2011 é o ano que marca o início de uma atividade mais regular no crowdfunding em Portugal. Foi o ano de lançamento das duas plataformas portuguesas que hoje mantêm um papel mais ativo nestes serviços de suporte a campanhas de financiamento coletivo. PPL e Massivemov sobreviveram ao encanto inicial à volta do conceito e mantiveram-se no terreno a crescer e a ganhar adeptos, tanto do lado dos empreendedores como dos investidores.


A consolidação tem-se feito lentamente, tal como a adesão ao modelo. Em 2013 o PPL publicou 145 projetos, dos quais 69 garantiram o financiamento necessário para sair do papel, ou do protótipo, com uma verba total de 178 mil euros. Desde que a plataforma foi lançada foram angariados mais de 370 mil euros.

O Massivemov não revela dados anuais mas divulga alguns números acumulados. Desde que foi lançada, a plataforma que junta parceiros como o Aveiro Empreendedor, IEUA, E-goi ou Mk-IS angariou 133.988€.

Neste universo, os projetos ligados à área da tecnologia têm um peso reduzido em número, mas curiosamente destacam-se pelo volume de financiamento e acabam por se posicionar entre os maiores sucessos da curta história do crowdfunding em Portugal.

A confirmá-lo, o projeto com maior volume de financiamento na história do Massivemov foi o Onframe. No PPL esse recorde, até final do ano passado, era detido pelo Sebas, que conseguiu juntar 1.900€. Já este ano o recorde foi ultrapassado pelo drone do IGOT, campanha que conseguiu juntar 21.817€.


Nas plataformas nacionais destacam-se outros projetos, como o Queepix, que conseguiu reunir 2.519€, mas também há exemplos de campanhas de sucesso viradas para o mercado internacional, como o Ziphius.

Ziphius o primeiro grande sucesso português no crowdfunding

O projeto resulta de um spin-off da YDreams, a Azorean. Ganhou o concurso de ideias do Engadget, Insert Coin e com isso garantiu desde logo um amplo destaque internacional e um bom cartão de visita para a campanha de crowdfunding que em seguida submeteria ao Kickstarter. O financiamento foi garantido no final de julho do ano passado: 127.199 dólares, um pouco acima dos 125 mil solicitados pela empresa.

O Ziphius é apresentado como o primeiro drone aquático controlado através de uma aplicação móvel que permite a exploração em tempo real de ambientes aquáticos. O dispositivo, que integra um Raspeberry Pi, também será equipado com um sensor fotográfico para a captura e transmissão de vídeo em HD. Foi pensado para diversão pessoal e pode ser usado, por exemplo, como plataforma para jogos de realidade aumentada, mas também pode ser uma ferramenta de trabalho para análise de ambientes aquáticos de difícil acesso.


Os planos traçados à data da campanha apontavam março de 2014 como data para o lançamento do produto, mas a estimativa não se confirmará. Como explicou ao TeK Edmundo Nobre no início de fevereiro "embora já na fase final, ainda está a decorrer o processo de otimização, tanto ao nível das várias componentes (software, hardware e design Industrial), como ao nível da seleção dos fornecedores para as várias componentes" do drone.

O administrador da YDreams prevê agora que o projeto esteja completo entre junho e julho. Em consequência, o lançamento comercial no mercado mundial ficará adiado para o último trimestre de 2014, uma revisão de prazos que tem sido partilhada com os 472 apoiantes do projeto.


Edmundo Nobre explica o atraso com a dificuldade de prever com rigor todas as etapas de desenvolvimento de um projeto quando este ainda é um protótipo, como acontece quando uma campanha é lançada numa plataforma deste tipo.


"Tipicamente, os projetos que se envolvem nestas campanhas apresentam-se ainda num estado de protótipo, ainda muito longe do produto final. Nesta fase, nem sempre é fácil avaliar corretamente os desafios que se vão encontrar na passagem de protótipo para produto, e para a posterior fase de promoção e comercialização". A tarefa complica-se mais ainda para as empresas que se candidatam com o seu primeiro produto. Também pode ser sabotada pelo entusiasmo dos promotores.


"Também é normal abraçar-se estas experiências com um grande otimismo, sendo que as coisas são sempre mais difíceis e demoram sempre mais tempo do que nós gostaríamos", confirma o responsável.

Queepix: 100% de financiamento, 0% de informação sobre o produto

Os atrasos no desenvolvimento de produtos financiados através do crowdfunding é recorrente. Marcou projetos de referência, como as consolas Ouya ou GameStick, e também marca alguns dos maiores sucessos do crowdfunding doméstico. Um dos exemplos mais flagrantes é o Queepix, um projeto dos fundadores da Wbiwhere que recolheu 2.519€ no Massivemov. A campanha de financiamento terminou a 27 de março do ano passado. A verba serviria para, nos 6 meses seguintes, lançar a plataforma e em 12 meses desenvolver uma aplicação móvel.


