Filipe Carrera é especialista em marketing digital e autor do livro Networking - Guia de Sobrevivência Pessoal, com o qual ensina os profissionais a progredir na carreira e negócios "trabalhando a rede", com particular enfoque no recurso às novas tecnologias, nomeadamente às redes sociais.

Entre as aulas dadas em mestrados, pós-graduações e licenciaturas em instituições nacionais como o ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão) ou o IPAM (Instituto Português de Administração de Marketing) e os seminários no estrangeiro, conversou com o TeK, à margem do encontro Social Media & e-Recruitment, organizado pelo Let's Talk Group, a semana passada.

TeK: Sabemos que defende o recurso às plataformas online de media social como forma de impulsionar o sucesso profissional, mas a privacidade é uma das principais preocupações dos internautas e a razão invocada por muitos para não usar redes sociais. Como é que encara esta preocupação?
Filipe Carrera:
Se eu estiver numa festa e falar com toda a gente e explicar pormenores sórdidos da minha vida, certamente eu não tenho muita privacidade. O mesmo se passa online, eu não sou obrigado a colocar informação nas redes sociais. Antes de o fazer devo recorrer àquela famosa regra de ouro: isto pode ser visto pelo meu chefe? Isto pode ser visto pela minha mãe?
E não é por serem a minha mãe ou o meu chefe. É porque em termos pessoais, isto traria problemas? Em termos da minha vida profissional, isto traria problemas?

TeK: Mas eu posso querer que determinada informação seja vista pelo meu círculo de amigos e não por um futuro empregador… Como é que se dá a volta a isso?
Filipe Carrera:
Não dá. Há duas coisas que as pessoas têm de aprender neste novo mundo. Tudo aquilo que vai aparecer na Web vai ser partilhado por toda a gente, vai ser visto pelo meu chefe, vai ser visto pela minha mãe. A outra coisa é, por exemplo, na utilização do email, que funciona da mesma maneira: ter a percepção que todos os emails vão ser reencaminhados. É a mesma lógica.
Há muita gente que manda um mail com um determinado tipo de comentários - acerca de um cliente, de um fornecedor - e não tem a percepção que o email até pode ser reencaminhado por engano. E isso acontece. Por exemplo, alguém manda um email a dizer "Aqui está a tabela de preços que pediste para esse fornecedor. O tipo é mesmo chato!" e o outro, que nem viu a segunda frase, reencaminha imediatamente. E, de repente, [o fornecedor] tem um email de um funcionário da empresa a dizer que ele é um chato.

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TeK: Isso quer dizer que com a Internet deixou de haver privacidade?
Filipe Carrera:
Já não havia. Toda a gente gosta de smartphones, não é? Todos têm câmara? Você está no meio da rua. Vamos supor que é casada e está com o seu amante numa posição interessante, eu tiro uma fotografia e meto no meu Facebook (por qualquer razão) e, de repente, a sua privacidade não existe.

TeK: Foi então agravado pela Internet?
Filipe Carrera:
Agravado não só pela Internet, mas por tudo o que são dispositivos móveis. Privacidade é um conceito que nós temos de ter em atenção que só conseguimos ter entre portas, e mesmo assim… Mas é também preciso ter uma ideia de dimensão. Por exemplo, no meio do Alentejo não preciso de ter uma porta blindada, com um sistema de alarme e não sei quê, normalmente as pessoas têm até a porta aberta, mas se calhar em determinadas zonas de Lisboa eu vou ter isso assim. Tudo depende do que é que está lá dentro, não é? Também posso viver no Alentejo e ter aquilo de maneira que parece um bunker, porque estão lá obras de arte, etc. Temos de nos adaptar.

