Não é de estranhar que Chris Heilmann, Principal Developer Evangelist da Mozilla, seja um defensor convicto das tecnologias abertas e do HTML5, que tem vindo a ajudar a promover através de muitas conferências e apresentações que o levam a muitas cidades diferentes, e que o trouxeram também a Lisboa, para o Linux 2011.




A convicção de que o futuro da Web passa por tecnologias abertas e que os programadores e as empresas que desenvolvem para a Internet e para sistemas móveis devem apostar nesta combinação virtuosa está bem marcada nas respostas às perguntas do TeK, mas há mais para descobrir na forma como este "evangelista" vê o desenvolvimento das tecnologias, que já não são um domínio reservado aos "especialistas" e a adesão dos utilizadores na construção da Web, abandonando o seu papel passivo de "couch potatoes".




TeK: Como é que o HTML5 está a transformar a web para se tornar a plataforma de computação? Os sistemas operativos e as aplicações já não vão ser importantes?

Chris Heilmann:
Tudo depende da experiência do utilizador. Não vejo que as aplicações nativas e os sistemas operativos vão desaparecer em breve, nas vejo mais, muito mais, coisas a irem para a web. A razão é a simplicidade. É irritante ter de substituir uma aplicação totalmente em cada update e fazer download de um número massivo de ficheiros para que sejam "desempacotados" no seu computador. Como a maior parte das coisas que as pessoas fazem nos seus computadores hoje em dia é social ou precisa de colaboração com outros utilizadores, em outras localizações, faz todo o sentido construir aplicações e sistemas na web em tecnologia aberta que possa correr em diferentes equipamentos.

Já deixámos de enviar uns aos outros folhas de cálculo em disquetes e CDs no correio terrestre. Em vez disso partilhamo-las na Web ou no email. Se oferecermos um interface tão rico e rápido na web nem sequer teremos a questão de que estamos a enviar ficheiros para pessoas que não têm o software apropriado para os abrir.

Outra das grandes vantagens da web como plataforma é que somos independentes do equipamento terminal. Se um portátil se avariar e todos os seus dados estiverem ai guardados, então tem um problema sério. Se o portátil se avariar e os dados estiverem na web e o sistema que o utilizador usa para fazer o seu trabalho também, então podemos substituir o portátil em alguns minutos, porque não haverá problema de passar por uma longa instalação e processo de recuperação. E ainda, porque uma das grandes vantagens das tecnologias web é que podemos adaptar-nos ao ambiente, nada nos impede de trabalhar no computador e trazer algumas coisas para ler consigo no equipamento móvel.

A web não é o "assassino" das aplicações nativas e de grandes sistemas operativos. É o que eles podem evoluir para de forma a tornar tudo mais fácil para nós que queremos cumprir as tarefas para as quais usamos o computador.




TeK: Quanto "poder" e "força" a Mozilla está a colocar para suportar o HMTL5?


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C. H.:
O HTML5 é uma das principais questões para a Mozilla. Estamos aqui para manter a web aberta e livre e o HTML5 é a principal tecnologia para o fazer. Com o Firefox temos uma ótima plataforma para correr aplicações HTML5. Estamos atualmente a coloca um grande esforço em tornar a versão móvel do Firefox a escolha natural em telemóveis e tablets, também. Dessa forma podemos assegurar que os developers possam desenvolver em tecnologias abertas e que estas funcionam de forma eficiente em diferentes equipamentos. A Mozilla usa o HTML5 nos seus próprios produtos (na verdade preferimos enviar slide decks em HTML em vez de powerpoints ou keynote) e temos muitos excelentes developers trabalhando nas plataformas para mostrar o HTML5 de forma correta e construir exemplos e criar blocos de desenvolvimento para outros usarem.

Vamos a muitas conferências sobre HTML5 e fazemos apresentações e ajudamos as pessoas a iniciarem-se na tecnologia. Também organizamos encontros e competições para dar aos developers uma iniciativa para entrarem no HTML5. Suportamos empresas que usam as tecnologias abertas com o nosso programa WebFwd e introduzimos os media e os novos alunos ao HTML5 no Festival Mozilla, o Hackasaurus, especialmente com o Popcorn, um produto aberto para criar uma experiência de web interativa sem a necessidade de ser um programador.



