Começou pelo curso de Engenharia Civil na Faculdade de Engenharia do Porto mas o interesse pela área de ciência de dados acabou por fazer com que Isabel Horta seguisse outros destinos, primeiro com projetos de investigação mais ligados a indicadores de gestão de produtividade e KPI, e depois com um doutoramento na Universidade de Lancaster, em Inglaterra. Em 2010 os temas de machine learning já faziam parte das tendências e um pós doc no Imperial College London, em que trabalhou na área de algoritmos de previsão espacial de consumo de energia da cidade de Londres, ajudou a consolidar o conhecimento e interesse pela área de Ciência de Dados.

Em entrevista ao SAPO TEK, Isabel Horta confessa que esta é uma paixão que acompanhou o trajeto profissional na Sonae e também a carreira como professora na Porto Business School e na Católica Porto Business School, ligando-a ainda a projetos como a DSPA - Data Science Portuguese Association, da qual é atualmente vice presidente.

Foi este percurso, e os projetos desenvolvidos na Universo Sonae, onde é Head of Data Science & Customer Intelligence, que fizeram com que Isabel Horta fosse escolhida pelo CDAO Council (Chied Data Analytics Officer Council) para receber o prémio de CDAO do ano. O Conselho é uma iniciativa da Microsoft que reúne cerca de 30 membros que são responsáveis pela área de dados e analítica de algumas das principais organizações e empresas em Portugal, e que todos os anos escolhe um profissional que se distingue na área, com base na carreira e nos projetos desenvolvidos, com inovação, impacto e capacidade de escala.

Veja as imagens do CDAO de junho de 2024

Manuel Dias, National Technology Officer da Microsoft Portugal, explicou ao SAPO TEK que o CDAO Council foi criado há dois anos e que reúne trimestralmente, sempre fora da empresa, numa comunidade de partilha e troca de experiências que é muito positiva e enriquecedora, com apresentações dos membros do conselho e também oradores convidados. “Um dos objetivos é promover a partilha de conhecimento e de soluções inovadoras, e trazer ações que tenham impacto na sociedade que vão além do Council e possam ser úteis a todas as empresas”, sublinha.

Inovação e impacto na Universo Sonae

O projeto desenvolvido para a Universo Sonae, que antes se chamava Sonae Financial Services, foi considerado este ano pelos membros do Conselho CDAO como inovador e relevante, o que aliado à carreira de Isabel Horta lhe mereceu a escolha como CDAO do ano 2024. “A Universo Sonae tem a ambição de que a componente de analytics possa ser transversal à tomada de decisão […] é muito claro que queremos ser inovadores e diferenciados na relação com o cliente”, destaca Isabel Horta em entrevista ao SAPO TEK.

A Universo Sonae gere a componente de serviços e produtos financeiros do Grupo e o lançamento do cartão de crédito Universo em 2015 impulsionou a atividade da empresa, que já alargou o âmbito ao crédito pessoal, seguros e produtos de poupanças. “Somos uma empresa muito digital e queremos distingui-nos no crédito ao consumo”, explica, detalhando que a Sonae tem uma parceria com o Bankinter Consumer Finance e objetivos de liderança neste segmento. Para isso recorre a ferramentas de Advanced Analytics, potenciando os modelos de análise de risco, cobrança e incumprimento em ligação com o serviço ao cliente para desenvolver a relação com os clientes do cartão Universo e acompanhar o seu ciclo de vida, antecipando necessidades e interesses.

Com mais de 1,2 milhões de clientes, a Universo Sonae desenvolveu um framework para a relação com o cliente que é alavancado por dados e advanced analytics, e que permite o crosssell e upsell. Para isso foram desenvolvidos modelos de costumer lifetime value e de índice global de experiência, ambos de grande valor para o negócio já que permitem identificar o score por cliente e criar estratégias de identificação de segmentos onde atuar, explica Isabel Horta.

Na base dos desenvolvimentos está a preocupação com a qualidade de dados, tendo sido desenvolvidas internamente ferramentas de advanced analytics e o framework Next Best Action, com a identificação da probabilidade de aderir a um serviço e também as restrições a aplicar. Isso permite melhores abordagens na segmentação das ofertas, relevantes na fase de atração, reativação ou de mudança (churn).

