O ZX Spectrum foi um dos principais computadores que impulsionou a indústria dos videojogos, há quase 50 anos. Mas a máquina continua bem viva na atualidade. Seja pela quantidade de jogos que ainda são lançados anualmente por fãs do microcomputador, como recentemente foi lançado o The Spectrum, uma versão atualizada, mas totalmente compatível com o 48K original.

Para quem gostar de conhecer mais sobre a história deste computador revolucionário, estreou recentemente na RTP 2 o documentário “TIMEX, Uma Revolução por Contar”, produzido pela Galgo Filmes. Pode também ser assistido na plataforma RTP Play. O documentário cobre todos os períodos da Timex em Portugal, prestando homenagem à engenharia portuguesa e com testemunhos de pessoas que trabalharam na fábrica em Portugal nos anos 1970/80.

Veja o trailer do documentário:

A propósito do lançamento do documentário, o SAPO TEK entrevistou João Diogo Ramos, responsável pelo museu LOAD ZX Spectrum, que serve também de narrador. Segundo o mesmo, a ideia do documentário surgiu no contacto entre amigo em comum em Cantanhede e um produtor da Galgo Filmes, o Pedro Ramalho Marques. Ficou impressionando depois de conhecer o museu e considerando que havia mais alguma história para contar.

Perguntei se sabia a história da Timex em Portugal e não a conhecia, e curiosamente, veio depois a descobrir que morava a cinco minutos da antiga fábrica da Timex, no concelho de Almada. Sabes aqueles momentos em que parece que tudo se alinha? Foi o que aconteceu”, refere João Diogo Ramos sobre os primeiros passos do projeto, em que Pedro Ramalho Marques tinha atribuído a essas “coincidências” um bom prenúncio para a realização do documentário.

Timex
Timex Créditos: TIMEX, Uma Revolução por Contar

Durante estes anos, o museu tem vindo a criar uma rede de contactos de pessoas que trabalharam na Timex Portugal, que contribuiu para a visibilidade internacional do trabalho em Portugal no Spectrum. Foi aqui que foram montados muitos milhares de computadores, com modelos próprios criados em Portugal e exportados para a Polónia, Espanha, Inglaterra e Argentina.

No desafio proposto pela Galgo Filmes, João Diogo Ramos diz que este tipo de projetos estava na sua lista de desejos por realizar, mas estava sempre dependente de apoios. E por isso aceitou de imediato contribuir para o documentário. A Galgo Filmes fechou dois projetos com a RTP, sendo um deles este dedicado ao Spectrum. “O projeto descreve a história dos homens e das mulheres, milhares de mulheres que trabalharam nos anos 1970, maioritariamente nos relógios e depois nos anos 1980 em projetos de eletrónica, sendo o Sinclair, os computadores, a parte principal. Mas também trabalharam para a IBM, Minolta e outros”.

"Queria deixar o mérito à Galgo por nos ter desafiado, ter conseguido os apoios e por tornar realidade o sonho das pessoas da nossa geração que cresceram com o Spectrum, com a homenagem ao papel de Portugal nisto tudo"

Aponta que o documentário é um projeto que lhes dá muito orgulho. E sente que existe agora um antes e um depois do documentário, porque pela primeira vez se consegue homenagear e dar voz na primeira pessoa, através das entrevistas, aos ex-funcionários da Timex. Para ligar os acontecimentos, João Diogo Ramos assume também o papel de narrador. O museu do Spectrum também foi determinante para continuar a divulgar a máquina histórica.

Veja na galeria imagens do novo The Spectrum:

Apesar da conclusão do documentário, salienta que o principal desafio foi mesmo conseguir os apoios necessários. Considera que o projeto não é perfeito e que gostavam que algumas coisas fossem feitas de forma diferente. Destaca a aposta da RTP, mas não chegou para tudo, havendo um esforço da Galgo Filmes, do museu e das pessoas que trabalharam na Timex para contar a história. Mas aponta às empresas tecnológicas portuguesas que deviam olhar para o que estão a fazer, a homenagem à engenharia portuguesa, havendo oportunidades para fazer mais.

E dá o exemplo de como o próprio museu realizou um documentário amador baseado na história da rede Tenet, que se fez nos anos 1970, e que poderia ter vendido à China milhares de unidades. Conseguiu reunir a equipa de funcionários da Timex que colocaram a rede a funcionar, num exemplo de outras histórias por contar. No entanto diz que é também preciso mobilizar a sociedade e criar-se um conteúdo para o público internacional. Neste caso, o documentário apoiado pela RTP apenas se foca no público nacional.

