Por Luis Bravo Martins (*)

Desde há alguns anos que coroamos anualmente uma nova, grande tendência tecnológica.

Em 2022, essa tendência foi o Metaverso. A memória desse tempo é bastante confusa, dado estarmos a falar de um conceito que não é possível substancializar numa única plataforma, numa única imagem. A multiplicidade de definições, o hype reinante e a alienação percebida nos óculos de realidade virtual extremaram o debate e essa mesma confusão. Mesmo assim, hoje encontramos o Metaverso na estratégia de Web 4.0 da Comissão Europeia e em diversas associações ativas em Portugal, como a VR/AR Association, a secção de Metaverso da APDC ou a Euromersive.

2023 foi o ano da inteligência artificial generativa. De igual forma, todos sentimos muito hype e dificuldade em compreender a complexidade técnica e o impacto profundo que a tecnologia nos trouxe. Mas a discussão foi muito menos confusa, porque um produto ilustrou a tendência de forma cabal, permitindo a sua utilização massificada.

O ChatGPT não foi o primeiro serviço a ser publicado mas foi certamente o produto que mais experiências de IA generativa garantiu, começando logo pelo período de tempo que necessitou para obter um milhão de utilizadores: 5 dias. A simplicidade do interface facilitou o acesso de todos os níveis de utilizadores. Em segundos, um texto é sumarizado ou criado a partir de um tema; soluções para equações e problemas matemáticos complexos são apresentados; relatórios comparativos entre sites ou serviços de fornecedores concorrentes no mercado são produzidos; uma nova letra para o hino nacional é reproduzida.

Outros serviços de IA como Dall-e, Midjourney, Runway ML e Synthesia redefiniram as profissões de designer, marketer, formador, professor e muitas, muitas outras, com os principais softwares do mercado a adaptarem-se. A necessidade de novas competências tornou-se clara e as universidades rapidamente criaram cursos executivos e de formação especifica para alavancar estas ferramentas e os conceitos inerentes.

Bastou que a tendência fosse concretizada em ferramentas acessíveis a todos e com objetivos claros para a adoção acontecer sem grande discussão de início.

Mas esta surgiu quando os resultados não foram os esperados, quando incluíam preconceitos raciais ou de género ou quando simplesmente não estavam certos. Quando as fontes mencionadas por estes serviços não bateram certo. Quando a uma  obra de arte de IA generativa bateu diversas criações manuais de artistas e ganhou um concurso. Quando dados privados, pessoais ou mesmo propriedade intelectual registada começaram a aparecer nos resultados da IA generativa sem permissão.

Em 2024, acredito que teremos uma continuação deste debate simplesmente porque o sentimos como demasiado importante. Os serviços de IA Generativa dependem exclusivamente dos dados que obtêm – quer através da recolha massiva destes que fizeram e fazem online, quer através dos dados gerados pela nossa utilização das plataformas e das escolhas de navegação que realizamos.

Como podemos dar consentimento a estes serviços para recolherem dados tanto online como em ambiente empresarial? Como permitir que cada individuo possa controlar a utilização dos seus dados ao longo do tempo? Como garantir que os dados são efetivamente removidos após uma solicitação e que sequer existe um processo claro para que isso aconteça?

Acredito que no próximo ano veremos esta tendência ainda mais marcada graças ao lançamento de novos óculos de VR, nomeadamente os Apple Vision Pro. Após uma primeira onda de comunicação onde aprenderemos o novo termo da Apple para o Metaverso (Spatial Computing), veremos pela primeira vez o potencial de associar uma Siri a experiências personalizadas em realidade virtual e aumentada para mercados tão diversos como o retalho, o turismo, a industria, a Saúde ou a Educação.

Dada a reputação da Apple de promover a privacidade e segurança de dados dos utilizadores, é razoável pensar que nos será apresentada uma solução para o elevado volume de vídeo, som e informação biométrica recolhida a partir do dispositivo. Mas decerto teremos algumas disputas, dado o numero de dados que se podem inferir/deduzir a partir de dados biométricos em experiências VR (gestos, eye-tracking, movimento do corpo, comandos de voz), sendo que estes dados inferidos não são enviados pelo utilizador. Alguns dirão que não precisamos de acesso a esses dados, outros defenderão que eles são propriedade do utilizador.

De qualquer das formas, a utilização responsável de tecnologias passa por entendermos quanta da nossa pegada digital está implicada em cada processo. A XR Safety Initiative, em parceria com a APDC,  criaram uma parceria especificamente para endereçar esta necessidade. As universidades podem desempenhar um papel essencial não apenas a integrar as tecnologias nos cursos de currículo académico, como licenciaturas ou mestrados, mas também a educarem sobre identidade digital, cidadania digital e todo o volume dos nossos dados pessoais inerentes à utilização de serviços tecnológicos.

A partir de 2024, seja no Metaverso, na IA Generativa ou na Internet, os dados deixam de ser o novo petróleo. Os dados são e serão o novo oxigénio dos mundos virtuais.

(*) CMO da KIT-AR