O documento está aberto a comentários e sugestões até 8 de setembro por parte de toda a comunidade, como noticiou o TeK na semana passada, e permitirá decidir de que forma será gerida a IANA num futuro próximo, numa proposta onde se destaca o modelo multistakeholder, e independente do domínio de Governos, mas que pode ainda sofrer muitas voltas antes de chegar a uma formulação final, até porque as "guerras" para manter o domínio dos destinos da infraestrutura da rede têm sido intensas.

Atualmente as funções da IANA (Internet Assigned Numbers Authority) são geridas pelo ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) e mantêm-se por isso sob o domínio do Departamento de comércio norte americano (NTIA), no entanto os seus estatutos previam o processo de passagem do controle, que deveria acontecer em setembro deste ano, uma meta que não representa um deadline.
O processo está, porém, longe de ser pacífico, apesar de se tratar de uma gestão técnica. Mesmo nos Estados Unidos há quem se oponha à cedência do controle que atualmente é feito sobre a infraestrutura da Internet, existindo múltiplas visões diferentes sobre qual o melhor modelo, que têm vindo a ser debatidas e que também na União Europeia não são encaradas de forma muito sintonizada.
Para perceber a forma como vários players encaram este processo de mudança o TeK pediu comentários a várias entidades que em Portugal têm olhado com atenção para estas matérias, e que têm atividades que são fortemente relacionadas com o tema.

 

Supranacional e não intergovernamental
Ana Neves, diretora do Departamento de Sociedade da Informação da Fundação para a Ciência e Tecnologia, e representante de Portugal no GAC (Governmental Advisory Committee no ICANN) acredita que a gestão da IANA deve ser feita por uma entidade multistakeholder supranacional e não intergovernamental, que responda ao Direito Internacional e não ao Direito da Califórnia.
“É a isto que Portugal se refere quando defende a internacionalização da ICANN e não a sua globalização, pois globalizar a ICANN é torná-la numa multinacional norte-americana subjugada ao Direito da Califórnia – reflita-se bem nisto quando os EUA dizem que se afastam da gestão da ICANN – enquanto que, defender a sua internacionalização, é defender uma entidade de gestão da Internet mais neutra, e “accountable” à comunidade internacional e mundial que representa”, justifica.
Isto não significa que Portugal defenda que deverá ser uma entidade como a ONU ou uma das suas organizações –entre as quais a UIT – a assumir este papel, avisa Ana Neves. Ainda assim, a principal preocupação do GAC, e da representante de Portugal neste comité, é que a infraestrutura se mantenha estável, e Ana Neves prefere colocar forças e atenções na proposta para reforço do quadro da accountability da ICANN, que deve ser aprovada antes do processo de transição da privatização da IANA começar a ser implementado.
Esta proposta está igualmente em consulta pública até 12 de setembro e daqui deverá resultar um documento que será submetido ao Board da ICANN e que é mais relevante do ponto de vista político.

 

Segurança, estabilidade e resiliência
A componente técnica da infraestrutura é porém vista como muito relevante pela Associação DNS.pt. Luisa Geifão, presidente do Conselho Diretivo desta entidade que gere os domínios de topo .PT, lembra que “importa manter uma Internet global, livre, aberta e também inclusiva que seja um meio de aproximação de todos os cidadãos, sem exclusão de ninguém na sua utilização, mas também na sua gestão”.
“É conhecida a minha posição de defesa de modelos multistakeholder ou multiparticipativos nos quais todos os interessados pela gestão de um bem, devem ser ouvidos e participar nessa gestão. Foi isso que aconteceu em Portugal, com o .PT e é essa a nossa posição para a gestão global da Internet que passa também pela assunção por uma organização deste tipo na gestão das funções IANA que agora se discutem”, justifica.
Para esta responsável a proposta que está a ser discutida vem materializar aquilo que a grande maioria da Comunidade Internet aconselha: a manutenção da segurança, estabilidade e resiliência da Internet e a defesa de um modelo multistakeholder.
“A Internet é o meio de comunicação global por excelência nos dias de hoje, pelo que existe a necessidade de globalizar também a sua gestão, retirando-a do domínio norte-americano que as suas origens ditaram ou de qualquer outro domínio e por isso tem havido este movimento global que julgo se irá materializar com uma gestão mais global e participada da Internet e menos governamentalizada”, adianta em resposta ao TeK.

 

Dispersão da Internet é o maior risco
Nuno Matias, Country Manager da Amen Portugal e um dos representantes da comissão de eHosting, Domínios e Alojamento da ACEPI – Associação da Economia Digital, tem uma visão consoante com a da DNS.pt.
Reconhecendo que “a IANA (e o Governo dos Estados Unidos), apesar da pressão, continua com “a faca e o queijo na mão”, ou seja, dependerá muito da sua unilateral vontade em mudar o controle norte americano das funções atuais da IANA e como tal da própria Internet tal como a conhecemos”, Nuno Matias admite que é uma situação bizarra que perante a importância da Internet seja dada uma palavra decisiva sobre a sua configuração ao Governo dos Estados Unidos.
“Por um lado, este documento publica os princípios desta transição que poderá apresentar a ideia nobre do modelo multi stakeholder dentro da comunidade mundial colocando voz na sociedade civil e nos governos mas por outro duvida-se da sua concretização imediata conforme agendado para Setembro, referido por muitos como um simples simulacro”, adianta, avisando que o Governo norte americano poderá encontrar “uma forma criativa” de conservar o controle da IANA apesar da nova entidade multistakeholder a criar.
O risco maior será o da dispersão da Internet em pedaços isolados, ou do surgimento de uma nova rede, alerta Nuno Matias.
“Para já, diria 'A Oeste nada de novo'. Apesar de todos os seus defeitos, continuo com alguma espectativa otimista com o resultado vindo voluntariamente da IANA, seja agora ou mais tarde através de uma nova configuração do congresso norte-americano. Teremos de confiar contribuindo e pressionando”, sublinha o country manager da AMEN.