Histórias inéditas da fábrica da Timex Portugal

Explicando o impacto da Timex no Spectrum, em Portugal era mais barato de fabricar. Lembra que no início dos anos 1980 Portugal era um país pobre, acabado de sair de uma ditadura e ainda nem estava na CEE. Já havia Spectrums em Portugal, mas eram importados, não pela Timex, mas acabou por ser a fabricante a colocar Portugal no mapa. O mercado inglês sozinho não tinha capacidade de produção e foram enviadas muitas unidades para Dundee, na Escócia.

Timex Portugal
Timex Portugal Créditos: documentário TIMEX, Uma Revolução por Contar

João Diogo Ramos diz que a Timex  queria vender computadores com a marca própria nos mercados onde a Sinclair não estava presente. O Timex 2048 é o modelo mais conhecido da fabricante, em alternativa ao Sinclair Spectrum 48K. A Timex Portugal teve uma equipa de engenharia para criar novos modelos montados em Portugal, contribuindo para o desenho dos mesmos.

Veja na galeria imagens do museu do Spectrum em exposição em eventos:

Os americanos também criaram um modelo entre 1983 e 1984, mas dá-se de seguida o crash dos videojogos e os Estados Unidos perdeu o interesse nestes computadores. Já em Portugal, manteve-se a capacidade elevada de produzir e exportar para outros países. O curador do museu destaca os sistemas de disquetes da Timex FDD 3000 e SDD 3000, que são semelhantes ao 128K +3 que surgiu anos depois, mas não compatíveis. “Portugal levou o Spectrum a um novo patamar devido ao trabalho feito na Timex”, apontou João Diogo Ramos.

O documentário destaca ainda, através dos testemunhos, como a empresa era dos melhores locais para trabalhar na altura, as regalias dadas aos funcionários e como jovens adolescentes ganhavam até mais que os seus pais. E o líder do museu aponta que não se trata apenas de uma história sobre tecnologia, mas também de empreendedorismo, superação e família. Entre engenheiros, pessoas que trabalharam na linha de produção, no suporte, os relógios, entre outras prestam testemunho no projeto.

Times Portugal
Times Portugal Créditos: documentário TIMEX, Uma Revolução por Contar

Uma das histórias que João Diogo Ramos refere sobre o legado do ZX Spectrum, é que mais de 40 anos depois deste ter sido lançado no mercado, ainda tem o seu ADN na tecnologia atual. Dá o exemplo dos telemóveis e computadores que usamos atualmente que são alimentados pela arquitetura ARM. Esta começou a definir-se há 40 anos, significando inicialmente as iniciais de Acorn Risk Machine, que foi criada pelo braço direito de Sir Clive Sinclair, depois de ter saído da empresa por desentendimento sobre o rumo dos computadores. Foi a Acorn que criou as especificações da ARM que foi evoluindo até aos dias de hoje. “O Spectrum não é algo morto, aconteceu há 40 anos e ainda hoje tem influência. Isto não pode ser esquecido”.

Óscares dos jogos do Spectrum

Além do lançamento do documentário, o museu do Spectrum em Cantanhede tem novas iniciativas previstas para este ano. Um deles são os Óscares dos jogos do ZX Spectrum. A iniciativa conjunta com o Planeta Sinclair (que já os realiza desde 2016), pretende destacar os melhores jogos do ano. João Diogo Ramos diz que ainda são lançados cerca de 200 e 300 jogos por ano. Mesmo o The Spectrum, nos 48 jogos pré-instalados, tem na lista títulos produzidos nos últimos anos.

Nesse sentido, os prémios são feitos em diferentes categorias, agora coorganizado com o museu. Têm os Óscares como referência na atribuição de um prémio físico. Não vai mesmo faltar a passadeira vermelha no museu, que vai acolher a terceira edição ao vivo, depois de ter realizado dois online durante a pandemia. O evento, que será realizado em inglês, no dia 15 de fevereiro, pretende ter projeção internacional. Os entusiastas desta vertente retro do gaming estão convidados a ir ao museu ou a acompanhar online.

O evento já anunciou a presença e participação de Crispin Sinclair, filho de Sir Clive Sinclair, o criador do Spectrum, que vem também visitar o museu pela primeira vez.

Foi também criado o Hall of Fame do museu, que João Diogo Ramos diz ser uma forma física de homenagear os melhores jogos de sempre do Spectrum. Há um júri que faz a pré-seleção, mas depois e o público que elege. O jogo vencedor fica com uma representação física no museu. No ano passado foi o Chuckie Egg que venceu.