O Artigo 35º da Constituição Portuguesa, mais especificamente o número 5 deste artigo que prevê a proibição de usar um Número Único para identificar os cidadãos, esteve hoje em análise num debate promovido pela Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação (APDSI). O tema gera uma forte divisão entre quem defende que este é um direito anacrónico e os que não querem abrir mão de uma garantia constitucional em nome de uma maior eficácia na organização da Administração Pública.

Entre os vários pontos de vista em debate, com uma visão legal ou social, foi sublinhada a razão histórica desta singularidade da Constituição Portuguesa, que foi a única a avançar em 1976 com a protecção dos direitos de privacidade face à informática. A proposta do Antigo Regime de, em 1973, avançar com um Número Único gerou a preocupação dos legisladores, que viam esta possibilidade como um limite à privacidade dos cidadãos e uma forma do Estado aumentar o seu controle sobre a vida privada.

Apesar das várias revisões a que a Constituição foi sujeita, que introduziram alterações ao articulado do Artigo 35º, o ponto número 5 acabou por nunca ser alterado e a questão fundamental colocada pela APDSI é se este artigo ainda justifica face às alterações tecnológicas a que assistimos nos últimos anos.

O facto de já existirem vários números que na prática identificam univocamente os cidadãos, nomeadamente o número de Bilhete de Identidade, foi realçado por vários dos intervenientes no debate, e que é necessário apenas salvaguardar a auditoria e a segurança da informação. Entre as ideias avançadas passa mesmo a possibilidade de retirar esta proibição da Constituição.

Rogério Carapuça foi um dos que defendeu de forma mais clara esta possibilidade. "Esqueçam o Número Único que isso não interessa para nada", afirmou o presidente da Novabase, lembrando que actualmente não é necessário ter um número único para fazer cruzamento da informação. "O que devemos exigir como cidadãos é qeu as entidades provem que os sistemas onde guardam os nossos dados são seguros".

Em sentido contrário, José Vieira, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa afirma que a questão da segurança não é suficiente para o tranquilizar. "Desconfio dos legisladores, que navegam ao sabor do momento. a deriva securitária é real e a possibilidade de intervir na vida do cidadão é cada vez mais premente. Por isso, nada como o nível constitucional para assegurar estes direitos".

O Cartão de Cidadão, como projecto que reúne os vários números necessários na relação do cidadão com o Estado, foi um dos temas mais debatidos, questionando-se se este garante ou não a protecção necessária e se é uma forma de "driblar" a proibição do Número Único.

Anabela Pedroso, presidente da Agência para a Modernização Administrativa, defendeu este projecto foi muito bem conseguido e articulado com a Comissão Nacional de Protecção de Dados, garantindo ao cidadão um meio único de autenticação e do lado da Administração Pública assegurando a interoperabilidade dos sistemas de forma a tornar a comunicação mais eficiente.

Porém, Anabela Pedroso admite que como cidadã não está ainda disposta a dispensar a protecção constitucional da criação de um Número Único.

Notícias Relacionadas:

2008-01-30 - Governo tomou medidas certas na SI mas falta visão estratégica

2007-04-19 - Modernização da lei do crime informático essencial para a segurança no mundo digital