Por Pedro Moura (*)

Para todos os que têm interesse em Talento Tech, eis a minha perspectiva pessoal sobre o mercado de Tech Hiring em 2023 e algumas pistas para 2024, na esperança de ajudar a perceber melhor o atual contexto e as tendências futuras. A maior parte destas perspectivas têm origem na atividade da Landing.Jobs e no relatório Global Tech Talent Trends (2023).

A ressaca da bebedeira de 2022

2023 tem sido um ano interessante. Na Europa e América do Norte houve uma correção de mercado relativamente aos excessos de contratações e práticas salariais de 2022 (o dinheiro era bem ‘mais barato’ na altura, e muitas empresas contratava tudo o que ‘mexia’). Layoffs, Hiring Freezes, redução dos salários oferecidos têm sido algumas das consequências da ‘bebedeira’ de 2002, sendo que em 2023 o foco tem sido na recuperação da ‘ressaca’.

A realidade em Portugal foi algo diferente. Os exageros de contratação ocorreram sobretudo em empresas com acesso facilitado a fundos de Venture Capital, e é aqui que as correções têm acontecido. Um número considerável de talento tecnológico que aproveitou 2022 para aumentar consideravelmente o seu salário (e correspondentes expectativas) teve de se adaptar a uma redução em 2023.

No entanto, os Hiring Freezes também caracterizaram o mercado nacional em 2023, tendo a contratação tech sido drasticamente reduzida na esmagadora maioria dos casos, embora o final do ano esteja a mostrar uma tendência de recuperação.

Outro factor que está a marcar o segundo semestre de 2023 é o movimento de redução das equipas de Tech Recruiters das empresas, uma reação ao enorme aumento desta classe profissional durante 2022. Nalguns casos as empresas estão a substituir recursos internos por recursos externos, noutros casos a redução acontece em termos absolutos devido à redução drástica da contratação.

A invasão Estrangeira e a #GlobalizationOfTechWork

No nosso relatório Global Tech Talent Report 2023 - Portugal Edition confirmámos a tendência crescente de empresas estrangeiras situadas no estrangeiro para contratarem profissionais tech em Portugal para trabalharem remotamente além fronteiras, sobretudo de UK, US, DE, NL e CH. Em 2023 a percentagem de profissionais Tech nesta situação era de 22,6% (18,6% em 2022), ou seja quase um quarto do mercado. O talento português apresenta uma excelente combinação de características (tech skills, inglês, ética de trabalho, salário abaixo da média europeia, adaptabilidade a ambientes culturamente diversos, etc), para além de Portugal ter uma ótima localização geográfica e de timezone. Este ‘roubo’ de talento local é talvez a força que mais tem contribuído para a mudança do mercado nacional, sobretudo a nível salarial: quem trabalha neste modo ganha em média 60% mais salário anual bruto que quem trabalha para uma empresa (nacional ou estrangeira) que esteja em Portugal.

Em termos de aumento de concorrência pelo talento local, há naturalmente que ter em conta o enorme número de empresas estrangeiras que vêm criando Tech Hubs em Portugal, empregando desde equipas pequenas até operações com milhares de trabalhadores. Estas empresas tendem a pagar mais que as empresas de origem portuguesa, e a providenciar ambientes de trabalho e desafios atrativos. Curiosamente, no segundo semestre de 2023 assistimos a uma redução considerável das empresas estrangeiras a criar Tech Hubs em Portugal, diminuindo o crescimento da pressão de mercado que este movimento tinha vindo a criar.

Do lado do Talento ocorreu algo semelhante: a anomia econômica também trouxe medo ao coração dos Profissionais de TI e mais aversão ao risco em suas decisões. O nosso relatório Global Tech Talent Report 2023 mostrou uma mudança clara na disposição dos profissionais de TI para mudar de emprego, com somente 5,8 em cada 10 trabalhadores considerando uma mudança de emprego em 2023 versus 6,5/10 em 2022.

Embora as empresas de origem portuguesa, com menos recursos financeiros que as empresas estrangeira, reportem cada vez mais dificuldades devido à escassez de talento local, não observamos ainda uma mudança na atitude desta no sentido de usarem outras pools de talento tech fora de Portugal para recrutamento, quer para trabalho remoto além-fronteiras para Portugal, quer para Realocação. 

Os principais factores para este ‘bloqueio cultural’ prendem-se com receios da gestão relacionados com comunicação (“ter de falar sempre em Inglês”) e fit cultural. A minha opinião pessoal é que estas empresas estão somente a adiar o inevitável, pois a competição por talento local vai aumentar.

Outros pequenos dados e ‘previsões’ para 2024

  • O trabalho híbrido tem aumentado em relação a 2022, em detrimentos do modo ‘full remote’
  • A maior parte dos profissionais tech portugueses não quer emigrar, e tem níveis elevados (8.6/10) para trabalhar remotamente para uma empresa além fronteiras
  • O salário anual bruto médio de um profissional Tech em 2023 foi de 46.334€
  • O Gap salarial entre homens e mulheres foi, em 2023, de 35% (com vantagem para os homens), sendo que as mulheres representam 20% do mercado de trabalho tech
  • 73% dos profissionais Tech residem na Grande Lisboa (55%) e Grande Porto (18%)
  • Mais de 50% dos profissionais Tech trabalham para Consultoras Tecnológicas ou Corporates (grandes empresas)
  • 10% dos profissionais Tech residentes em Portugal são originários de outro país
  • Os profissionais Tech ficam, em média, 3.1 anos numa empresas
  • Os hiring freezes vão terminar, e as empresas vão retomar as contratações, embora de forma mais cautelosa no que toca à relevância das contratações e aos salários oferecidos
  • Muitas empresas deverão reduzir e consolidar as suas equipas internas de recrutamento Tech, recorrendo a recrutadores externos (RPOs) para necessidades temporárias ao invés de aumentar o headcount interno
  • O investimento em Employer Branding vai crescer, devido sobretudo à necessidade de diferenciação das empresas na atração e captação de talento Tech
  • O IT Staffing / Outsourcing (recursos externos subcontratado e potencialmente internalizados após um período inicial) irá aumentar, por forma a dotar as empresas com maior capacidade de escalar rapidamente as suas equipas tech, e de terem maior flexibilidade na gestão das mesmas. Serão utilizados providers nacionais e internacionais
  • Um número crescente de empresas optará pela contratação de profissionais tech além-fronteiras (para trabalho remoto, e sobretudo para realocação)
  • O ChatGPT irá aumentar as necessidades de profissionais Tech, não diminuir
  • A percentagem de profissionais Tech em Portugal a trabalhar para empresas além fronteiras irá aumentar, passando dos 25%
  • Os salários dos profissionais Tech continuarão estabilizados, tendo somente uma atualização em alta como reação à inflação que se tem feito sentir

Termino com um apelo para a participação no novo estudo Tech Hiring Trends 2024, cujo objetivo é produzir um relatório que permita perceber como encaram as empresas 2024 do ponto de vista de Tech Hiring. Para participar aceda aqui.

(*) Chief Growth Officer @Landing.Jobs