Não comecemos pelo Netflix, comecemos pelo Spotify por já ser mais conhecido dos portugueses. O serviço de música da empresa sueca surgiu em 2008 e desde então tem vindo a conquistar utilizadores em todo o mundo: atualmente são mais de 60 milhões.

O sucesso do Spotify deve-se não só ao seu catálogo de músicas e ao modelo económico agressivo, mas deve-se também à sua usabilidade: uma aplicação, milhares de artistas, milhões de músicas, disponíveis no PC, smartphone ou tablet à distância de alguns cliques.

O Spotify tem um modelo gratuito e um modelo pago. E o modelo pago ronda os 6,99 euros mensais, um valor que do ponto de vista do consumidor parece equilibrado tendo em conta que permite o consumo ilimitado de músicas todos os meses.

Quer isto dizer que é simples, fácil de usar e é relativamente barato. E isso está a fazer do Spotify uma empresa que ajuda a reduzir os níveis de pirataria na música: na Suécia 25%, na Holanda 10% e noutros países contribuiu para resultados igualmente positivos.

E numa altura em que o serviço de música está a ser pressionado para abandonar o seu modelo gratuito, muitos temem que isso volte a despertar o interesse pela pirataria de conteúdos.

Agora o Netflix. Agora porque sabe-se que o serviço de distribuição de filmes e séries através da Internet vai chegar a Portugal. O Netflix está para o vídeo como o Spotify está para a música, só não disponibiliza uma versão gratuita. O modelo de negócio é parecido, a distribuição é feita igualmente via streaming, pelo que se entender bem como funciona o Spotify, não deverá ter dificuldade em entender o Netflix.

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E tal como acontece no serviço de música, também na plataforma de vídeo a pirataria é usada como uma arma de “boa imprensa”. O Netflix sabe que ajuda a reduzir os níveis de pirataria. Melhor: a empresa estuda os níveis de pirataria em cada país para definir a sua estratégia local ao nível de preços e definição da grelha de conteúdos.

Pode então o Netflix, por si só, ajudar a reduzir os níveis de pirataria em Portugal?

Para o secretário-geral do Movimento Cívico Anti-Pirataria na Internet (MAPiNET), Carlos Eugénio, “tudo o que seja oferta legal é positivo”, uma opinião que é reforçada por Paulo Santos, presidente da Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais (FEVIP). Paulo Santos está mesmo convencido que a chegada do Netflix “vai ter alguns reflexos ao nível da pirataria”, num sentido positivo.

Já Gustavo Homem, da empresa Angulo Sólido e que tem acompanhado o debate social da pirataria de conteúdos em Portugal, tem mais reservas. “Por si só não. Vai depender do custo mensal e do catálogo de filmes e séries disponíveis”, salienta em resposta ao TeK. Mais importante ainda: “Falta ver que tipo de impacto positivo isso irá ter na concorrência (MEO e similares)”, esclarece.

Existem ainda outros factores a ter em conta nesta chegada do Netflix, como salienta o presidente da FEVIP. Apesar de reconhecer que do ponto de vista do consumidor os preços são bons, o responsável não está certo de até que ponto “não coloca em causa a exploração de direitos” por parte de alguns produtores.

“Do ponto de vista legal, excelente, mas há arestas importantes por limar”, declarou Paulo Santos, que teme que os consumidores portugueses fiquem ainda mais reféns das produções norte-americanas.

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Uma questão de espaço e de hábito

A verdade é que o Netflix chega a Portugal numa altura em que existem serviços piratas com reconhecida popularidade, caso do "nacional" Wareztuga. E enquanto estes serviços persistirem, o suposto efeito positivo pode nunca se verificar.

“Acho que há ainda muito espaço para serviços como o Netflix que podem dar verdadeiras garantias de disponibilidade 99,9999% e de legalidade. Claro que seria desejável que o serviço tivesse chegado muito mais cedo, antes de toda a gente que usa a Internet de forma moderna ter procurado alternativas. Mas há grande probabilidade de ser um sucesso, coisa que se vê desde logo pela quantidade de atenção que o anúncio de chegada a Portugal tem vindo a gerar”, defendeu Gustavo Homem.

Carlos Eugénio, da MAPiNET, tem uma posição mais resignada dizendo que “nada consegue bater a gratuitidade”, ainda que estes sites cometam deliberadamente várias ilegalidades. Mas para o porta-voz da associação, há uma verdade que não pode ser negada: “o mercado dos videogramas está a definhar há vários anos”.

Para isso têm contribuído plataformas como o Popcorn Time que funciona como uma outra qualquer aplicação: basta instalar e consumir os conteúdos. O problema? São ilegais. No entanto Gustavo Homem tem uma análise diferente sobre este serviço específico.

“O Popcorn Time é uma coisa absolutamente extraordinária do ponto de vista técnico, de usabilidade e compatibilidade. Repare no desafio técnico que é fazer integração automática de torrents, legendas e capas [...]. O Popcorn Time devia ser um case study para a indústria por demonstrar o que meia dúzia de programadores sem grandes meios - especialmente sem poderem gerir um arquivo centralizado de conteúdos - conseguiu disponibilizar ao mundo. Compare isto com o MEO que anda em 2015 a entregar panfletos de porta em porta a dizer que se podem 'gravar 7 dias da programação na box'... e depois disponibiliza uma aplicação em Silverlight”.

O momento certo na luta contra a pirataria

Um dos exemplos mais recentes que houve na luta contra a pirataria, o bloqueio do The Pirate Bay, está a surtir efeitos positivos, como revelou ao TeK o presidente da FEVIP. “Nota-se alguma diminuição [de pirataria] e alguns sites não voltam”, referiu Paulo Santos a propósito não só do bloqueio do TPB, mas de sites menores que operavam em Portugal. “É um resultado animador para quem está entregue a si próprio”.

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Paulo Santos não tem dúvidas de que este é o momento certo para avançar com uma legislação anti-pirataria. E o anúncio do Netflix para Portugal contribui para este clima mais positivo, defende o elemento da entidade.

Já o secretário-geral do MAPiNET, Carlos Eugénio, considera que independentemente de este ser ou não o momento, será já um momento tardio pois um pacote legislativo anti-pirataria “já devia ter sido implementado há mais tempo”, considerou o responsável. E sobre a lei em si não há preferências, apenas dois pedidos: "que seja eficaz e que seja exequível".

Mas não é só a lei que aparentemente está atrasada. Os próprios serviços como o Netflix não se escapam a um puxão de orelhas, aqui dado por Gustavo Homem. “Convido-o a verificar o diferencial de tempo entre a disponibilidade técnica e a disponibilidade comercial deste tipo de serviço. São mais de 10 anos... tal como foram mais de 10 anos para os MP3”, referiu, a propósito do estado do mercado e da estreia do Netflix para outubro.

“A engenharia de redes e o consumidor moderno estão sempre com dez anos de avanço em relação aos advogados dos direitos de autor e respetivas associações de lobby. E essa é a razão central da pirataria e da antagonização”.

Rui da Rocha Ferreira

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