Por Javier García de la Torre (*)

Com a tecnologia blockchain numa fase relativamente inicial, existem ainda muitos mitos e equívocos em torno das criptomoedas. Este continua a ser um território desconhecido para muitas pessoas que têm um conhecimento superficial ou quase nulo deste assunto.

É um tema simultaneamente cativante para o público e amplamente incompreendido e que, por isso, proporciona um terreno fértil para equívocos e falsas crenças. Entre os muitos mitos sobre o mundo das criptomoedas, estes são os sete mais comuns:

Mito 1: As criptomoedas não têm valor intrínseco

Pessoas que chegaram recentemente ao mundo das criptomoedas (ou mesmo as que estão fora dele) argumentam frequentemente que a maioria dos ativos digitais não são garantidos por nada tangível ou por qualquer forma de moeda fiduciária "forte" – excluindo as chamadas ‘stablecoins’, claro. Neste argumento, "não ser garantido" é sinónimo de "não ter qualquer valor".

No entanto, a maioria das moedas fiduciárias também não são apoiadas por ativos físicos; são simplesmente emitidas pelos governos e é a "confiança" no respetivo governo que constitui uma grande parte do valor de uma moeda fiduciária.

Tal como as pessoas veem valor na moeda fiduciária porque têm confiança nos governos, os utilizadores apreciam cada vez mais as moedas digitais porque têm confiança na tecnologia que as sustenta. Aqui, o valor vem do código-fonte aberto disponível para absolutamente qualquer pessoa ver e verificar por si própria, o que elimina a necessidade de confiar numa terceira parte, que pode ser interessada ou corrupta. Trata-se de duas bases de confiança bastante diferentes, mas ambas podem ser consideradas razoáveis.

A outra componente do valor de uma moeda é o seu nível de aceitação e adoção. Embora a adoção de moedas digitais como instrumento de pagamento possa ainda ser limitada, a sua aceitação e utilização para pagamentos está a crescer de ano para ano. As criptomoedas têm outras utilizações para além dos pagamentos e da facilitação do comércio. Podem ser utilizadas como reserva de valor, à semelhança de mercadorias como o ouro, de que a bitcoin é o melhor exemplo.

Assim, da próxima vez que alguém disser que as moedas digitais não têm valor intrínseco, talvez valha a pena salientar que a desintermediação, os pagamentos, a capacidade de armazenamento de valor e a inovação tecnológica são todos intrinsecamente valiosos.

Mito 2: As criptomoedas não são seguras

Regra geral, a tecnologia blockchain torna as transações públicas e rastreáveis – ao contrário dos sistemas de pagamento tradicionais, baseados em moeda fiduciária, em que as transações são ocultadas aos olhos de estranhos e requerem uma intimação ou ordem judicial para serem reveladas.

As transações na blockchain funcionam como um livro-razão público, onde o histórico completo de cada transação é monitorizado, validado e registado. Isto facilita às autoridades o rastreio da origem dos fundos. Se alguma parte da transação não for verificada, é imediatamente bloqueada.

Essencialmente, a tecnologia blockchain proporciona uma supervisão superior das transações, propondo um novo modelo financeiro que está aberto ao escrutínio dos utilizadores, reguladores e forças de segurança em todo o mundo, em muitos aspetos até mais do que o sistema financeiro tradicional.

A Binance, tal como muitas outras bolsas de criptomoedas, não permite o anonimato dos utilizadores na sua plataforma e tem uma política rigorosa de KYC (“Know Your Customer”) que impõe uma abordagem de tolerância zero a registos duplicados, identidades anónimas e fontes de dinheiro opacas.

Hoje em dia, as principais plataformas de transação de criptomoedas mantêm sistemas e protocolos robustos de KYC e Anti-Branqueamento de Capitais (AML) para monitorizar de perto atores e transações suspeitas, informando as autoridades relevantes quando necessário. Isso inclui o uso de ferramentas avançadas como o Refinitiv World-Check, uma base de dados abrangente de Pessoas Politicamente Expostas e indivíduos e organizações de alto risco.