TeK: Vou citar uma frase sua: "A batalha do HTML5 ainda tem de ser ganha". Quais são as principais barreiras a um maior desenvolvimento - ou mais rápido - do HTML5?

C.H.: Já não vejo muitas barreiras técnicas na nossa frente quando se trata de "ir para HTML5". Muitas das coisas que impediram as empresas de o usar já estão baseadas em processos ou não têm a apreciação dos benefícios que trazem.

Em parte o meu trabalho é dizer isto às pessoas. O hardware e software ultrapassados podem, claro, ser um problema, especialmente quando estão ligados a processos. Se a empresa tem um mandato de que todas as coisas têm de correr num browser com 11 anos de idade e ser otimizadas para ele, não há muitas possibilidades para os programadores inovarem.

O conceito de apostar num standard vivo é estranho para muitas empresas tradicionais e quando ouvem dizer que aquilo que usamos agora é definido mas pode mudar isso sobressai de forma intensa com as certificações e anúncio de processos usado em grandes empresas. É uma questão de evolução. Como Darwin disse, não é na verdade a sobrevivência do melhor mas daqueles que se melhor se adaptam e podem mudar quando o ambiente muda. Os nossos sistemas devem ser construídos com o conceito em mente de que as coisas mudam e evoluem com o tempo. Não existe o "instale isto e vai funcionar para todo o sempre".

A abertura do HMTL5 pode ser um problema para as pessoas. Se tiver construído todo um império mantendo as coisas escondidas atrás de portas fechadas, usar um sistema onde todas as coisas podem ser vistas abertamente é assustador. O vídeo HTML5 pode ser descarregado e não há ainda uma solução DRM de proteção. Isto pode assustar os produtores de vídeo e de áudio. Pessoalmente penso que o dinheiro gasto em tentar proteger os media na web de serem descarregados podia ser usado para tornar óbvia a escolha de ver os conteúdos online em vez de os descarregar para o computador.



TeK: O mundo móvel é ainda um desafio para o HTML5? Porquê?

C.H.: O principal problema que temos atualmente com os equipamentos móveis e tablets é que o HTML5 tem apenas acesso a um subset de opções que estão disponíveis a aplicações nativas. Se espreitar o link http://arewemobileyet.com pode ver quanto dos equipamentos móveis está bloqueado ao acesso através de tecnologias web. Pode ainda ver que no nosso projeto de WebAPIs estamos a fornecer standards abertos e implementação para os tornar disponíveis um a um.

O desafio é bater o "novo e brilhante" do mundo móvel. É divertido ter um telefone que funciona e é bonito de usar. Mas é injusto que tenha de pagar excessos por isso e ficar preso a um certo fornecedor com contratos que duram 24 meses num mercado onde o hardware muda a cada meia dúzia de meses.

Penso que podemos esperar, neste aspeto. Agora o mercado está entusiasmado com pequenas apps e coisas brilhantes. Quando o período de "lua de mel" terminal vamos descobrir as falhas em sistemas fechados e virar-nos para os abertos para poupar dinheiro ou deixar de ser dependente de um único fornecedor. E então o HTML vai ganhar, ou pelo menos co-existir de forma pacífica com outras tecnologias.





TeK: Quais são as vantagens para os developers e a comunidade web, em geral, de usar o HTML5?

C.H.: O HTML5 tem a simplicidade das tecnologias web que fizeram a web crescer e o poder de desenvolver verdadeiras aplicações em vez de web sites. Em vez de aprender hardware ou tecnologias específicas de vendors, podemos usar as mesas que usamos há anos e retirar mais poder delas, como programadores. Pela primeira vez todo este processo é aberto e as grandes empresas que gerem a web são parte do grupo que define o HTML5. Por isso em vez de termos um standard e esperarmos que o software para usar a web o entenda, é um fator adquirido que o HTML5 seja suportado nos browsers.

O período de teste e erro terminou. Temos tecnologias abertas para desenvolver software fantástico e não há necessidade de se tornar um especialista em tecnologias fechadas que podem tornar-se redundantes em poucos meses. Para um web developer mergulhar agora no HTML5 abre uma série de portas. Quer em termos de aprendizagem no trabalho quer em possibilidade de descobrir um espaço ótimo para trabalhar.



