Não fui um fã original do Surface. Da primeira geração não gostava do facto de o suporte traseiro ser limitado nas posições que podia assumir, não gostava da capa-teclado com letras sem relevo, a Touch Cover, não achava a caneta a melhor do mercado e não gostava do facto de a Microsoft ter criado um equipamento tão apelativo, mas com várias falhas. Da versão seguinte não gostava do facto de a empresa ter deixado muito por corrigir desde a primeira versão.

Depois veio o Surface Pro 3 e aí mudou muito. A tecnológica soube fazer as alterações corretas e endereçar as maiores críticas feitas ao dispositivo. Resultado: um dos mais interessantes gadgets de 2014 e a minha ‘aceitação’ do conceito. Fiquei fã do Surface e certo de que a Microsoft tinha finalmente encontrado o seu caminho.

Um ano depois o Surface Pro 4 é a nova estrela da companhia e continuo um fã. A gigante norte-americana mexeu o que era preciso para tornar o tablet num dispositivo ainda melhor. Como dispositivo não há muito a apontar. Mas já do ponto de vista do posicionamento, acho que estou cada vez mais confuso, culpa da Microsoft.

O cenário é este: a tecnológica diz que ele é um tablet ultra potente, um tablet que custa entre 1.029 e 2.499 euros; depois diz que pode ser um substituto do PC, mas teima em vender a capa-teclado em separado; diz que é um tablet, mas continua a compará-lo diretamente com um portátil da Apple. Em que ficamos?

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Esta questão voltarei a discuti-la no final pois não me parece justo que uma análise de contexto prejudique aquela que é uma grande obra de engenharia da Microsoft.

Espelho meu, espelho meu, há algum tablet mais bonito do que eu?
Os gostos são discutíveis e o que é bonito para uns, pode não ser para outros. Mas olhando para este Surface Pro 4 parece-me que é preciso admitir o bom trabalho que as equipas de design e de engenharia fizeram.

O dispositivo está mais fino e um pouco mais leve do que a versão anterior, mantém o mesmo aspeto retangular, mas as linhas parecem estar um tudo ou nada mais suaves, o que ajuda a tornar o equipamento mais agradável não só à vista, mas também ao toque.

A construção em magnésio continua a ser um elemento em destaque no Surface. Além de garantir um aspeto premium, garante-lhe ao mesmo tempo uma construção sólida e que me parece obrigatória num tablet com estas dimensões.

O utilizador também sabe que este é um tablet robusto quando precisa de passar períodos de tempo mais longos com o dispositivo nas mãos e sem qualquer apoio. É aqui que os mais de 700 gramas começam a fazer a diferença - para o negativo, comparando com outros tablets, mas a Microsoft faz-nos esquecer isso com a quantidade de tecnologia que ‘empacota’ no Surface Pro 4.

Em termos de ergonomia acho que a melhor característica ainda é o íman fortíssimo que ajuda a agarrar a capa teclado ao tablet e que agora tem um segundo elemento para a caneta: basta aproximar o estilete da lateral do tablet para lá ficar agarrada. É mais forte do lado esquerdo do que do direito, portanto terá sempre de ter alguma cuidado para não perder o periférico.

Mas este é apenas um exemplo de pequenos pormenores que fazem uma grande diferença na relação geral com o equipamento.

Um rolo compressor
O modelo que o TeK teve para testes nem sequer foi o mais potente da linha Surface. Tinha um processador Intel Core i5, gráfica integrada Intel HD 520, 8GB de RAM e 256GB de armazenamento interno, valendo 1.500 euros. E tudo o que lhe foi pedido para executar foi feito com categoria, de forma fluída e sem engasgos.

É possivel ter várias aplicações abertas em simultâneo, de desktop ou universais do Windows 10, e fazer o stream de um vídeo em Ultra HD sem grande dificuldade. O Calcanhar de Aquiles do Surface, já se sabe, é a potência ao nível do grafismo. Mas também já se sabe que não foi desenhado para gaming e que para isso o Surface Book procura ser parte da resposta.

Apesar de não ter uma placa gráfica de última geração, como acontece ao nível dos processadores, os utilizadores vão conseguir usar programas de modelação 3D sem grande dificuldade. Por aqui usamos um mais básico como o Cura, mas já vi o mesmo modelo a executar o Solid Works de forma tranquila.