Mito 3: As criptomoedas são usadas sobretudo por cibercriminosos

Tal como acontece com qualquer tecnologia emergente (ou existente), os criminosos procuram usá-la para fins ilícitos. No entanto, de acordo com dados da Chainalysis, uma empresa líder em análise de blockchain, essa atividade representou apenas cerca de 0,15% das transações de criptomoedas em 2021 – valor inferior ao ano anterior, de 0,62%, apesar do crescimento exponencial da indústria.

A blockchain é inerentemente transparente. Tudo é registado num livro-razão público. Desta forma, toda a base de código pode ser examinada em qualquer altura. A utilização de criptomoedas para fins ilegais deixa um registo claro para que os investigadores possam obter condenações.

A Europol e o “Institute on Governance” de Basileia têm afirmado que as criptomoedas são fundamentais no combate ao crime organizado e, paralelamente, as bolsas de criptomoedas continuam a ser aliadas fundamentais no combate à atividade criminosa.

Mito 4: As criptomoedas não passam de um “esquema de Ponzi”

Um esquema de Ponzi é uma fraude financeira antiga (surgiu pela primeira vez nos anos 20 do século passado) em que os fundos de novos "investidores" são dados aos "investidores" existentes como "lucros", perpetuando assim a aparência de rentabilidade enquanto houver um número suficiente de novas vítimas. Em última análise, o operador da burla acaba por ficar com a maior parte, ou a totalidade, dos fundos recolhidos.

A chave para desmistificar este mito é compreender que um esquema Ponzi não pode abranger toda uma classe de ativos ou indústria. Pelo contrário, trata-se simplesmente de um modelo para defraudar as vítimas e tirar-lhes o seu dinheiro, que pode existir em qualquer contexto que permita uma atividade de investimento. De facto, a maioria dos esquemas Ponzi mais notórios ocorreu no mundo financeiro tradicional.

A tecnologia por detrás das criptomoedas não contém quaisquer atributos que tornem esta classe de ativos inerentemente mais ou menos propensa a esquemas Ponzi. São os atores nefastos – que podem ser encontrados em qualquer canto do mundo das finanças – que criam e conduzem as fraudes de investimento que se aproveitam de indivíduos mal informados.

Por isso, afirmar que "as criptomoedas são um esquema Ponzi" é falso. Um grande número de criptomoedas tem bases tecnológicas abrangentes e sofisticadas, equipas e capital humano fortes que as apoiam e uma utilidade real que as torna valiosas como entidades tecnológicas e comerciais. Dito isto, é importante estarmos sempre atentos a potenciais fraudes, algo a que nenhum setor está imune, e realizarmos sempre as nossas próprias diligências (DYOR – “Do Your Own Research”) para tomar decisões informadas e sólidas.

Mito 5: As empresas de criptomoedas não têm escrúpulos

Um dos principais fatores desta perceção negativa consiste em dois mitos interligados, relacionados com o funcionamento das empresas de criptomoedas. Um destes mitos sugere que, se uma bolsa de criptomoedas for à falência, fica com os fundos dos utilizadores. O contexto deste mito é fácil de compreender. Em muitos países, existem regulamentos que protegem os depósitos bancários dos utilizadores até um determinado valor. Em contrapartida, como os ativos digitais ainda são novos, os quadros regulamentares específicos das criptomoedas ainda não foram solidificados.

No entanto, na prática, as restrições regulamentares não são a única proteção para os depósitos dos utilizadores, quer se trate de finanças tradicionais ou digitais. Para além de uma regulamentação sólida, é vital um tratamento transparente dos fundos dos utilizadores e uma relação de custódia baseada na confiança. A transparência inerente à blockchain permite que as empresas de criptomoedas garantam a confiança e a segurança dos utilizadores – por exemplo, através de sistemas de Prova de Reservas, para permitir que os utilizadores verifiquem que os seus ativos estão armazenados em segurança na plataforma e que os fundos dos clientes nunca são utilizados indevidamente.

