Capacidade de juntar esforços, mobilizar redes, aplicar princípios de gestão Agile e conhecimentos de sourcing de materiais, somados a muito boa vontade, energia e voluntarismo. Estas são as peças que ajudaram a montar no último ano uma série de iniciativas solidárias que pretenderam, de forma muito pragmática, atuar onde era efetivamente necessário para ajudar no combate à pandemia da COVID-19, oferecendo muito mais do que dinheiro.
Mais de 250 camas entregues a hospitais, especialmente preparadas para doentes com COVID-19, muitos dos quais precisam de estar ligados a ventiladores, centenas de oxímetros para monitorizar sintomas do novo coronavírus e 200 mil viseiras entregues a instituições de saúde em todo o país, são alguns das conquistas numa lista do que foi conseguido pela junção de muitos esforços.
A última “fornada” foi entregue na semana passada na da Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano, com 19 camas de articulação e elevação elétricas, 19 colchões anti escaras, 38 guardas metálicas universais e 19 suportes para soro.
Em comum nestes projetos está Nuno Miguel Guerra, que desde o início do período de pandemia, há mais de um ano, se disponibilizou para mobilizar esforços e energia para desenvolver diferentes iniciativas através da Create IT, empresa de que é co-fundador e CEO. A própria Create IT está no centro e muitas destas iniciativas, até porque já tem no seu histórico a lógica de mobilização e responsabilidade social que já deu provas em momentos anteriores, como quando conseguiu doar um camião de arroz ao Banco Alimentar.
“O desafio é perceber como é que cada um de nós pode dar o seu contributo para que as coisas melhorem, na nossa empresa, família e país”, explica Nuno Miguel Guerra, garantindo que toda a energia envolvida por todos os participantes nas várias iniciativas foi sempre “para acrescentar” e não para criticar.
“Venho de um contexto familiar que historicamente tem pessoas da família ligadas a causas de índole solidária”, explicou ao SAPO TEK, apontando como exemplos o pai e o avô. São práticas que desde há 20 anos aplica na Create IT e que foram ainda mais úteis durante a crise pandémica que no último ano tem afetado o mundo inteiro.
Redes que servem para mobilizar
Como membro do Board do Chapter Português da International Association of Microsoft Channel Partners (IAMCP) em Portugal, a associação de parceiros Microsoft em Portugal e também membro do Board do Chapter Português da Entrepreneurs’ Organization Network, uma rede global peer-to-peer com mais de 14,000 empresários influentes, composta por 195 chapters, em 61 países, o empresário percebeu desde o início que poderia ter acesso a equipamentos de proteção individual disponíveis noutras geografias e que faltavam em Portugal. Depois foi pôr as mãos à obra, verificar onde e como podia ajudar e ajudar na mobilização de boas vontades.
A primeira iniciativa desenvolvida foi o movimento “Estamos Mais Próximo”, através da qual a Create IT disponibilizou gratuitamente centenas de oxímetros a Lares de Idosos em todo o território nacional, bem como uma aplicação gratuita para monitorização de sintomas. A ideia era identificar e monitorizar sintomas precoces de hipoxia, falta de oxigénio no sangue, e assim encaminhar as pessoas para os hospitais ainda numa fase mais fácil de tratar a COVID-19. A OutSystems foi uma das empresas que se associaram a este projeto e facultou gratuitamente a plataforma, mas múltiplas entidades do sector social também se envolveram.
O mesmo nível de mobilização foi conseguido para produzir mais de 200 mil viseiras através de impressão 3D para produção industrial – utilizando a tecnologia da indústria de moldes e optimizando o processo produtivo. A iniciativa foi liderada pela SiMoldes e funcionou em articulação com a Tech4Covid, sendo que Nuno Miguel Guerra acompanhou o processo de incorporação de feedback de diversos Hospitais durante o processo de conceção do produto, bem como articular as doações a diversas instituições dos distritos de Beja, Évora, Lisboa e Coimbra.
O projeto Aconchegar acaba por ser também uma consequência do envolvimento nestas duas iniciativas na primeira fase da pandemia e com as quais Nuno Miguel Guerra tinha tido contacto direto. No final de outubro de 2020 tinham surgido múltiplos surtos em lares da região de Évora, de onde o gestor é natural, e faltavam soluções que permitissem acolher todas as pessoas. A Create IT decidiu fazer uma doação de 20 camas e isso acabou por se tornar o rastilho de uma ideia que acabaria por crescer e multiplicar-se para todo o país.
