Com uma visão muito marcada e definida sobre as vantagens do open source face ao software proprietário, Louis Suárez-Potts, coordenador mundial do desenvolvimento do OpenOffice.org está em Portugal para falar com o Governo sobre os projectos nas Escolas, e especialmente o Magalhães, que vai integrar a suite de produtividade na partição de Linux.

[caption]Louis Suárez-PottsEm entrevista ao TeK, Louis Suárez-Potts fala da sua perspectiva dos aspectos mais marcantes dos oito anos do projecto e o seu desenvolvimento e adopção, mas também traça rumos para o futuro.

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TeK - Quais são os principais marcos dos últimos 8 anos do OpenOffice? Na sua perspectiva, claro...
Louis Suárez-Potts - É uma questão estranha em que não tinha pensado muito. E pode haver diferentes perspectivas...
Acho que o mais interessante é que deixámos de ser apenas uma suite de produtividade que é uma alternativa grátis ao Microsoft Office, ou a outras suites proprietárias, para algo que é mais entendido na generalidade como um pacote de produtividade para que as pessoas não se limitem a usar o OpenOffice para fazer coisas "tipo Office", como criar um documento, uma apresentação ou uma folha de cálculo, mas ir mais além. Nos últimos 8 anos transcendemos as fronteiras do conceito de um pacote de Office e chegámos ao ponto em que as pessoas o entendem como um conjunto de ferramentas que lhes permitem fazer quase qualquer tipo de conteúdo no desktop, na Web, em qualquer lado.
O mais notável é que já localizámos em centenas de línguas e entrámos nos corações de muitas comunidades como a "coisa" que lhes permite libertarem-se das correntes do software proprietário. O software proprietário não é mau, mas algo como o OpenOffice permite às pessoas colaborar de uma forma mais fluida, livre e produtiva do que o software proprietário. Assim o que destaco é que as comunidades em todo o Mundo, em Portugal, Moçambique, Angola e noutros países que falam português, como também na China e Índia, assumiram o OpenOffice como seu. Por isso nos últimos dois anos tivemos sobretudo developers da Sun a fazer 95% do código e provavelmente ainda são eles a fazer a maioria do código, mas também estamos a ver grandes contribuições da IBM, da China e de grandes empresas que estão a aplicar grandes investimentos e recursos no desenvolvimento e teste do OpenOffice.

Não é coincidência que o Governo chinês, que representa um mercado possível de centenas de milhões, esteja a olhar para o OpenOffice e o ODF e para as aplicações que usem estejam a usar este standard. E o mesmo acontece em países por todo o mundo. Podia estar durante toda a entrevista a enumerar os países e companhias que estão a usar o OpenOffice.

Com a versão 3.0 e a sua antecessora 2.4.1 vimos avanços marcantes em tecnologia, usabilidade e mais importante adopção. E estamos a ver essa adopção porque os Governos, especialmente estão a reconhecer a importância de ter software aberto que pode ser usado e criado para o transformarem em algo seu.
Estamos a ver essa mudança na consciência das pessoas normais que vêm o software que não é mais uma coisa que se compra na loja e que não se pode tocar, dar às crianças, para poderem adaptar e mudar. Isso é realmente notável e extraordinário e podemos dizer às pessoas: olhe, todo o dinheiro que tem vindo a gastar com pessoas a milhares de quilómetros de distância, não precisa de continuar a fazê-lo. Pode gastá-lo nas suas coisas, investi-lo no seu país, a construir a sua economia nacional. E as pessoas estão a reconhecê-lo.