TeK: Isso quer dizer que desenvolver para a web e terminais móveis já não é um domínio reservado a especialistas?

C.H.: Eu diria que entusiastas é uma palavra melhor. Na minha carreira desenvolvi muito na web e trabalhei nos maiores sites da Internet. E não tenho uma formação formal em software ou design, só mantive os meus olhos abertos e avancei. A web não é software, é uma plataforma social e um media. Por isso precisa de pessoas que tenham a paixão de fazer coisas úteis que tornem tudo mais fácil para todos nós. Uma das coisas que a web me trouxe foi que eu podia simplesmente criar um web site e ser encontrado a nível mundial. A distribuição e partilha estão impregnadas quando se desenvolve para a web.

Claro que vamos precisar de especialistas e as pessoas devem ter a possibilidade de se tornarem especialistas nas suas áreas de atuação. Mas o ponto central é que ninguém deve ser bloqueado de desenvolver alguma coisa e obter resultados rapidamente. É como numa noite de palco aberto num bar: nem todos os que agarram no microfone serão grandes cantores. Mas devem ter a possibilidade de aprender como se tornar estrelas.


TeK: Vê um futuro brilhante para os programadores web com o HTML5 e as novas soluções "out of the box"?

C.H.: Sim. Se olhar à sua volta agora, o mercado de emprego para bons programadores de HTML5 é incrível. Bastante bom se virmos quantos mercados não têm sequer empregos. No entanto não tenho a certeza do que quer dizer com soluções "out of the box". HTML5 é mais como uma caixa de tijolos e é preciso ser um bom construtor para os montar da forma certa e criar alguma coisa surpreendente.



TeK: O Chris é um evangelista da Mozilla Developer Network. É agora mais difícil atrair bom material de programadores para este tipo de redes? A colaboração ainda é um driver da comunidade ou as recompensas financeiras são mais importantes?

C.H.: Tenho bastante certeza de que a colaboração é o que leva mais longe, mais do que apenas procurar recompensas financeiras. Toda a minha carreira foi baseada na minha partilha, demonstração e aprendizagem de outras pessoas e do seu feedback sobre os meus produtos. Eu trabalho para a Mozilla mas todas as empresas que têm o HTML5 na sua "bandeira" estão muito satisfeitas de partilhar e colaborar. Já dei talks interessantes em conjunto com pessoas da Google, tenho amigos no Facebook, Adobe, Microsoft, Opera, até na Apple, que constantemente partilham o que é importante e o que pensam que devíamos explorar em conjunto. A Mozilla Developer Network é atualmente muito respeitada neste cenário, e temos colaboradores para a nossa documentação que não são "Mozillians" mas trabalham para a Google e a Opera. Sendo a Mozilla uma organização sem fins lucrativos temos uma boa possibilidade de ser um mediador e um espaço colaborativo.



TeK: Parece-lhe que a fronteira ainda deve ser colocada entre a tecnologia proprietária e aberta ou sistemas como o iOS da Apple provam que o consumidor não se importa com isso, desde que funcione?

C.H.: A tecnologia aberta pode aprender algumas coisas de tecnologias fechadas: Mantenha as coisas simples e torne a sua utilização um prazer. Nós, como geeks, preferimos usar tecnologias abertas, mesmo que sejam mais difíceis de utilizar, mas isso não é a tendência geral do mercado. Não deveríamos ter de competir com budgets de marketing e campanhas publicitárias. Deveríamos ter uma escolha que surge natural, porque é grátis, fácil de usar, simples e não prende os utilizadores finais. As tecnologias abertas dão mais poder aos utilizadores para assumirem o controle da sua experiência na web. Atualmente muitas pessoas estão felizes de não terem este controle em troca da conveniência.

E isto vai mudar em breve. A web é melhor que a TV. Não devíamos tornar-nos "couch potatoes" online, mas descobrir a alegria de "fazer a web" em vez de apenas a consumir. E isso é o que o HTML5 e as tecnologias abertas representam.

Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico





Fátima Caçador