Tecnologias de Informação em versão lean
Por: pelo Miguel Ramos e Eduardo Redondo (*)

Em ambiente recessivo as Tecnologias de Informação (TI) são alvos preferenciais para as políticas de restrição orçamental. No entanto, os serviços de TI são cada vez mais fundamentais à criação de valor nas empresas, assumindo até o papel de gerador de receitas em vários sectores. Sendo as TI fulcrais ao desenvolvimento e transformação dos negócios, não serão as opções imediatistas de redução de custos nesta área demasiado arriscadas?

Algumas pistas para responder a esta questão podem ser obtidas com as lições aprendidas durante anos nas actividades industriais, que foram o motor do desenvolvimento económico mundial no século XX. Em particular, os princípios lean - popularizados na Toyota e amplamente difundidos pelo MIT em The machine that changed the World - podem contribuir com lições valiosas, assegurando a transição das TI de área de apoio e suporte para uma função dinamizadora de negócio.

[caption]Miguel Ramos e Eduardo Redondo[/caption]

De forma resumida, os princípios lean consistem em analisar todas as actividades da empresa na perspectiva do cliente, com vista a eliminar desperdícios e maximizar a entrega de valor. Assim, valor (aos olhos do cliente) é toda e qualquer acção subjacente ao desenvolvimento e produção da oferta e que o cliente está disposto a suportar na factura. Por outro lado, desperdícios são actividades que consomem recursos mas não adicionam valor para a oferta (por exemplo: trabalho duplicado, tempos de espera, informação incompleta ou errada). Alguns estudos realizados em sectores industriais apontam para um rácio de valor (definido como o tempo dispendido na produção a dividir pelo tempo necessário ao desenvolvimento e produção da oferta) de apenas 5% a 7%. Por outras palavras, mais de 93% do tempo é dispendido a consumir recursos que apenas produzem desperdício!

Mais recentemente identificaram-se algumas semelhanças entre os problemas abordados pelos princípios lean nas actividades industriais com os seus equivalentes na prestação de serviços através das TI. As primeiras aplicações das técnicas lean nas TI ocorreram ao nível do desenvolvimento e manutenção aplicacional, tendo-se obtido aumentos de produtividade na ordem dos 40%, simultaneamente com substanciais melhorias na qualidade e prazos de execução.

Em virtude desse paralelo e dos potenciais resultados que podem ser alcançados, exemplificam-se de seguida algumas aplicações de princípios industriais lean à prestação de serviços por via das TI.


  • Mapear o fluxo de valor, para compreender de que forma os componentes tecnológicos contribuem para a oferta da empresa e identificar fragilidades e/ou desperdícios, assim como oportunidades de melhoria.
    Exemplo: as técnicas de mapeamento dinâmico das aplicações e a gestão de configurações permitem detectar variações nos componentes de serviço, identificar actividades sem valor acrescentado para o negócio e eliminar tempos de espera desnecessários. Com a automatização dos processos de TI pode-se despoletar automaticamente a actividade seguinte, eliminando acções de processamento manual e evitando desperdícios adicionais.
  • Estabelecer processos de gestão da procura, com vista a aumentar a agilidade das organizações e optimizar a procura de serviços internos, em particular na gestão dos pedidos operacionais, responsáveis pelo consumo de 80%-90% do orçamento dos departamentos de tecnologia.
    Exemplo: o processamento de facturas ou de requisições de compra são tarefas muito repetitivas, com procura não homogénea e com significativo processamento manual. Utilizando sistemas de catálogos e automatizando os processos, pode-se reduzir de forma significativa a propensão ao erro e o desperdício associados a tempos de espera.
  • Analisar e afectar os custos de produção associados a uma oferta, de forma a conseguir não apenas uma melhor compreensão dos custos relativos ao desenvolvimento e produção da oferta, mas também dos drivers de crescimento dos custos.
    Exemplo: com a definição de centros de custos individualizados por área de negócio, um maior consumo de recursos de TI numa área em particular permite identificar e individualizar a existência de desperdícios. Adicionalmente, ao garantir uma maior visibilidade do negócio, esta abordagem ajuda a evitar cortes orçamentais em sistemas de TI que podem vir a ser cruciais no longo-prazo.
  • Gerir a capacidade dos recursos, considerando os processos na óptica do cliente e questionando a necessidade da utilização dos recursos para o desenvolvimento do negócio.
    Exemplo: a implementação de soluções automatizadas de monitorização do desempenho por área de actividade e a pré-definição de regras de negócio permitem a alocação dos recursos de TI em função das necessidades. Desta forma, evita-se a adição de mais recursos, o que apenas contribui para aumentar a complexidade, o acréscimo de desperdícios e o agravamento dos custos de gestão (entre outros, por via de uma força laboral mais especializada).
  • Incentivar uma cultura participativa e de melhoria contínua, começando de forma gradual em apenas algumas áreas, através da implementação de uma metodologia que incorpore uma preocupação transversal em encontrar as melhores formas de executar a tarefa, reduzir custos e melhorar o produto ou qualidade do trabalho.

    Exemplo: através da definição e monitorização de métricas de utilização e performance dos produtos e serviços de TI, com vista a conduzir a gestão dos processos numa óptica de negócio. Simultaneamente, cultivando a colaboração e comunicação efectivas, incentiva-se a participação activa e contínua de todos para encontrar formas de melhorar o serviço ao cliente.
Não obstante as técnicas lean ilustradas possam ser aplicadas individualmente, o seu potencial para minimizar os desperdícios e influenciar toda a linha de adição de valor é superior quando aplicadas de forma integrada.

A adopção destas e outras técnicas em empresas de serviços, que utilizam as TI enquanto catalizador dos seus negócios, pode-se materializar nos seguintes benefícios:


  • Reduções de 30%-40% nos custos (Total Cost of Ownership), através da remoção de trabalho duplicado, desperdícios e processos desnecessários;
  • Ganhos de 20%-30% na produtividade, contribuindo para uma maior motivação, participação activa e o desenvolvimento de novas competências;
  • Aumento do número de projectos concluídos on time (mais de 90%), o que se traduz numa melhor utilização dos recursos; e
  • Menos falhas detectadas (até 70%), com a consequente melhoria do serviço ao cliente.

Com a evolução das TI para uma função dinamizadora de negócio, as empresas devem ser criteriosas nas suas decisões orçamentais e evitar cortes imediatistas que podem vir a exigir dividendos elevados num futuro próximo. A solução poderá estar em olhar para as TI numa perspectiva de criação de valor e aplicar-lhe as técnicas lean amplamente testadas no sector industrial.

Assim, questione-se repetida e frequentemente (e incentive todos na empresa a fazê-lo):

Qual a contribuição directa deste processo para o desenvolvimento do negócio e a receita da empresa?

A resposta poderá surgir de uma abordagem simples, com provas dadas no século XX, e ajudará a sua empresa a evitar desperdícios e resolver um problema complexo do século XXI.

(*)Operational Manager e Senior Consultant da GMS