“Permite-nos uma forma de atuar que acreditamos que é disruptiva, intervindo no momento certo”, afirma, adiantando que para isso a sua equipa está a trabalhar em ferramentas sofisticadas de algoritmos de sequential pattern mining e de enriquecimento da experiência do cliente. Foi ainda criada uma solução com base em geolocalização para alertas de campanhas em vigor, que podem ser ativados com a autorização do cliente.

Para Isabel Horta, estes modelos permitiram à Universo Sonae trabalhar e desenvolver experiências dos clientes de forma direcionada, acrescentando valor ao utilizador e à organização.  “Tem um impacto muito grande no negócio e espero que este caso de uso sirva de inspiração, também pelo cuidado nas abordagens aos dados, e que seja um desafio para outras organizações que quiserem usar esta estratégia”, afirma.

A estrutura tecnológica da Universo Sonae assenta muito em tecnologia Microsoft, com o Azure Machine Learning, Power BI e análise de bases de dados, e Isabel Horta adianta ainda que a empresa está a olhar para a área de Inteligência Artificial na globalidade, mas também para IA Generativa.

“Há áreas onde não vamos usar GenAI”, admite Isabel Horta, mas explicando que há vários casos de uso onde vê potencial para a tecnologia. “A ideia é usar as melhores ferramentas e vamos lançar uma assistente virtual no Universo Sonae que usa IA generativa […] temos agora possibilidade de ter assistentes mais robustos”. O apoio ao cliente e agentes no contact center, e um copiloto que lê dados em SQL para apresentar análises, são dois casos que estão também a ser trabalhados.

Evolução necessária para maior maturidade no uso de dados em Portugal

A experiência profissional e académica, mas também na associação DSPA, onde é vice presidente, permitem a Isabel Horta ter uma visão clara sobre o panorama da maturidade de utilização de dados para o negócio em Portugal. E o cenário não é muito animador.

Estamos numa realidade muito díspar […] há muitas empresas do sector privado com alicerces para montar componente de IA em cima de componente de dados, e outras empresas, mesmo no sector público, que estão a ter essa consciência”, explica, lembrando que a explosão da IA generativa levou muitas organizações a perceberem que para estarem na vanguarda, e manterem-se vivas a longo prazo, têm de investir nos dados e fazer o caminho, organizando bem o modelo para garantir a gestão dos dados e a cadeia de valor que permita tirar partido da informação.

Isabel Horta nota também que há cada vez mais pessoas e empresas a procurar formação nesta área, e que é necessário fazer sensibilização dos executivos para a estratégia e tecnologias a utilizar. A atualização de competências é relevante, sobretudo ao ritmo a que a tecnologia evolui, mas a executiva acredita que é preciso continuar a colocar o humano no ciclo de avaliação e análise.

Para quem quer avançar nesta área, Isabel Horta recomenda uma formação sólida em matemática e engenharia, que tornam mais fácil o redireccionamento para estas áreas, complementados com pós graduação e mestrado. Em relação aos cursos online, sobretudo curtos, mostra algum receio. “Estas áreas precisam de conhecimento profundo. Temos de ter cuidado porque não é por fazer alguns cursos online que me torno data scientist. O caminho tem de se fazer e não é só técnico”, sublinha, lembrando que é preciso desenvolver um conjunto de competências mais alargado, de conhecimento do negócio e pensamento crítico.

Na associação DSPA estão a ser criados alguns percursos específicos para profissionais nesta área, acreditando Isabel Horta que é preciso desmistificar os papéis dentro da área de Ciência de Dados.

E a Inteligência Artificial vai substituir estes papéis a curto e médio prazo? “Não sei se a IA vai superar ou não a inteligência humana, mas acredito que será mais uma extensão e que temos de saber aproveitar a inteligência para sermos mais produtivos, sempre com os humanos no loop para fazer disparar o propósito e a validação do ciclo de respostas”.  “Acredito que vamos conviver em conjunto e que isso nos vai permitir ser mais inteligentes enquanto humanos”, defende.