Depois da doação em Évora o Hospital de Beja decidiu também libertar um piso para criar mais uma ala de internamento com 10 camas e Nuno Miguel Guerra decidiu pedir ajuda ao ator e comediante Bruno Ferreira para envolver a comunidade local, ao mesmo tempo que contactou também um conjunto de amigos que permitiram mobilizar o valor necessário às compras em tempo recorde. O sistema funcionou de forma eficaz e rápida e acabou por tomar forma na Iniciativa Aconchegar através de um desafio que lançou ao Board da IAMCP Portugal para, em conjunto com a Fundação São João de Deus juntar empresas e a sociedade civil nestas causas.
Primeiro foram as empresas do setor das tecnologias de informação, das quais é mais próximo, com o apoio de embaixadores do setor empresarial, atores e comediantes, que deram o primeiro empurrão, mas depois a Aconchegar alargou-se a todos os sectores e à sociedade civil para apoiar doentes e profissionais no combate à pandemia.
“Julgo que estas iniciativas demonstram cabalmente como a energia da sociedade civil, das pessoas e das empresas, pode contribuir de forma decisiva para responder a desafios como aquele que atravessamos”, defende Nuno Miguel Guerra.
No site da iniciativa é possível ver a “contabilidade” do trabalho feito: 18 instituições apoiadas, 254 camas entregues, em 14 distritos, 136.043,79 euros angariados. Mas por detrás dos números há muitas histórias e testemunhos que mostram como o trabalho desenvolvido foi importante para os internados mas também para os profissionais de saúde que conseguiram melhores condições de trabalho para apoiar os doentes.
E apesar do pico da pandemia, que se registo nos primeiros meses do ano e mostrou a fragilidade das infraestruturas no cuidado aos doentes, Nuno Miguel Guerra diz que o efeito prático vai muito para além do período pandémico e ficará a longo prazo na melhoria das estruturas.
“Cada cama doada hoje, permitirá um maior aconchego dos idosos não apenas hoje, mas também para o futuro”, afirma, lembrando que o País tem neste momento mais de um milhão e meio de pessoas com mais de 70 anos, dos quais uma centena de milhar de idosos institucionalizados em mais de 2.500 estruturas residenciais em todo o País.
Transformar energia e aplicar práticas de gestão
Toda a iniciativa acaba por “crescer quase como uma onda”, com energia e muita resiliência, explica Nuno Miguel Guerra. “Para que as coisas aconteçam é precisa uma energia infinda […] as pessoas não têm ideia das complexidades que surgem”, afirma. O envolvimento de uma instituição de solidariedade social foi logo no início da Aconchegar identificado como essencial para poder materializar as doações, simplificando os donativos e a parte burocrática dos recibos do hospital.
Essa é uma das partes de um processo que começa com o sourcing das camas, com a identificação das necessidades de uma forma muito próxima das equipas de trabalho nos hospitais e estruturas de apoio de retaguarda, a encomenda e a logística de entrega nos vários pontos do país e montagem.
“Conseguimos montar um processo muito ´lean´ que consegue colocar camas a serem usadas em apenas 48 horas”, adiantou ao SAPO TEK o gestor. As práticas e experiência de gestão foram um contributo importante mas também a mobilização dos parceiros das redes em que está integrado para encontrar os equipamentos onde eles existem.
Mas aqui há também a aplicação de uma filosofia, que faz com que a preocupação gere ação em vez de medo. “Enquanto estamos preocupados estamos paralisados e não agimos. Quando nos focamos e agimos deixamos de estar preocupados e estamos focados e a ajudar”, justifica.
Esta energia ajuda também a melhorar a “moral”. E aqui a lógica é de fazer coisas úteis. “Tivemos um foco grande para que as iniciativas em que nos envolvemos cheguem de facto ao terreno”, sublinha, admitindo que o seu envolvimento consumiu uma parte muito significativa do seu tempo, cerca de 40 a 50%, e que foi preciso ter disponibilidade.
“A minha disponibilidade tem muito a ver com a forma de liderança na companhia. Quanto mais autonomia e responsabilidade as equipas têm, menos intervenção é necessária por parte do líder e este processo também é importante no crescimento da Create IT”, afirma.
Em termos pessoais, todo o processo é enriquecedor e motivador. Nuno Miguel Guerra admite que se tornou a cara da iniciativa, mas que há muitas pessoas e organizações que tornaram a Aconchegar no que é, e que muitas querem permanecer anónimas. “Estou profundamente reconhecido e agradeço este reconhecimento de que sem mim não teria acontecido […] a sociedade faz-se com todos e é essa a mensagem que quero trazer”, afirma.
Na empresa e em casa o gestor garante que esta mobilização de energias trouxe também mais motivação, e que mesmo os seus filhos se envolveram para juntar o dinheiro do mealheiro às doações. Ainda assim tem noção de que há ainda muito para fazer
“O contributo que demos é uma gota de água no tamanho que temos de estrutura … mas tem um efeito muito importante de motivação às pessoas”, garante, e que é uma forma da sociedade sentir que está a contribuir para ajudar os doentes e os profissionais de saúde.
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