TeK - Mas mesmo que as pessoas já não vejam o OpenOffice apenas como alternativa ao Office da Microsoft é dessa forma que anda podemos compará-lo, sobretudo em quota de mercado. Nos últimos oito anos, embora seja aberto e gratuito, o crescimento da quota de mercado do OpenOffice não é significativo. Como é que explica esse crescimento lento?
L.S.P - >Eu não usaria a palavra lento, mas incremental. Os saltos dependem mais do mercado. E ao colocar esta questão de forma “naive” está a falhar redondamente o objectivo. Porque não percebe com essa pergunta a forma como a quota de mercado é avaliada, como a Microsoft, a Gartner, olha para ela. Se olhar para um mercado particular, como o americano, então a quota aumentou lentamente, porque esse é um mercado dominado, particularmente pela Microsoft, mas se virmos o que o Google tem a dizer sobre isso, com o Google Docs. Mas podemos olhar para outros mercados, como a Índia, onde a Microsoft compete contra si própria não só por causa das várias versões, porque as mais antigas são mais populares do que as novas versões, mas sobretudo porque a pirataria é muito mais popular do que outra coisa qualquer, seja a Microsoft ou o open source. Se eu tivesse a hipótese de comprar o OpenOffice.org ou o Microsoft Office por um dólar na China, na Índia ou na Rússia, provavelmente gastá-lo-ia naquilo que era mais interessante para esse dinheiro, que podia ser uma versão mais velha ou mais nova mas não obrigatoriamente a versão oficial.
Mas se olharmos para a forma como as pessoas estão a instalar o OpenOffice.org, e especialmente os Governos, então estimaríamos uma enorme quota de mercado. Há alguns anos a IDC e a Gartner estimaram que teria entre 7 e 17% de quota de mercado, mas em alguns mercados específicos estamos a falar de mais de 20%... E se olharmos para as instalações e downloads é ainda superior. Estamos a registar downloads acima dos 3 milhões por semana só de utilizadores do Windows para a versão 2.4.1.
Os números dependem dos mercados e das quotas de cada sistema operativo. Dependem do nível de pirataria. E não estamos ainda a considerar os mercados emergentes, de pessoas que têm 7 anos e começam a usar o computador. E por isso é que este projecto Magalhães é tão interessante, porque traz as crianças para o mundo TI. Há países em todo o mundo a fazê-lo e estão a usar OpenOffice e Linux, open software. Porque quereriam obrigar as crianças a uma vida – não diria de servidão mas de licenciamento? É o mesmo que dizer: habituem-se a esta aplicação. Não pensem que podem fazer mais alguma coisa com ela, adaptem-se e paguem, paguem, paguem, durante o resto da vossa vida.

Nós preferimos no open source dar às pessoas o gosto da liberdade desde cedo e a nível económico penso que este é o melhor caminho, porque de outra forma o dinheiro vai todo para onde? Bem, os Estados Unidos precisam de todo o dinheiro que conseguirem...

TeK - E nas empresas, o OpenOffice está a conseguir uma boa adesão ou esta é uma área onde as quotas são menos representativas?
L.S.P - Depende das empresas também. Nas pequenas empresas sim, e nas médias está também a avançar rapidamente, sobretudo por causa das bases de dados que conseguem migrar de forma fácil. Já as grandes companhias movem-se muito lentamente para o OpenOffice. Por exemplo os grandes bancos nos Estados Unidos têm feito apresentações nesse sentido e vamos assistir em breve a anúncios, se não tiverem afundado com a crise económica actual... E essas empresas vão adoptar o OpenOffice ou o StarOffice para centenas de milhar de empregados.

TeK - Acha que a Fundação OpenOffice devia ganhar mais força para conseguir dar mais visibilidade ao projecto e promovê-lo junto de Governos e grandes empresas? É isso que têm feito nos últimos dois a três anos?
L.S.P - Na verdade quanto maior for a empresa ou o Governo mais lento é o movimento. Se compararmos taxas de adopção de Windows Vista e Office 2007 na verdade o OpenSource está a ganhar. Não porque o software da Microsoft é mau mas porque a energia e dinheiro que exige para a mudança são grandes. É preciso ter as máquinas mas também formar os utilizadores. E nesse ponto as empresas e governos têm de pensar se vale a pena fazer essa mudança e gastar dezenas de milhões de euros em licenças ou considerar a mudança para o OpenOffice, que é grátis, com uma grande disponibilidade de línguas, em várias plataformas e tem à sua disposição uma grande oferta de formação.
As empresas deviam considerar seriamente o software open source porque dá mais retorno pelo dinheiro. É melhor software. É mais fácil de usar. Pode ser costumizado. Já não é uma alternativa barata para pessoas pobres. É a melhor opção.

Continua na próxima página: O atraso da versão 3.0, as novidades e a questão do dual-boot no computador Magalhães.