TeK: E essa lógica pode aplicar-se também às redes sociais? Vale a pena recorrer as ferramentas que permitem estabelecer diferentes graus de privacidade?
Filipe Carrera:
É assim, eu posso partilhar com alguém que partilha, por isso é que eu digo: assumam sempre que há uma partilha. Tenho andado nas universidades em Portugal, fiz um projecto o ano passado com o Portal Universia em que fui a várias universidades explicar que eles estão, no fundo, a determinar o seu futuro. Todas as idiotices que colocarem na Web, vão ser perseguidas por elas durante muitos anos. Isto não quer dizer que temos de ter uma atitude esterilizada. Basta ver o meu próprio Facebook, eu estou lá, em festas, e não sei que mais, porque isso faz parte de quem eu sou, mas não ponho no meu Facebook determinados detalhes da minha vida que ninguém sabe.

TeK: E criar um perfil profissional e outro pessoal, funciona ou não funciona?
Filipe Carrera:
Isso é a famosa esquizofrenia, em que depois as pessoas dão-se conta que estão a entrar por um lado e por outro. E coloca-nos outra questão: e se o nosso chefe nos pede amizade no Facebook? Devemos aceitar ou não? Se eu lhe peço amizade online é o equivalente a estender a mão. Se você recolhe a mão como é que eu me sinto? O problema é que ele foi pelo meu perfil privado e eu tenho um perfil para negócios, mas entretanto eu estou a criar uma situação de conflito "ah, eu até pensava que temos um bom relacionamento, trabalhamos na mesma equipa… e afinal...". Ser amigo no Facebook é o equivalente, neste momento, a um contacto. Eu ser amigo no Facebook não quer dizer que somos os melhores amigos e vamos fazer tudo e mais alguma coisa. Quer dizer que nós nos cruzámos em algum momento e achamos interessante manter um contacto de alguma forma.

TeK: E o LinkedIn?
Filipe Carrera:
São serviços complementares. A pessoa tem uma componente pessoal e uma profissional e cada vez mais o Facebook também já tem uma componente profissional - como o BranchOut, por exemplo, uma app que transforma o Facebook numa rede em que há recomendações e tudo o mais, no fundo o mesmo esquema do LinkedIn.
Basicamente vamos tender a uma interligação das redes. Já há coisas que coloco no Facebook e aparecem no Twitter e coisas que coloco no Twitter e aparecem no Facebook, porque posso fazer essa interligação e o futuro vai ser mesmo essa interligação, ter essa componente do contacto, no fundo uma extensão da minha vida em termos virtuais.

TeK: Se eu quiser ser encontrada online por um empregador o que é que eu devo fazer? Qual deverá ser a minha abordagem ao online?
Filipe Carreira:
Primeiro o básico: cuidar do meu conteúdo. Ver com muito cuidado o que coloco lá, cuidar para que seja não só verdadeiro, mas também que esteja bem escrito. A segunda regra é que isto é um meio em que as pessoas são encontradas não porque pura e simplesmente se mostraram, mas pela partilha.

Eu partilho, eu respondo àquelas questões e ajudo pessoas, eu crio eventos, etc. Eu torno-me visível, eu apareço no radar. Muita gente diz-me "isto não resulta, estou desempregado há não sei quanto tempo e até li o livro do indivíduo e ele diz para eu pôr no meu perfil online e fazer o meu Facebook e não sei quê, mas eu não arranjo nada". E eu pergunto "o que é que você partilhou?". Isto porque ao partilharmos algo com outras pessoas, elas assumem que somos especialistas na área. Assumem-no, à partida, porque quando você adopta o conselho de alguém e esse conselho resulta, o que é que você diz aos seus contactos sobre essa pessoa? Que ela sabe!
A partilha de conhecimento, quando alguém manda um email a perguntar como se faz e eu ajudo, dedico tempo a responder, e de repente as coisas começam a acontecer, porque nós ficamos sempre com uma óptima impressão de alguém que nos ajuda sem à partida nos pedir logo "isso custou X". Achamos extraordinário. E passamos muito a palavra. Tanto no online como no offline.

TeK: Que plataformas recomendaria
Filipe Carrera:
A santíssima trindade: o Facebook, o LinkedIn e o Twitter.

TeK: Para uma empresa quais são as vantagens de procurar um trabalhador online?
Filipe Carrera:
Tempo. Muito tempo e eficácia.