O Queepix foi pensado para simplificar e organizar a partilha de momentos guardados em formato digital, que através da plataforma poderiam transformar-se em apresentações multimédia. "Conteúdos multimédia georreferenciados, pessoas associadas a cada imagem, comentários e likes do Facebook são exemplos da informação catalogada e processada na Queepix", descreviam os promotores do projeto no texto da campanha.


Rui Costa, CEO da Ubiwhere e promotor do Queepix, explicou ao TeK que os atrasos em torno do desenvolvimento da plataforma financiada no Massivemov refletem as muitas alterações do mercado desde que foi lançada a iniciativa até à altura em que ficou concluída.


O responsável refere que "o panorama mundial mudou bastante" no universo deste tipo de serviços, com o lançamento de novas ofertas que fizeram a empresa questionar o rumo a dar ao Queepix. E as explicações sobre o projeto, que reuniu 33 apoiantes, terminam por aqui. Quase um ano após o fim da campanha nada se pode ainda revelar sobre o novo Queepix, os prazos de lançamento, ou as principais alterações face à ideia inicial. "Não é o momento" explica Rui Costa.


Ainda que nem sempre tenham sucesso nessa missão, as plataformas de crowdfunding garantem que fazem um esforço para acompanhar a fase pós-campanha e garantir que os prazos definidos pelos promotores são para cumprir.


Pedro Domingos, fundador do PPL, admite as derrapagens mas defende que uma boa comunicação pode contornar um problema que, na maior parte dos casos, tem a mesma explicação.


"Também no PPL já houve atrasos e mediamos sempre algumas questões entre os apoiantes e os promotores", refere o responsável que dá um exemplo: "um artigo mostrou que a maior parte das campanhas mais populares do Kickstarter foram vítimas do seu próprio sucesso. Porém, com a comunicação honesta e aberta com os apoiantes, os resultados têm terminado da melhor forma", defende.

Nota de redação: Após a publicação deste artigo a Ubiwhere contactou o TeK e acrescentou à informação prestada pelo seu CEO, via telefone, um dado que não tinha sido fornecido no primeiro contacto, onde apenas referiu que a empresa não perdeu o contacto com os apoiantes e manteve-os informados das alterações aos objetivos e prazos iniciais da campanha. No esclarecimento enviado indica-se:

"Depois de não se dar seguimento com o desenvolvimento do produto, a Ubiwhere cumpriu na íntegra e escrupulosamente todas as responsabilidades daí resultantes, ou seja, fez questão de devolver todo o financiamento que angariou a todas as pessoas envolvidas e que investiram no protótipo."

A empresa também informa que "de entre as 33 pessoas que investiram no Queepix (num total de 2.519,00€), apenas ainda não foi devolvido o valor do investimento a 1 pessoa, ou seja, já foi devolvido 99,8% do valor angariado, ficando assim a faltar devolver menos de 1%. Não temos, neste momento, o contacto direto da pessoa em questão mas estamos a trabalhar na resolução do problema – e é algo que está a ter a maior das atenções e transparência por parte da empresa e que vai ser reposto no menor tempo possível".

"Não é, nem nunca foi intenção da Ubiwhere, enganar os consumidores através desta aplicação, nem, muito menos, angariar financiamento desta forma, sem ter como objetivo dar um seguimento justo ao projeto em causa", refere igualmente a Ubiwhere.

Confrontada pelo TeK com a informação fornecida pela Ubiwhere e as obrigações de informação dos promotores relativamente à alteração de termos definidos nas campanhas de crowdfunding, João Marques, fundador e gestor de projeto da plataforma, garante: "o projeto Queepix reavaliou o lançamento do seu produto como descrito na campanha e decidiu não avançar com a sua implementação. Assim, falou individualmente com cada um dos seus apoiantes, explicou a sua posição e devolveu os apoios aos apoiantes".

Acrescenta o responsável que "para a Massivemov, este é um óptimo exemplo da transparência, do espírito colaborativo e do sucesso que o crowdfunding, como modelo financeiro, acrescenta às relações entre projetos/empresas e os seus apoiantes/clientes, para além de cumprir com os Termos de Uso que ambos, promotores e apoiantes, aceitam aquando do seu registo na Massivemov".

A partilha de documentos foi só um princípio para a Class Notes
O maior sucesso do PPL até ao final do ano passado, na área da tecnologia, conseguiu no entanto levar os objetivos a bom porto sem grandes atrasos.