Veja na página anterior: o balanço dos oito anos de OpenOffice e a progressão em quota de mercado na visão de Louis Suárez-Potts, coordenador mundial do desenvolvimento do OpenOffice.org.

TeK - Em relação ao atraso da versão 3.0, pode explicar a razão para o adiamento do lançamento que estava previsto para hoje?
L.S.P. - Encontrámos um pequeno bug que poderia afectar um pequeno número de pessoas e essa é uma das belezas e virtuosidades do open source: distribuímos muitas versões à comunidade – e aqui comunidade significa pessoas que se querem envolver no desenvolvimento – para que pudessem encontrar e resolver bugs, e este tipo de bugs pode ser resolvido de forma fácil. Estamos já a tratar deste problema e temos a certeza de que dentro de dias estará resolvido. Depois dos testes adicionais lançaremos a versão final. Esta é uma questão relativamente menor mas que podia afectar uma parte dos utilizadores.

TeK - Mas pode explicar em que consiste especificamente este bug? Tiveram várias release candidates. Como é que não foi descoberto antes?
L.S.P. - Não sei realmente de que bug se trata. Não tenho os detalhes porque tenho estado em viagem. Sei que é uma coisa menor, mas é melhor explicar de outra forma: quando compra software proprietário ninguém lhe garante que é livre de falhas...

TeK - Nenhum software é livre de bugs...

L.S.P - Nada é bug free porque está na natureza da população humana ser imprevisível e a natureza do software é construída para entidades previsíveis, as máquinas. E inevitavelmente os humanos vão utilizar as ferramentas de forma imprevisível e gerarem reacções imprevistas.
Não sei qual a natureza deste bug mas tenho a certeza de que o vamos resolver rapidamente e evitar que afecte os utilizadores.

TeK - Mas para si é melhor corrigir agora e adiar o lançamento do que não atrasar o software e lançar um patch daqui a uma semana, como se calhar fariam outras empresas...
L.S.P - Absolutamente. Não há uma entidade federal ou nacional a dizer que o software é seguro para utilização, da forma como fazem com a comida e os medicamentos e por isso tudo está nas mãos das empresas. Podia lançar um software que destruísse totalmente o seu computador e depois ter no contrato onde limitava as responsabilidades ... Isto é um exemplo extremo mas temos responsabilidades com dezenas de milhões de pessoas a utilizar o OpenOffice. Estamos a estimar atingir 5 milhões de downloads por semana com a versão 3.0 e temos de ter a certeza de que quando finalmente e formalmente anunciarmos o OpenOffice não terá problemas que afectem nem que seja milhares de pessoas.

TeK – Quais são as principais novidades do OpenOffice 3.0?
L.S.P Tenho estado a pensar numa forma de responder a essa questão da maneira mais sucinta possível. E acho que as Extensões são realmente a coisa mais importante. A forma como funcionam é que podemos ter um número crescente de extensões, já possuímos cerca de 200 agora, e estas podem abranger tudo desde templates para fazer uma apresentação ou documento elaborado, até Report Builders, para fazer relatórios. Desta forma posso integrar mais facilmente com a aplicação como uma nova feature.

Decidimos que não queríamos mais aplicações “gordas” que pesam demais e que ninguém usa. As pessoas usam um conjunto limitado de funcionalidades nas aplicações. Talvez 5 a 6 pessoas no mundo inteiro usem todas as funcionalidades mas só 5% de uma aplicação como o OpenOffice é usado pela maioria das pessoas. E por isso essas funcionalidades a mais podem funcionar como extensões, que podem ser gratuitas e abertas ou proprietárias e pagas.
Estou mesmo interessado neste desenvolvimento, que pode levar o OpenOffice muito além do pacote de produtividade. E o que convido as pessoas a fazer, os portugueses e qualquer outro utilizador, a escreverem novas extensões que vão além das aplicações de produtividade, relacionadas com música, vídeo, arte. E mesmo a área geoespacial. Pensem em GPS em Mashups...
O OpenOffice oferece uma maneira de fazer coisas, de produzir conteúdo. E o que é conteúdo? Tudo o que o utilizador quiser...

