Uma equipa de investigadores fez uma descoberta surpreendente e preocupante. As águas superficiais à volta da Antártida estão a ficar mais salgadas, mesmo com o gelo marinho que aí existe a diminuir rapidamente.

Esta é uma descoberta que vai contra o padrão normal e que pode ter implicações globais. Quando derrete, normalmente o gelo refresca a água à superfície do oceano e reduz o nível de salinidade à superfície. Essa água mais fresca e menos salgada mantém-se à superfície do oceano e isso facilita que volte a congelar e que se regenerem os níveis de gelo na região.

Esta alteração súbita do padrão - desde 1980 que o processo seguia o padrão que os cientistas agora também esperavam encontrar - significa que os mecanismos envolvidos na fusão do gelo que refresca as águas superficiais são agora mais complexos. Aponta também para uma ruptura na estrutura em camadas do oceano e para um declínio muito mais rápido do gelo marinho do que o previsto. Acredita-se que as alterações nesta região remota podem perturbar as correntes oceânicas globais, afetar os padrões climáticos e alterar os ecossistemas muito para além da Antártida.

Os dados foram recolhidos através do satélite SMOS da Agência Espacial Europeia. Foram feitas medições da salinidade dos oceanos e analisadas por uma equipa de investigadores, liderada pela Universidade de Southampton, no Reino Unido. Em colaboração com o Centro de Peritos de Barcelona, em Espanha, os investigadores desenvolveram algoritmos avançados para acompanhar as condições do oceano à superfície nas regiões polares, recorrendo aos dados de satélite. Construíram um conjunto de dados de 15 anos, que capta as alterações a longo prazo da salinidade, da temperatura e do gelo marinho em toda a região.

"A descoberta foi inesperada porque a fusão do gelo deveria refrescar o oceano e não torná-lo mais salgado. No entanto, os dados do satélite SMOS revelam que está a ocorrer o contrário, o que é profundamente preocupante”, comentou Alessandro Silvano, que liderou a investigação publicada esta semana na revista PNAS.

"As águas superficiais mais salgadas alteram a dinâmica do oceano. Normalmente, a água fria e fresca da superfície fica sobre a água mais quente e salgada das profundezas, uma vez que a flutuabilidade nestas latitudes é largamente controlada pela salinidade”, acrescentou o investigador.

É essa estratificação que retém o calor nas profundezas do oceano, mantendo as águas superficiais frias e contribuindo para a formação de gelo marinho. Alterando-se este equilíbrio, com águas superficiais mais salgadas, o calor das profundezas tem mais facilidade em chegar à superfície. “Este fluxo ascendente de água mais quente derrete o gelo marinho a partir de baixo, tornando significativamente mais difícil a sua formação".

Evolução do grau de salinidade agua na antartida
Evolução do grau de salinidade agua na antartida créditos: ESA

Quase em simultâneo com esta descoberta, a comunidade científica verificou o reaparecimento inesperado da polinia de Maud Rise, uma vasta área de águas abertas no mar de Weddell que não era vista desde a década de 1970.

"O regresso da polinia da elevação de Maud realça o quão anormal é a situação atual. Se esta tendência de maior salinidade e redução do gelo persistir, poderá levar a alterações duradouras no Oceano Austral, com consequências para o resto do mundo", alerta o investigador responsável pela nova pesquisa. “Poderemos estar mais perto de passar um ponto de viragem do que o esperado e, potencialmente, entrámos num novo estado definido pelo declínio persistente do gelo marinho”.

Os investigadores lembram que, à medida que o gelo derrete e mais calor armazenado no oceano é libertado para a atmosfera, a probabilidade de tempestades mais intensas aumenta e as alterações climáticas aceleram. Isto também contribui para ondas de calor extremas em terra e para a diminuição do manto de gelo antártico, que conduz à subida do nível do mar em todo o mundo. A diminuição do gelo marinho também ameaça habitats vitais para os pinguins e outras espécies que dependem do gelo para sobreviver.

O projeto que permitiu chegar a estas novas descobertas foi financiado através da iniciativa da ESA “Ciência para a Sociedade”, no âmbito do programa de Observação da Terra FutureEO.