Os dispositivos inteligentes, que estão a ser desenvolvidos para fazer da vida doméstica de muitas famílias uma rotina mais conectada, podem ser manipulados para facilitar o comportamento abusivo de vários agressores. Numa reportagem conduzida pelo jornal The New York Times, várias vítimas de violência doméstica dão conta da forma como foram monitorizadas pelos seus agressores através de um complexo sistema de gadgets que ampliou o poder que os conjugues exerceram sobre si durante vários meses.

Os relatos contam histórias distintas, que têm na utilização abusiva da tecnologia um ponto comum. Nestes casos, sublinha-se a apropriação de câmaras de vigilância para monitorizar a vítima, a violência psicológica e física, perpetrada através de termostatos e lâmpadas conectadas, que eram utilizados para aumentar exageradamente a temperatura de forma abrupta, ou para fazer piscar as luzes de casa de maneira intermitente - tudo isto a muitos quilómetros de distância, enquanto o abusador trabalhava.

Num dos casos, o abusador trocava o código de desbloqueio da fechadura de casa todos os dias, impedindo a vítima de sair. Noutro, a campainha tocava ininterruptamente sem que alguém estivesse fisicamente a premir o botão. "As vítimas sentem que estão a perder o controlo da sua própria casa", explica a responsável de um abrigo para vítimas de violência doméstica, em conversa com o jornal.

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Todos estes equipamentos podem ser manualmente desmantelados, mas como explica Melissa Gregg, investigadora da Intel, é normal que apenas uma pessoa na relação fique a cargo da montagem do equipamento e, consequentemente, de absorver todo o conhecimento que envolve o seu funcionamento. Os dados existentes relativamente à utilização de gadgets pessoais de IoT, indicam que, regra geral, é o homem quem assume este papel.

Gregg explica ainda que existem vazios legais, que não facilitam a condenação do perpetrador nestes casos de utilização abusiva, com excepção para algumas situações específicas, como é o caso da obtenção de imagens para a divulgação online. O comportamento é popularmente conhecido como "revenge porn". Ainda assim, esta é uma área cinzenta da lei em quase todos os países do mundo, o que dificulta a ação legal com base na utilização abusiva de gadgets domésticos.

A publicação norte-americana sublinha ainda que as fabricantes destes equipamentos podem mostrar resistência em tornar as suas soluções mais acessíveis para as vítimas, uma vez que isso implicaria reduzir a segurança dos mesmos e a abertura de brechas que podem ser aproveitadas em ataques informáticos.