Por Miguel Oliveira (*)

Em 2024 a escola continua com um “modus operandi” que deriva da 1ª Revolução Industrial. Um ensino para as massas, baseado na repetição e na memorização, com poucas oportunidades de diferenciação e personalização, num apanágio “one size fits all”, caracterizada pelo chavão “Uma metodologia do século XIX, professores do século XX e alunos do século XXI”.

Benjamin Bloom, no seu icónico "The 2 Sigma Problem: The Search For Methods of Group Instruction as Effective as One-to-One Tutoring", identificou uma lacuna significativa nos sistemas de educação: alunos que recebem tutoria individualizada superam os que seguem o ensino convencional por uma margem de dois desvios padrão. Este fenómeno sublinha a importância crítica da personalização na educação para alcançar níveis de excelência.

Com o advento das ferramentas de Inteligência Artificial, como o ChatGPT, surge uma oportunidade revolucionária para enfrentar este desafio educacional. A Inteligência Artificial (IA) oferece a possibilidade de adaptar a educação ao ritmo e estilo individual de cada estudante, fornecendo feedback personalizado e contínuo. Esta abordagem espelha os benefícios da tutoria individualizada, potencializando-os numa escala muito mais ampla.

A aplicação de estratégias de aprendizagem cooperativa, inspiradas nos trabalhos de Robert E. Slavin, pode ser fortalecida através da IA. Estas estratégias incentivam a colaboração entre alunos, onde cada um se responsabiliza pela sua própria aprendizagem contribuindo para o desenvolvimento coletivo do grupo. A IA pode ser catalisadora deste processo, criando experiências de aprendizagem interativas, profundamente envolventes e acima de tudo personalizadas para o estilo, gosto e ritmo de cada um.

Contudo, a incorporação da IA na educação levanta questões éticas significativas, especialmente em relação ao equilíbrio entre o ensino personalizado e a partilha de informação pessoal. A personalização eficaz requer o acesso a dados detalhados sobre o aluno, o que pode incluir informações sensíveis sobre seu estilo de aprendizagem, desempenho académico e preferências pessoais. Esta necessidade levanta preocupações sobre a privacidade e o uso apropriado desses dados. É imperativo que os sistemas de IA sejam projetados com salvaguardas robustas para proteger a privacidade dos estudantes e garantir que os dados sejam usados de forma ética e responsável.

Neste contexto, surge a questão: num cenário de partilha de dados pessoais, será necessária a implementação de um mecanismo de salvaguarda para os menores/estudantes, como o consentimento informado? Esta questão é muito relevante, pois envolve a proteção de um grupo que na sua maioria é menor de idade. O consentimento informado, um pilar ético em muitos contextos, pode garantir que os estudantes e os seus responsáveis estejam plenamente conscientes de como os seus dados são utilizados, permitindo-lhes fazer escolhas informadas sobre a sua participação.

Além disso, as escolas terão de evoluir para se tornarem garantes da proteção dos dados pessoais. A criação de novos atores nos contextos académicos, que possam estar habilitados para zelar por este novo tipo de bem, os dados pessoais, terá que ser uma prioridade. Nesta “nova” escola, a salvaguarda dos dados pessoais dos alunos deverá ser inscrita como um dos valores fundamentais das instituições educativas, garantindo assim um ambiente de aprendizagem seguro e confiável.

A implementação de IA na educação promete não só otimizar a eficiência do ensino, mas também democratizar o acesso a uma educação de qualidade superior. No entanto, a gestão responsável de questões como a privacidade de dados e a infraestrutura tecnológica necessária é fundamental.

As ferramentas de IA, representam um salto significativo na superação do "Problema dos 2 Sigma" de Bloom. Com a sua implementação, vislumbramos um futuro onde a educação personalizada e de alta qualidade esteja ao alcance de todos, preparando as novas gerações para os desafios de um mundo em constante transformação.

Aqui o importante não é a questão da substituição dos professores por IA (algo que não deverá sequer estar em causa), mas sim de como conseguiremos que a escola continue a ser o fator determinante na promoção do desenvolvimento humano, a geradora de oportunidades, o elevador social. Uma escola que “aumente” os seres humanos e não seres humanos aumentados pela IA.

(*) membro da Direção Nacional da Ordem dos Psicólogos Portugueses