O último passo antes da aprovação da controversa lei Création et Internet, que prevê a criação da Alta Autoridade Hadopi, foi dado hoje em França e o resultado não podia ser mais amargo para a administração de Nicolas Sarkozy. A votação final para a adopção da nova legislação aconteceu na Assembleia Nacional e resultou em 15 votos a favor contra 21 negativos.

A maioria dos deputados da Assembleia recusou o projecto e a ausência de diversos representantes condicionou o resultado. Isto porque, dois deputados da faixa de Sarkozy votaram ao lado das forças de esquerda, boicotando a tão esperada lei.

Ao longo de todo o processo, o artigo mais polémico foi o que refere o sistema dos três alertas às pessoas que infrinjam a lei ao efectuar downloads ilegais. Após estes três avisos, as ligações à Internet acabam por ser cortadas por um período de tempo que pode variar entre um mês e um ano e os infractores impedidos de subscrever novo contrato com outro ISP.

Este facto causou polémica uma vez que a lei responsabiliza os detentores das ligações com o endereço IP a partir do qual o download decorreu e não o utilizador que efectuou a descarga. Ou seja, o lesado com o corte da Internet poderá ser um estabelecimento comercial ou um responsável por um espaço público de acesso e não obrigatoriamente um consumidor privado.

A este factor acrescia a incerteza quanto à responsabilidade de pagar factura, ou seja, se os infractores que vêem as suas ligações cortadas serão obrigados, ou não, a pagar mensalmente o valor das suas assinaturas. Da discussão não resultou consenso algum e o Governo optou pela aplicação das mensalidades durante o período de penitência, motivo pelo qual os dois deputados do partido de Sarkozy decidiram votar contra a lei.

Por parte das operadoras, as queixas faziam-se sentir principalmente no que toca aos custos que a nova lei traria. Só a Orange estimava gastar mais de 10 milhões de euros anuais na adaptação de infra-estruturas que a lei requer. A este valor juntar-se-iam os estimados pelas restantes operadoras e o valor total ascenderia aos 70 milhões de euros por ano - 20 milhões segundo o Governo - o que, pelas contas dos ISPs e dividido pelo número de internautas franceses, corresponde a mais de dois euros por cabeça.

O responsável pela operadora Free, Xavier Niel, referia em Setembro do ano passado que, caso a lei fosse em frente, o processo de identificação e verificação de cada endereço IP teria um custo de aproximadamente 13 euros e que, por cada notificação não enviada ou suspensão não aplicada os ISPs teriam que pagar uma multa de cinco mil euros.

Já os consumidores contestaram a lei referindo que, ao ser cortada a ligação à Internet, lhes está a ser negado um direito fundamental. Esta foi, aliás, uma das expressões mais ouvidas e utilizadas durante o processo de discussão da lei, tanto por cidadãos como pela oposição. Segundo estes, a norma hoje rejeitada não considera o acesso à Internet como um dos direitos básicos dos cidadãos e factor de combate ao fosso digital.

O caso francês tem sido um dos mais complicados de gerir na Europa dada a polémica em que se envolve e pelas oposições que levanta aos conselhos de Bruxelas. Contudo, não é o único.

Na Suécia acaba de entrar em vigor uma norma aprovada no Verão passado e que prevê o registo de todos os dados pessoais e histórico de navegações dos internautas. O intuito é criar uma base de dados para que a indústria cultural possa ter provas para a denúncia dos infractores.

Logo nas primeiras 24 horas após a entrada em vigor da lei os suecos boicotaram os acessos e o tráfego online diminuiu 33 por cento, dado relevante tendo em conta que a Suécia é país líder em navegação na Europa.

A imprensa nacional conta que as limitações impostas pela lei já se estão a reflectir nos serviços de navegação online anónima, cada vez mais procurados pelos internautas, e que mais de 100 mil utilizadores estão inscritas na Rede Virtual Privada do Pirate Bay, o IPREDator, que por cinco euros mensais mantém o anonimato dos "piratas".

Outro caso europeu é o da Irlanda, onde os comportamentos contra a propriedade intelectual também são penalizados. Em Janeiro a Eircom, a operadora com maior número de assinantes, chegou a acordo para trabalhar com as empresas de audiovisual. O objectivo é simples: "acabar com o abuso na Internet por parte de infractores de copyright no P2P", dizia a IRMA, organização que agrupa as editoras irlandesas, em comunicado.

No âmbito deste acordo, a operadora dará o IP dos infractores a indústria discográfica e colocará em marcha um processo gradual que conduzirá à aplicação do sistema dos três avisos - semelhante ao francês. A indústria já alertou que mantém contactos com as restantes operadoras do país para implementar normas semelhantes.

Patrícia Barreiros