O outro mito implica que as empresas de cripto exploram grupos demográficos vulneráveis. Embora algumas entidades possam prometer ganhos irrealistas, isso não define todo o setor. A realidade mostra que as criptomoedas aumentam a inclusão financeira, especialmente em regiões que não têm serviços financeiros acessíveis. Mais de 1,4 mil milhões de pessoas em todo o mundo não têm acesso a contas bancárias, e as criptomoedas podem colmatar esta lacuna. As criptomoedas também impulsionam o crescimento económico nos países em desenvolvimento, oferecendo serviços financeiros inclusivos e oportunidades económicas.

Mito 6: Se uma bolsa for pirateada, os utilizadores perdem todas as suas criptomoedas

Embora tenha havido casos de pirataria em bolsas de criptomoedas, as bolsas responsáveis melhoram constantemente os seus sistemas de segurança e criam redes de segurança para os seus utilizadores, garantindo uma proteção robusta dos fundos dos clientes face a potenciais pirataria.

No entanto, a possibilidade de tais ataques não é exclusiva das plataformas de criptomoedas: os bancos e outras instituições financeiras tradicionais são igualmente suscetíveis de se tornarem alvos de criminosos que procuram comprometer os seus sistemas internos para roubar dinheiro.

O que acontece no caso de um ataque bem-sucedido depende em grande medida das ações das autoridades policiais. Graças à transparência dos registos nas blockchain públicas, os fundos roubados podem ser facilmente rastreados, tornando difícil para o hacker fugir com os despojos.

As bolsas de criptomoedas podem salvaguardar os fundos dos utilizadores através de medidas como o armazenamento a frio (“cold storage”), a autenticação multifator e limites de levantamento. Algumas bolsas criam fundos de seguro para proteção adicional, como o Secure Asset Fund for Users (SAFU) da Binance, financiado por uma parte das taxas de negociação. Outras bolsas também criaram fundos semelhantes, ou apólices de seguro, para fornecer uma camada adicional de proteção.

Mito 7: As criptomoedas são más para o ambiente

Uma das principais razões pelas quais as pessoas associam as criptomoedas a danos ambientais é o facto de o processo de “mineração” consumir muita energia. A criptomoeda original, bitcoin (BTC), bem como muitos outros projetos estabelecidos e amplamente utilizados, baseiam-se no mecanismo de consenso de “prova de trabalho” (PoW) para manter o registo distribuído de transações. Este método de validação envolve “mineradores” que utilizam computadores potentes para resolver puzzles matemáticos complexos. O processo consome uma quantidade significativa de eletricidade, o que, por sua vez, suscita preocupações quanto ao seu impacto ambiental.

Um estudo do Bitcoin Mining Council publicado no segundo trimestre de 2022 revelou que 59,5% da energia global utilizada para a extração de BTC provém de fontes renováveis, o que indica uma mudança no sentido da sustentabilidade do processo. Além disso, a organização comunicou um aumento anual de 46% na eficiência da mineração, resultante dos avanços na tecnologia de semicondutores e da implementação de técnicas de mineração modernas.

O mesmo estudo estimou que os pagamentos efetuados através do protocolo “Bitcoin Lightning” são 56 vezes mais eficientes em termos energéticos do que o sistema bancário tradicional, demonstrando ainda mais o potencial de inovação no setor das criptomoedas.

Entretanto, a Ethereum, a segunda maior rede blockchain do mundo, passou de utilizar o protocolo PoW para “Proof-of-Stake” (PoS) em setembro de 2022, sendo que um dos principais motores da mudança é, precisamente, a superior eficiência energética deste último mecanismo de consenso.

O Crypto Carbon Ratings Institute (CCRI) examinou o impacto desta transição da Ethereum e descobriu que seu consumo anualizado de eletricidade (e, consequentemente, a sua pegada de carbono) caiu mais de 99,9%.

As criptomoedas e o blockchain, de uma forma mais alargada, têm o potencial não só de fazer parte de, mas também de contribuir fortemente para um futuro mais sustentável. Ao promover mecanismos de consenso eficientes em termos energéticos, impulsionar a inovação nas energias renováveis e promover a transparência e a responsabilização em vários setores, estas tecnologias podem desempenhar um papel vital na abordagem dos desafios globais de sustentabilidade e ajudar a moldar um mundo mais verde.

(*) Country Leader Iberia da Binance