TeK - As extensões que já existem foram desenvolvidas por developers da Sun ou pela comunidade?
L.S.P - Por todos. Algumas pelos developers da Sun, outras não. Estamos agora a tentar envolver os estudantes neste desenvolvimento que é muito interessante e até pode ser rentabilizado. Os utilizadores divertem-se e aprendem com este desenvolvimento e podem ganhar dinheiro com o seu trabalho.

TeK - Hoje vai encontrar-se com responsáveis governamentais. Está satisfeito com a inclusão do OpenOffice nos computadores Magalhães e nos desktops nas escolas? É uma maneira de chegar aos utilizadores mais novos a partir dos 6 anos e mudar mentalidades, como referia há pouco?
L.S.P -Sim, absolutamente. Neste momento o OpenOffice vai estar instalado na partição Linux, em dual-boot mas sugeria que estivesse em ambos, porque o OpenOffice funciona lindamente em Windows e quando as pessoas usam gostam. Nem sequer exige muito recursos...
Isso podia mudar a percepção das pessoas porque lhes traz um novo controle sobre as ferramentas de produtividade de uma forma completamente diferente do Office da Microsoft.

TeK - O facto do OpenOffice estar na partição de Linux poderá fazer com que seja menos usado, porque os estudos mostram que o Linux é menos usado nas escolas, sobretudo se é preciso fazer reboot para mudar de partição...
L.S.P - A nossa missão é ter o OpenOffice tão disponível quanto possível. E se as pessoas não o quiserem usar tudo bem... Mas numa partição de Linux é realmente mais inacessível. Em tenho três sistemas operativos no meu computador, um deles exige um reboot para ser usado e não o uso há meses... Na verdade já não faço reboot ao meu computador há meses.
E por isso não há grandes razões para o utilizador usar o Linux, sobretudo se for uma criança de 7 anos que quer principalmente jogar... Por isso eu faço a pergunta ao contrário: o que é que se perde em pôr o OpenOffice no Windows? E o que é ganho e por quem em mantê-lo apenas no Linux?

TeK – Tem uma resposta para essa pergunta?
L.S.P. – Bem, não, mas se a Microsoft quer ganhar desta forma, não há problema, deixemos que ganhe “o melhor homem”... Mas se o Governo e as pessoas querem o OpenOffice, mesmo na partição de Linux, porque não instalá-lo também no Windows Porque não deixá-lo livremente disponível para quem quer usar? Só queremos dar às pessoas a possibilidade de escolher e não tornar a escolha obscura por alguma questão política ou outra qualquer...

TeK - Hoje a discussão entre open source e software proprietário é mais uma questão política do que técnica ou de usabilidade...
L.S.P - É verdade mas eu tento eliminar esse factor. Evito esse argumento sempre que possível e tento focar-me no formato, para o qual é irrelevante se é softwareproprietário ou open source. E o formato é o que conta aqui e quando estamos a falar em instalação do Microsoft Office 2003 nestes computadores estamos a dar às crianças um formato que a Microsoft já abandonou porque não funcionava bem e que foi criado há 13 anos, em 1995, antes da maioria destas crianças ter sequer nascido. Esta é uma escolha entre o passado e o futuro... O formato .doc é “antiguidade” em termos informáticos...

TeK – Só uma última pergunta... Na sua perspectiva quais serão os próximos passos para o OpenOffice, tecnicamente e em termos estratégicos, para conseguir maior adopção?
L.S.P - O que todos queremos actualmente é poder aceder à Internet em qualquer lado e em qualquer dispositivo. A mobilidade e a acessibilidade são as duas grandes tendências do futuro. Os developers têm de pensar no desenvolvimento de soluções móveis que permitam ler e criar o formato ODF em telemóveis... Já existe um reader para o Symbian, mas devem ser criadas mais soluções.

TeK – E em relação à estratégia?
L.S.P. - O futuro do OpenOffice é sem dúvida baseado no formato ODF. Não somos um vendor, somos um projecto, queremos um futuro onde as pessoas possam implementar o formato ODF de forma grátis, livre e em qualquer tipo de aplicações. Queremos dar ferramentas às pessoas para abrirem a sua imaginação. As pessoas estiveram demasiado tempo limitadas a formatos fechados, sem alternativas, sentenciadas a prisões escuras. Precisamos de sair deste cenário...

Fátima Caçador