Ferramentas multimédia como o Photoshop também não é um problema e mesmo no Premiere são sentidas poucas limitações - já que estes programas requerem mais processamento do que grafismo propriamente dito. O disco SSD de 256GB também ajuda a que tudo seja mais rápido.

Mas se do lado do hardware tudo está no ponto, foi a simbiose com o Windows 10 que mais desiludiu.

Não posso deixar de fazer um reparo à necessidade que tive de fazer um reset total Surface e que mesmo depois desta operação continuava a dar erros no controlador gráfico e em algumas funcionalidades - sempre que fechava a capa, por exemplo, o tablet tinha depois grandes dificuldades em ‘voltar a acordar’ e em alguns casos só com uma reinicialização é que recuperava totalmente.

Gosto do que a Microsoft fez com o Windows 10, mas é de lamentar que tenha tido uma má experiência justamente no dispositivo que foi feito de raiz para fazer brilhar o sistema operativo. Terá sido uma unidade de testes com problemas? É uma possibilidade, mas fica a nota.

Um segredo de 4,65 milímetros
A capa teclado que a Microsoft desenvolveu para este Surface Pro 4 é um dos seus grandes trunfos. Mesmo sendo uma capa, consegue ter teclas muito mais agradáveis do que aquelas que vêm integradas de origem em muitos computadores portáteis.

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Para isso a Microsoft fez alterações cruciais: tornou as teclas mais salientes, conferindo-lhes um novo sistema de resposta ao toque do utilizador. E isto traduz-se numa melhor resposta por parte de cada botão, sendo que o utilizador sente cada batida e sente que as teclas voltam rapidamente ao sítio assim que deixam de ser pressionadas.

As teclas também estão melhor distribuídas no teclado e isso ajuda na experiência global de utilização. Isso também acontece por o ecrã do Surface ser agora um pouco maior, o que obriga o teclado a acompanhar esta nova largura do dispositivo.

Como se isto não bastasse, as teclas têm um sistema de retroiluminação - não só conferem um aspeto mais modernista ao Surface Pro 4 do ponto de vista estético, como dá um jeitaço quando está a utilizador o equipamento em ambientes mais escuros.

O facto de a Microsoft ter incluído um teclado de grande qualidade e com retroiluminação numa capa com apenas 4,6 milímetros de espessura mostra bem a confiança que se vive para os lados de Redmond - os engenheiros da Microsoft sabem que têm o talento e estão a desafiar-se, literalmente.

A cereja em cima do bolo é o trackpad colocado na capa-teclado. É feito em vidro, diz a Microsoft, mas o toque faz-me lembrar mais uma superfície de cerâmica. Toque muito suave, área bastante generosa e responsiva aos cliques que lhe são exigidos. Não é no entanto livre de críticas: a sensibilidade não é constante e por vezes tanto parece correta como estamos a repetir várias vezes o mesmo movimento de dedos para conseguir deslizar uma página de Internet.

O material meio aveludado com o qual a Microsoft constrói esta capa não é o que mais me agrada, preferia que toda a capa tivesse por exemplo a mesma textura plástica, rígida e de qualidade com que construiu as teclas.

Os melhores parceiros
Se hardware e software não se entenderam às mil maravilhas durante o nosso período de testes, já o mesmo não posso dizer do ecrã e da caneta eletrónica do Surface Pro 4. Que dois!

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Tal como já tinha acontecido com o Surface Pro 3, o ecrã da nova versão tem um dos melhores painéis do mercado. Altíssima resolução, cores vibrantes, constrastes bem definidos, excelentes ângulos de visão, boa sensibilidade ao toque.. só grandes elogios.

Tende a ser um pouco reflexivo em ambientes bastante iluminados e em algumas tonalidades parece haver falta de saturação - só que para mim é preferível ter um pouco a menos o que  ter cores berrantes como acontece noutros dispositivos móveis. Mas na maior parte dos casos o Surface vai garantir sempre uma experiência de visualização muito acima da média.

Este ecrã vem também equipado com a mais recente tecnologia da Microsoft para a deteção de pontos de pressão. Por isso é que este é tablet com a melhor resposta ao toque da Surface Pen. A Microsoft ainda não conseguiu anular totalmente o atraso que existe entre a escrita e aquilo que surge no ecrã, mas a latência é muito reduzida e permite uma escrita natural.

