Por Mário Nogueira (*)

A palavra “inovação” entrou no discurso diário – seja em referência a um produto, serviço, processo, empresa ou pessoa – e, por via da repetição de uso, acabámos por interiorizar a ideia e, pouco a pouco, esquecer a sua definição, conceitos e pressupostos. O que caracteriza exatamente a inovação?

Numa possível definição, “inovação é a implementação de ideias que resulta na introdução de novos produtos ou serviços ou na melhoria na oferta de produtos e serviços”. Desde já, podemos inferir que a inovação pode dar-se através de novos produtos ou serviços, ou da sua melhoria; ou seja, nem sempre implica a criação de algo novo. Por outro lado, para que este processo de criação ou alteração seja considerado inovação, espera-se que traga algum tipo de melhoria ou de acréscimo de valor.

É aqui que deverá estar o ponto de partida para a inovação. Considerando que a maior parte dos processos de produção de bens ou de prestação de serviços se apoiam em tecnologia, a evolução tecnológica parece ser um bom motor de inovação. A oferta é vasta, pois a tecnologia é uma área onde a Inovação é, ela própria, um ponto-chave (qualquer empresa tecnológica que não inove rapidamente desaparece) e o ritmo de aparecimento e/ou evolução de tecnologias é extraordinário, algumas delas com elevado potencial disruptivo e enorme acréscimo de valor.

No entanto, este ritmo causa mudanças regulares de estratégia e de direção das empresas que optam por esta abordagem, que pode ser designada por “Inovação pela Tecnologia”. A tecnologia torna-se não a ferramenta da inovação, mas o seu fim, desencadeando todo o processo. Isto pode trazer resultados positivos e acabar por acrescentar valor ao produto ou serviço; no entanto, parece ter perdido o foco no seu objetivo final, aumentando assim o risco de resultados menos alinhados com as expectativas do destinatário dos produtos ou serviços.

Desta forma, parece ser não só mais eficiente, mas acima de tudo mais coerente focar a Inovação no valor aportado ao cliente – regressemos a uma “Inovação para Pessoas”.

Nesta abordagem, o termo “Pessoas” engloba várias personas. A primeira delas, e talvez a mais evidente, é a do cliente. Qualquer processo de Inovação deve sempre partir da análise da persona do cliente, de forma a compreender as suas expectativas e a poder orientar a introdução de novos produtos/serviços ou a revisão dos existentes para corresponder ao que o cliente espera. Não basta informação demográfica para tal; é preciso ir a um nível sociológico para melhor modelar esta persona. Também não é suficiente a análise do cliente já existente, ou estar-se-á a incorrer num survivorship bias, onde se perde informação sobre os potenciais clientes que nunca interagiram com a organização. Só com toda esta informação será possível uma modelação mais rigorosa e o verdadeiro conhecimento do cliente (atual ou potencial), a partir da qual podem então ser planeadas as possíveis melhorias ou a criação de novos produtos/serviços, alavancadas na extensa oferta de tecnologia existente.

Mas os negócios nem sempre são um jogo de soma nula; para que alguém ganhe não é necessário que outro perca. Muitas vezes é possível estabelecer colaborações ou parcerias, que acabam por trazer valor a ambas as partes e potenciar mutuamente o negócio. Há, portanto, que pensar também na “Inovação com Pessoas” e modelar outra persona: o parceiro de negócios. A empresa não deve pensar numa lógica isolada, de silo, mas sim estabelecer relações, colaborações e parcerias numa lógica de ecossistema. Fator crítico de sucesso será a definição de uma arquitetura de sistemas centrada em dados e/ou serviços, que permita materializar de forma ágil, controlada e segura estas novas trocas de informações e serviços. E, mais uma vez, a tecnologia para tal está disponível e é de fácil adoção.

Há também que incluir neste processo os próprios colaboradores, principais responsáveis pela execução de todos os processos core e de suporte da organização. O foco deverá ser aumentar a sua satisfação e motivação, garantindo as ferramentas adequadas ao trabalho e eliminando as tarefas repetitivas, de baixo valor, executadas diariamente. Para tal, poderá não ser suficiente olhar para um mapa de processos e propor melhorias; muitas vezes, estas atividades estão escondidas em micro tarefas. Será necessário um trabalho de campo, observando as atividades executadas no dia a dia e procurando identificar as ineficiências, para ar eliminar ou automatizar. A aposta em plataformas de desenvolvimento e infraestruturas mais ágeis e resilientes (por exemplo, low code e Cloud, respetivamente) trazem enormes benefícios à eficiência e motivação das equipas, reduzindo o esforço necessário e criando oportunidade para a realocação dos recursos a tarefas de maior valor, mais motivantes e desafiantes.

Por fim, não esquecer que fora do ecossistema onde a organização opera está todo um mundo que importa preservar para as gerações futuras – a “Inovação para o Mundo”. O foco será garantir os princípios ESG em todo o processo, começando por conhecer, qualitativa e quantitativamente, os impactos causados pela organização e seus processos, produtos e serviços no ambiente, e como os mitigar. Também os aspetos sociais devem ser acautelados, até porque podem ser determinantes para alcançar novos segmentos e/ou clientes. Temas como a falta de acessibilidade, ou simplesmente a consideração dos canais de interação a disponibilizar, podem automaticamente excluir franjas significativas da população da utilização dos produtos/serviços. Finalmente os temas éticos, não só no tratamento de dados (tema já parcialmente endereçado pelo RGPD), mas também na utilização de IA, que se pretende responsável. É essencial ter todo o cuidado no seu ciclo de vida, desde a seleção dos dados de treino à compreensão dos algoritmos e explicabilidade dos resultados.

Uma última nota para o que se pode denominar como “Inovação Infinita”: este processo aqui abordado não é algo que ocorra de forma única, num momento específico no tempo. Qualquer uma das personas mencionadas muda, pela evolução do contexto ou pela própria evolução humana, sendo de esperar novas ferramentas, expectativas e exigências. Há, portanto, que manter este esforço de conhecimento, compreensão e modelação de forma constante, de modo a que o modelo criado se mantenha o mais fiel possível à realidade em qualquer momento.

A Inovação tem de passar a ser um processo organizacional, ao lado de qualquer outro processo core ou de suporte, num ciclo infinito de compreensão e melhoria, onde a tecnologia é uma ferramenta essencial, mas o foco regressa às pessoas.

(*) Global Offer Portfolio Director, Devoteam