A cidade de Bangalore acolheu este ano a maior conferência de programadores da SAP, a TechEd, mostrando a dinâmica do mercado e a aceleração da tecnologia na região que é considerada o “Silicon Valley” da Índia. Apesar de ser um país de muitos contrastes, também pela sua dimensão, a Índia tem-se destacado nas análises como um dos mercados que mais cresce em termos económicos, com uma adoção relevante das tecnologias digitais e elevada formação de recursos nas áreas tecnológicas.
A área da Inteligência Artificial é considerada estratégica e o Governo da Índia já traçou o plano que pode trazer mais de 967 mil milhões de dólares à economia nos próximos 10 anos. O ministério da Eletrónica e das Tecnologias de Informação (MeitY) criou sete grupos de trabalho sobre este tema e o primeiro relatório foi divulgado em outubro deste ano, com alinhamento de recomendações.
O IndiaAI 2023 (que pode ser consultado neste link em PDF) traça o retrato dos pilares de crescimento e a aposta no sector que é apontado como estratégico, com recomendações que passam pela criação de centros de competências, abertura de datasets, regulação de acesso a dados não pessoais e apoio às startups.
Durante a sua introdução do TechEd, Sindhu Gangagharan, vice-presidente sénior e CEO do SAP Labs India, defendeu uma visão de liderança na IA para a Índia e a possibilidade do país se tornar a “Capital da IA”, que sustentou depois em números, numa entrevista ao SAPO TEK.
“Quando falamos de digitalização, não há paralelo [para a Índia]. O consumo de tecnologia e o mercado evoluíram, há procura interna e essa é a grande mudança que aconteceu nos últimos anos”, afirma Sindhu Gangagharan
Para a executiva os números de desenvolvimento na Índia são claros. Até 2030 a expectativa é que o mercado de Software as a Service (SaaS) no país valha mais de 1 bilião de dólares e 67% das transações já são digitais. Estes dados, combinados com o facto de, do ponto de vista geopolítico, o país ser considerado neutral, favorecem o investimento.
Formada em Ciências da Computação, Sindhu Gangagharan assumiu a liderança do segundo maior polo de desenvolvimento de produtos e inovação da SAP em 2019, quando regressou à Índia, depois de 17 anos na SAP Alemanha. O SAP Labs na Índia tem mais de 13 mil colaboradores, em cinco localizações, e só em Bangalore deve chegar às 15 mil pessoas com a abertura de um novo campus até 2025.
Veja as imagens do TechEd e do campus do SAP Labs em Bangalore
O desenvolvimento de tecnologia de Inteligência Artificial, e IA Generativa, é um dos focos do SAP Labs Índia e a responsável por esta área não esconde o seu entusiasmo nesta área. “Nunca vi nada tão poderoso, há coisas novas a acontecer todos os dias, está a mudar em todas as camadas da tecnologia”, justifica, lembrando que este é ainda o início de um caminho que pode ser “uma oportunidade única para a humanidade de o início de uma nova era”. “É aqui que as ideias se tornam realidade”, sublinha.
Competências em IA no centro da equação
É nas competências, em especial de IA, que a responsável pelo SAP Labs Índia aposta para a liderança da Inteligência Artificial, onde defende que o país tem trunfos significativos.
“16% do talento de IA do mundo está concentrado na Índia e isso é a maior concentração em qualquer parte do mundo. E também está combinado com o facto de sermos um dos top 3 do mundo a produzir graduados STEM [ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática] por ano”, defende em resposta ao SAPO TEK.
Soma a estes números “o elemento cultural”, um impulso que identifica para continuar a apostar na formação e no desenvolvimento de talento, referindo que isso claramente contribui para a meta de tornar a índia a capital da IA. Ainda assim reconhece que esta ambição de aprender e apostar nas tecnologias não se estende a toda a população, embora se reflita em números relevantes, que são validados também pela OCDE.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indica que, desde 2010, o país está em quarto lugar entre os maiores produtores de investigação publicada em IA, e o oitavo no registo de patentes em 2020. Segundo o Index de adoção de IA, na Índia 76% dos players estavam envolvidos ativamente em atividades ligadas à Inteligência Artificial em 2022, três vezes mais do que em 2020 e a optimização, crescimento e inovação estão entre os fatores de impulso, refere o World Economic Forum.
Oportunidades globais na tecnologia
Sindhu Gangagharan está na SAP há 24 anos, onde começou como software developer de CRM em 1999 e chegou a liderar o programa de Intelligente Enterprise. Atualmente o seu trabalho passa pela liderança da SAP Labs Índia, mas não só.
Nomeada presidente da Nasscom GCC Council (uma associação tecnológica na Índia) para os próximos dois anos, Sindhu Gangagharan integra também o conselho de administração da Siemens na Índia e da Titan Company e é diretora da Câmara de Comércio Indo-Alemã, pelo que a sua perspetiva é ampla sobre o potencial do mercado.
Durante a entrevista falámos do potencial de transformação da Inteligência Artificial no papel dos developers, que têm se especializar em prompt engeneering para aproveitar o potencial da inteligência artificial, mas sem uma visão de necessidade de redução do número de empregos pela automação das tarefas, já que cada vez mais empresas vão precisar de programadores especializados. E sublinha a certeza de que o elemento humano vai ser sempre necessário, porque tem capacidades que as máquinas não possuem.
A atração de investimento estrangeiro na Índia é também vista como uma tendência que se vai acelerar, mas com perfis diferentes do que acontecia na década passada. Se há 10 ou 15 anos quando as empresas investiam em centros de desenvolvimento na Índia a grande questão era o preço, hoje isso já não acontece. “O tema já não é esse porque se querem grande talento têm de pagar por ele. Hoje é mais pela força de inovação da organização, e não apenas na SAP, está a acontecer em todo o lado”.
Ainda assim, Sindhu Gangagharan admite que existem riscos globais, com algumas tendências de países europeus de apostarem no nearshoring, investindo em centros mais próximos em vez de deslocalizarem para a Índia ou outros países da Ásia Pacífico. “Todas as empresas deviam olhar para o risco de concentração, e não colocar todos os ovos no mesmo cesto, e as lições dos últimos anos mostram isso. E têm de ser inteligentes para olhar para a equação e garantir que têm uma boa estratégia. […] ninguém antecipava o Covid e aprendemos com isso”. A executiva defende que a Índia continua a ser um dos países onde o investimento em tecnologia faz sentido, e que há outras oportunidades a explorar no sul da Ásia.
Questionada em relação a algumas iniciativas que estão a ser discutidas a nível governamental, como a possibilidade de taxar a importação de equipamentos elétricos e eletrónicos, como computadores, Sindhu Gangagharan diz que isso ainda não está definido. "Na Nasscom estamos a trabalhar com o Governo”, afirma, admitindo que pode ter um impacto negativo, especialmente na indústria de serviços.
Nota da Redação: a jornalista viajou para Bangalore a convite da SAP
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