TeK: E o que é que perde?
Filipe Carrera:
Não sei. Ainda não consegui descobrir o que é que perde. Quando eu consigo, de uma forma mais rápida, descobrir as competências que eu necessito - fazer uma pesquisa por competências em vez de fazer uma pesquisa em que as pessoas me vêm demonstrar o seu potencial.
Eu ainda sou do tempo em que se recebiam toneladas de currículos e há empresas que ainda preferem, mas eu aposto que eles não são avaliados devidamente (…). Por isso é preferível se eu puder fazer uma pesquisa por competências directamente. Para além de que em muitas áreas até é esquisito se uma pessoa não tiver presença online. Vamos supor um webdesigner que não tem presença online… é estranho.

TeK: Falou no CV tradicional na sua palestra. Muitas destas redes permitem anexar um currículo online
Filipe Carrera:
Isso é para quem ache ainda que o CV é muito importante…

TeK: Acha que não? O CV morreu?
Filipe Carrera:
Eu acho que o velho CV já devia ter morrido. Alguém se esqueceu foi de lhe dizer. Principalmente uma coisa que agora está muito em voga, que é o CV modelo europeu, que é muito interessante quando uma pessoa quer contratar funcionários públicos, porque é uma bela forma de nós percebermos o histórico, mas eu lendo um CV modelo europeu não sei, sinceramente, o que é que aquela pessoa é capaz de fazer.
A primeira prioridade de alguém que quer arranjar trabalho deve ser demonstrar que traz valor acrescentado à organização, não é o que ela fez no passado.
O que é que me interessa se fez o curso xpto? Não me interessa nada, porque a pessoa até o pode ter feito, pode ter o certificado mas ter estado ausente todo o tempo. Não temos inúmeros colegas que não percebem nada do curso que fizeram? Mas, pronto, estiveram lá e receberam o diploma.

TeK: O que é que pode substituir este CV? Se eu me quiser candidatar a um emprego e o CV estiver fora de questão, a que é que é que devo recorrer?

Filipe Carrera:
Neste momento ainda tem de ser utilizado, porque há muitas entidades que ainda funcionam à século XX - perdem tempo e, pronto, é um jogo tipo totoloto. Eu trabalho com jovens recém-licenciados desempregados e pergunto o que é que eles fazem para procurar emprego. Dizem-me que respondem a anúncios e enviam currículos. Mas ao mesmo anúncio respondem cerca de mil pessoas, o que é que fazem de diferente? Uma carta de motivação? Escrevem-no à mão para análise de caligrafia (que está provado não ter qualquer validade científica)?
Nós estamos a atravessar uma mudança que as pessoas têm de entender. Neste novo tipo de mercado, nós não vamos à procura do emprego, o emprego vem ter connosco, o que é diferente. Por isso, temos que cultivar a nossa rede. É preciso que as pessoas entendam, de uma vez por todas, que todos conhecemos pessoas cheias de trabalho e a quem ainda vêm solicitar mais e outras que adoravam ter um trabalho, mas depois temos de ver o que é que elas cultivaram. E isto começa muito cedo.

No projecto com o Portal Universia fiz um exercício, que posso explicar aqui rapidamente. Pensem num colega da faculdade que fosse mentiroso, mau colega, que nunca fazia o que prometia fazer, uma pessoa de quem não se goste mesmo nada por causa da relação "profissional". Agora metam-no na máquina do tempo, vamos andar 10 dez anos. O vosso colega, chefe ou colaborador, entra no vosso local de trabalho e diz "tenho uma pessoa óptima para trabalhar connosco" e é o mesmo indivíduo. O que é que vão dizer?
As pessoas condicionam-se. Tudo aquilo que vai ser o nosso futuro já foi feito. Não é uma questão de destino nem de leis da atracção, mas tem a ver com aquilo que trabalhamos antes e com a forma como somos percepcionados pela nossa rede.
Se somos percepcionados como pessoas irresponsáveis dificilmente vamos ter acesso a cargos de responsabilidade através da nossa rede, a não ser que conheçamos um novo grupo e possamos começar do zero.

TeK: Isto aplica-se às redes sociais, na Internet?
Filipe Carrera:
Pois claro, porque você deixa uma pegada...