A data é essencialmente simbólica, mas hoje é dia do lançamento mundial do IPv6, sucessor do esgotado IPv4. Um e outro são versões distintas do protocolo que permite identificar e gerir os endereços IP que cada dispositivo ou equipamento ligado à Internet tem de ter.



A sucessão está a ser preparada há mais de uma década. Só a Europa já aplicou 100 milhões de euros em investigação nesta área, valor que serviu para suportar 30 projetos relacionados com a implementação do protocolo.



São vários os benefícios normalmente apontados à transição do IPV4 para o IPV6, mas o mais evidente - e o mais relevante - é a quantidade de endereços que o IPV6 tem para oferecer. O número é virtualmente ilimitado e deixa de ser um obstáculo ao crescimento da Internet e do número de dispositivos que podem estar estar online.



O IPV4, com endereços compostos por 32 bits, assegurou um total de 4,3 mil milhões de endereços IP. O IPV6, com 128 bits, chegará aos 340 triliões de triliões de triliões de endereços. Entre os dois protocolos também muda a forma de organização dos endereços, que deixa de ser feita por classes para passar a ser hierárquica. São introduzidas novas facilidades de roteamento e a segurança da rede é uma questão endereçada logo ao nível do design do protocolo.



Desde o ano passado que o mundo está em contagem decrescente para o fim dos endereços IPv4. Na Europa terminam este mês, de acordo com dados da Comissão Europeia. Para o utilizador final o momento não será sentido, como também não é sentido o processo de transição que tem decorrido e se prolongará durante os próximos anos. Os sistemas (redes de comunicações) têm vindo a ser preparados para ler endereços IPV4 e IPV6, fazendo as devidas conversões quando é necessário.



Os equipamentos que se ligam à Internet também precisam de ser compatíveis com a versão mais recente do protocolo, mas quando isso não for garantido no próprio equipamento a conversão/tradução do endereço na rede resolve o problema, pelo menos para já. A prazo, quando o suporte às duas gerações do protocolo desaparecer, a questão pode representar um problema, mas para já é pouco debatida.



Mas mesmo que a mudança para o IPV6 seja transparente para o utilizador, há muitas alterações a fazer, que têm vindo a ser implementadas pelos operadores, pelos fabricantes de equipamentos e pelas empresas que oferecem serviços online.



Quem se junta ao lançamento mundial?

Hoje cerca de 2.500 empresas de Internet e 50 operadores anunciam que concluíram o processo e estão prontos para disponibilizar IPv6 de forma permanente, assinalando assim o lançamento mundial da versão atualizada do protocolo. Google, Facebook, AT&T, Microsoft, Yahoo, Cisco, D-Link, entre outras, fazem parte desta lista de pioneiros.

Para a Google isso significa que a partir de hoje todos os sites e serviços disponibilizados estão acessíveis em IPv6, para qualquer rede Internet que suporte o protocolo. Até agora a possibilidade era válida, mas apenas em ambientes mais fechados e no âmbito do programa Google over IPv6.



Na D-Link significa que todos os routers e pontos de acesso fabricados pela empresa (séries DIR para o mercado de consumo) estão certificados para IPv6 e todos os equipamentos da mesma gama fabricados a partir de hoje terão o IPv6 ativado por defeito, detalhou a empresa entretanto.



"Do ponto de vista do utilizador final deseja-se que nada seja visível. Mas para a Internet é um passo de gigante pois começa de verdade o uso do protocolo IPv6, que vai ser o protocolo que vai suportar o crescimento da Internet para suportar mais utilizadores e mais sistemas ligados à Internet", defende Pedro Veiga, presidente da FCCN, que também se associa ao lançamento mundial do IPv6.



No caso da Fundação para a Computação Cientifica Nacional, como para outras entidades associadas à data, o dia é simbólico. A preparação para o IPv6 aconteceu nos últimos anos e foi um processo longo e estruturado.



"Já vimos há vários anos a trabalhar na adoção do IPv6. Na realidade o nosso backbone já é bi-protocolo (funciona em simultâneo em IPv4 e IPv6) desde 2003. Também o DNS já suporta IPv6 desde há vários anos, desde os glue-records a toda infraestrutura de comunicações e serviços", explica Pedro Veiga.



"Nas universidades e politécnicos também tem havido esforço para a completa conformidade das redes e serviços com IPv6 e, se bem que não estejam ainda a 100%, os serviços e aplicações mais relevantes já usam IPv6 há algum tempo", acrescenta o responsável.



Em Portugal, o que está a ser feito?

No entanto, e à parte da onda de entusiasmo que tenta passar a Internet Society - que organiza o lançamento mundial - e que se estende a outros organismos oficiais -, a realidade segue mais lenta que as melhores expectativas. Dados do Digital Agenda Scoreboard mostram que apenas 3% de todos os sites existentes na União Europeia a 27 são compatíveis com IPv6, por exemplo.



Em Portugal várias empresas participaram no ano passado no IPv6 Day aproveitando para anunciar progressos realizados até então, mas continua a haver trabalho por realizar.



"A Oni Communications tem estado a desenvolver ativamente trabalho no âmbito da implementação desta tecnologia tendo vindo a preparar-se para fazer as alterações necessárias na sua infraestrutura de core da rede IP e nas suas interligações de trânsito internacional", explica a operadora.