Não acho que sirva para substituir totalmente a facilidade com que se escreve num papel, mas esse não é a ideia: a ideia é ser um substituto do PC ou no pior dos casos, um complemento de trabalho para pessoas criativas como designers gráficos, de moda, engenheiros ou arquitetos.

O ecrã consegue reconhecer a pressão dada na caneta pelo que se pressionar a Surface Pen com mais força a linha vai sair mais carregada. Em comparação com o Surface Pro 3 acho que há uma clara melhoria na precisão e na velocidade de resposta, mas a tecnológica ainda tem margem para progredir.

O que torna interessante esta tecnologia é o facto de estar integrada num ecossistema maior. Pode tirar uma fotografia com a câmara de oito megapíxeis e começar logo a rabiscar por cima. Pode fazer um desenho e exportá-lo imediatamente para o Photoshop por exemplo. Pode tirar apontamentos diretamente do Microsoft Edge. Pode fazer recortes do que está a ver num ecrã com um duplo clique no botão superior da Surface Pen. E podia continuar a dar muitos mais exemplos.

Mas isto leva-me a uma questão importante. O Surface Pro 4 permite criatividade e produtividade como nenhum outro tablet o faz, mas será que as pessoas vão conseguir extrair este valor?

Por vezes deparei-me com a caneta na mão a querer fazer grandes desenhos, mas depois falta-me o jeito. Também não sou um mestre Jedi dos programas de edição para criar um wallpaper de raiz por exemplo. Então vou pagar 1.500 euros para poder escrever num browser ou fazer capturas de ecrã de forma mais prática?

Considerações finais
O modelo que usei do Surface está avaliado em 1.500 euros. A versão mais acessível começa nos 1.029 euros, mas vem equipada com um processador Intel Core M3 e 4GB de RAM - pessoalmente aconselharia a saltar diretamente para as versões com Intel Core i5 se quiser ter uma máquina a sério e onde vai encontrar as melhores propostas de valor.

Será o Surface demasiado caro? Se tivermos em conta que é um tablet e que nem sequer vem com a capa-teclado, então sim, tem um preço elevado. Mas se o consumidor tiver capacidade para extrair todo o valor que o dispositivo proporciona, então aí já não considero uma opção cara. Em resumo: é um excelente dispositivo, mas para pessoas muito específicas, como os criativos e os produtores multimédia que precisam de garantir resultados em qualquer lugar, em qualquer momento.

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Pois se é um tablet para entretenimento que procura, existem dezenas de opções e todas elas mais baratas. Se procura um dispositivo 2-em-1 existem outras opções interessantes no mercado e que também não implicam um investimento tão avultado. E se é a potência que quer fique a saber que consegue máquinas bem mais poderosas pelos mesmos 2.500 euros pedidos pelo Surface Pro 4 topo de gama - mas não tão leves, bonitas e finas, como é óbvio.

O Surface tenta ser o melhor destes três mundos e nesta missão possivelmente é o ‘rei’ da sua categoria. Mas para satisfazer tantas necessidades de consumo acaba por ficar com um preço acima da média.

Pelo meio a Microsoft perde-se nos esforços de marketing e comete erros básicos. Se o Surface é um substituto do portátil - e já tem todas as condições para o ser -, então tem de trazer de origem o teclado e não obrigar os consumidores a um investimento de mais 150 euros.

A tecnológica norte-americana precisa ainda de reforçar a loja de aplicações com os serviços mais recentes. Pois o Surface vive mais dos programas de desktop que é possível instalar do que das aplicações nativas que existem para Windows 10. O ecossistema está melhor em comparação com o ano anterior, mas continua depenado. Aplicações exclusivas precisam-se para que as pessoas possam tirar o verdadeiro proveito de um Surface.

A par do Macbook da Apple, acredito que a máquina da Microsoft é o futuro dos portáteis, isto é: quem quiser uma solução versátil optará por um equipamento como o Surface; quem preferir a rigidez de um portátil e procurar desempenhos mais modestos acabará por escolher algo como o Macbook.

Mas primeiro a Microsoft tem de assumir que o Surface é de facto um dispositivo 2-em-1 e parar de chamá-lo de tablet. Ninguém precisa de um Intel Core i7 num tablet. Quando a empresa estiver preparada para dar este passo e conseguir vender unidades suficientes para também se tornar competitiva no preço, então parece-me que a visão para o dispositivo estará finalmente completa.

Rui da Rocha Ferreira