continuam a crescer. Ao adotar abordagens inovadoras baseadas em IA as organizações podem, não apenas, dar resposta aos desafios atuais da governação dos dados, mas também preparar-se para um futuro cada vez mais orientado por dados.

(*) Project Manager na área de Data & Analytics na Minsait, uma empresa da Indra