"Neste momento possuímos, já ativadas, ligações em IPv6 a diversas entidades presentes no GigaPIX (Ponto Português de troca de tráfego entre redes IP)", acrescenta a empresa numa declaração enviada ao TeK, onde frisa que é um dos objetivos do seu plano de evolução da Rede de Nova Geração o suporte de IPv6.



Na execução desse objetivo a ONI deu um conjunto de passos que outros operadores nacionais, ou a prestar serviço em Portugal, também já cumpriram, alcançando o estatuto de LIR com 4 estrelas, no estado de preparação para a implementação da tecnologia IPv6.



A classificação de 4 estrelas neste IPv6 RIPEness significa que o operador cumpre quatro condições: possui alocação de um espaço de endereçamento de IPv6; está visível no Routing Information Service (RIS) do RIPE NCC; possui um ojecto route6 na base de dados do RIPE NCC; e possui uma delegação de reverse DNS. Para além da ONI, outras 15 empresas conseguem as quatro estrelas, como o TeK já tinha escrito e como mostra a lista que pode ver aqui.



Portugal Telecom (que tem um site em IPv6 no ar desde o ano passado), Zon e Optimus, que no ano passado também se juntaram ao IPv6 Day, este ano passam ao lado da iniciativa e também não responderam às questões do TeK, embora seja do conhecimento público que todas estão a trabalhar no mesmo sentido, ainda que em ritmos distintos. As três empresas estão aliás no mesmo ranking que a ONI, avaliadas com o mesmo número de estrelas.



Os equipamentos estão preparados para a mudança?



Nenhuma das operadoras fornece, no entanto, informação detalhada sobre os serviços e os equipamentos que já suportam IPv6, uma sugestão que é deixada pelo presidente da FCCN.



"Seria interessante que os ISPs publicassem listas de quais os seus produtos (comunicações, equipamentos) que já suportam IPv6 e os que não suportam. A transparência do que se compra e do que se paga é algo que é importante para o utilizador final", defende Pedro Veiga.



A medida ajudaria o consumidor a fazer escolhas mais informadas na altura de investir em novos equipamentos, onde se supõe que o suporte ao IPv6 está garantido, mas isso nem sempre acontece. "Há pouco mais de um mês compramos umas PENs 4G e ainda não se tem conectividade IPv6", diz ainda Pedro Veiga, usando o exemplo da própria FCCN. "Mas há diferentes níveis de adoção do IPv6 e alguns ISPs já estão muito bem preparados", acrescenta, no entanto, o mesmo responsável.



A questão dos equipamentos também é referida pela Vodafone, fazendo notar que só ao longo do último ano o interesse pelo tópico do IPv6 se tornou mais notório. "Neste período, apareceram no mercado os primeiros equipamentos terminais (móveis e para rede fixa) com as primeiras implementações do stack de IPv6".



"Este aspecto, dos equipamentos terminais, é aquele que ainda condiciona um desenvolvimento massivo da tecnologia, dado que as implementações atuais ainda requerem ‘afinações’ e não estão, na sua maioria, aptas para poderem ser lançadas no mercado assegurando os níveis de serviço requeridos pela Vodafone", acrescenta a empresa.



Internamente, e no que se refere introdução do novo protocolo IPv6 e de técnicas de tradução de endereços (NAT), a operadora garante que está preparada para, em caso de necessidade, proporcionar aos clientes (tanto empresariais, como particulares) a possibilidade de utilizarem o protocolo.



Para além disso, "os planos de roll-out estão diretamente relacionados com a já referida disponibilidade por parte dos fornecedores de equipamentos compatíveis e que apresentem a estabilidade requerida pela Vodafone", acrescenta a operadora.



A exceção a este nível vai para o ambiente de desktop (Windows, Apple ou open source), onde o suporte para dual-stack (IPv4 e IPv6) já existe há vários anos. A esse nível a Vodafone explica que já tira partido da evolução, utilizando esse tipo de equipamentos na sua rede corporativa, em ambiente de produção.



E nas empresas, a mudança avança?

Nas empresas a adoção do IPv6 também está a avançar. Na experiência da Claranet a mudança sente-se "sobretudo nos serviços de datacenter (cloud, hosting, shared hosting, housing, entre outros), onde o IPv6 está a ser disponibilizado em simultâneo com o IPv4 (dual-stack), permitindo que tanto os clientes com apenas IPv4 ou IPv6 possam aceder ao conteúdo", explica Rita Costa, diretora de comunicação.



A empresa tem trabalhado nesta área com clientes como a LunaCloud, Esoterica, Webtuga, RedeVF, OnSalesIT, ou AnubisNetworks, para que tenham o IPv6 disponível na sua infraestrutura de rede, revela. Nestes projetos "o maior problema coloca-se no software (p.ex. painel de controle) que em muitos casos não suporta ainda o IPv6", acrescenta a mesma responsável da Claranet, cujo backbone, DNS e site Web já mantêm suporte a IPv6. Hoje a empresa juntou-se ao lançamento mundial com mais uma novidade: abertura da rede DSL Direct para suporte de IPv6 nativo



No site da Internet Society pode saber mais sobre quem abraça hoje o IPv6. O slogan escolhido para este dia de lançamento é: hoje o mundo mudou… para sempre. Nós acrescentamos…mesmo que ainda não seja evidente!




Nota de redção: A notícia foi atualizada com informação e declarações da Vodafone.

Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico




Cristina A. Ferreira