O Sebas recolheu no crowdfunding 1.900€, entregues por 72 apoiantes. A plataforma de partilha e descarga de documentos universitários para estudantes já existia quando recorreu ao crowdfunding. O recurso foi utilizado com o objetivo de angariar recursos para um reposicionamento e criação das bases para desenhar um mercado mais global. Era necessário dinheiro para promover esta transformação e fazer a divulgação do site para aumentar a comunidade, objetivos que ditaram a submissão da campanha ao PPL.


"Queríamos uma plataforma global também para os estudantes que estão fora de Portugal", explica Ruben Pimenta, um dos três promotores do projeto que já fez a reestruturação e hoje se chama Class Notes, numa alteração relacionada com a mudança de domínio do site de .pt para .com.


Além do nome e do aspeto gráfico do site, o financiamento permitiu fazer melhorias ao nível da usabilidade e simplificar o pedido de documentos na comunidade. O sistema de incentivos também mudou, apostando agora mais numa lógica de gamification.

O Class Notes angariou entretanto 3.200 utilizadores que têm acesso a um total de 430 documentos que por princípio são gratuitos. Passam a ser pagos quando atingem uma classificação máxima por parte da comunidade, definida pelo interesse e qualidade. A receita gerada é partilhada entre autores e plataforma.


O projeto também já deu alguns passos na desejada internacionalização. Há uma parceria com uma universidade de Angola e o objetivo é desenvolver outras, numa comunidade que quer "ser uma suite de ferramentas e não só o marketplace de documentos que é hoje, como explica Rúben Pimenta.


Um drone para apoiar a investigação na Antártida


O Sebas foi até final de 2013 o projeto com maior número de apoiantes e volume de financiamento na plataforma PPL, mas já este ano o recorde for batido pelo 3D Antártida. O projeto conseguiu reunir 21.817€ - um pouco acima dos 20.00€ pedidos - para comprar um drone e acelerar o ritmo nos projetos de investigação que o Grupo Polar da Universidade de Lisboa tem vindo a realizar na Antártida.


O equipamento vai ser uma ajuda preciosa no estudo das alterações climáticas e do seu impacto na região. Cria condições para a construção de mapas 3D da região que irão colmatar a escassez de dados topográficos, resultantes das dificuldades no processo de recolha usando meios mais convencionais.


O drone vai recolher imagens do solo com grande resolução e criar mapas tridimensionais com essa qualidade de imagem, utilizando para isso uma câmara ótica e uma câmara de infravermelhos. Terá uma autonomia de voo próxima de uma hora, muito superior ao dispositivo usado até agora que não consegue voar mais de 10 minutos.



Os primeiros testes com o drone já decorrem na Antártida, o diário da missão pode ser acompanhado no Facebook do projeto 3D Antártida. Os próximos objetivos da expedição serão concretizados só no próximo ano.

Onframe: o lugar das fotos é na parede

Outro sucesso do crowdfunding nacional, já a rolar, é o Onframe, que recolheu o apoio necessário para transformar uma ideia num negócio através do Massivemove. Os promotores pediram 9.500€ conseguiram 10.205€, financiados por 248 apoiantes.


Embora a falta de dinheiro para desenvolver a ideia fosse uma limitação para os promotores, não foi a principal razão para o recurso ao crowdfunding. Os empreendedores escolheram financiar-se através de uma plataforma deste tipo porque consideraram que essa seria a melhor forma de testar a ideia e perceber se o mercado estava disponível para a receber, como explica Pedro Homem.


Os objetivos cumpriram-se e alimentaram-se mutuamente. A plataforma financiou o negócio e ajudou a divulgá-lo e a gerar interesse no produto. A estrutura do Massivemov promoveu oportunidades de divulgação do projeto na imprensa e forneceu dicas e conselhos para a criação de uma campanha de comunicação que acompanhasse a de financiamento e afinou a receita para o sucesso da iniciativa.


A proposta da Onframe pode ser encarada como um regresso ao passado, a tirar partido do melhor da tecnologia…neste caso da fotografia digital e do comércio online.



O cliente carrega no serviço online as fotos que quer ver emolduradas, escolhe a moldura (há várias cores disponíveis) e recebe-a em casa, com a imagem trabalhada e o suporte para colocação na parede. O processo é simples, o produto adapta-se facilmente a diferentes gostos e decorações e o sistema de fixação das molduras também é inovador - usa um íman que é colado à parede.



As vendas do produto começaram em dezembro e Pedro Homem garante que têm corrido bem. Os quatro promotores do projeto que trabalham em arquitetura, design e comunicação, mantêm a atividade que já tinham antes de partir para esta aventura, mas têm planos para levar a Onframe mais longe. A internacionalização é um plano que já deu os primeiros passos, o site já recebe algumas encomendas de clientes de outros países, e continuará a trabalhar nesse sentido.

Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

Cristina A. Ferreira