Abrangendo apenas aspectos legais específicos dos serviços e do prestador de serviços na Internet, o decreto-lei para o comércio electrónico aprovado numa das últimas reuniões de Conselho de Ministros vem determinar o regime de responsabilização dos prestadores de serviços Internet relativamente aos conteúdos disponibilizados e transmitidos.



Tal como estava contemplado na directiva europeia, os ISPs ficam isentos do que o Ministério da Justiça denomina "de um dever geral de vigilância" dos conteúdos por parte destes prestadores sobre as informações que transmitem, armazenam ou às quais facultem acesso. Perante o diploma, são igualmente desresponsabilizados da investigação de eventuais ilícitos praticados no seu âmbito.



As responsabilidades dos fornecedores de acesso à Internet situam-se apenas ao nível das actividades que a própria Directiva enuncia: "o simples transporte, armazenagem intermediária e armazenagem principal".



O diploma que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, atribui igualmente validade e eficácia aos contratos celebrados por via electrónica, ao mesmo tempo que afirma que o envio de mensagens de email publicitárias passa a necessitar do consentimento prévio do destinatário.



Neste último aspecto, o diploma também representa a transposição parcial da Directiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas - que entretanto ainda aguarda transposição para o quadro legal português (ver Notícias Relacionadas).



Na parte que entretanto tem gerado mais polémica, o decreto introduz um esquema de resolução provisória de litígios "que surjam quanto à licitude de conteúdos disponíveis em rede", dada o carácter urgente que envolve os procedimentos online e confia a função de supervisão geral à Anacom, "sem prejuízo da solução definitiva do litígio, que só poderá ser judicial", ressalva o Ministério da Justiça.



A actividade da Anacom será articulada com a de outras "entidades de supervisão especiais com funções paralelas nos seus respectivos domínios de actuação", como é o caso da CMVM, da Comissão Nacional de Protecção de Dados ou da Alta Autoridade para a Comunicação Social.



De acordo com o que foi explicado ao TeK pelo gabinete de acessoria à imprensa do Ministério da Justiça, a Anacom surge como uma entidade de supervisão residual, que será chamada a intervir quando o caso não estiver relacionado com o âmbito de acção das outras entidades de supervisão. "As entidades só se pronunciam relativamente a conteúdos de ilicitude manifesta", salientou.



Para Manuel Lopes Rocha, jurista, o decreto é de "duvidosa constitucionalidade", nomeadamente no que diz respeito à atribuição a várias entidades administrativas de "poder para dirimir litígios, ainda que provisoriamente", referiu em declarações ao TeK. O jurista acusa o legislador português de não querer transpor o artº 18º da Directiva "que obrigava os Estados à criação de medidas judiciais rápidas e transitórias, destinadas a pôr fim a alegadas infracções e a evitar outros prejuízos às partes interessadas".



Quanto à possível inconstitucionalidade, o gabinete de acessoria à imprensa do Ministério da Justiça responde que a questão está superada porque entre as entidades escolhidas, muitas já aplicam coimas e multas junto das organizações que regulam. O problema pode colocar-se quando muito "quanto à interpretação que se faz dos casos de ilicitude manifesta", declarou ao TeK.



Manuel Lopes Rocha defende que teria sido mais fácil se o legislador tivesse optado por seguir o mandamento da Directiva e "deferir tudo para os tribunais". De qualquer modo, e segundo opinião do jurista, "os tribunais vão ser chamados, preferencialmente, a decidir, como já são. Na verdade, as entidades de supervisão vão ter as maiores dúvidas nos casos concretos, quanto à sua própria competência, além de que esta não é a sua vocação". Para o jurista, o decreto deveria ter envolvido os tribunais, criando as condições necessárias para os mesmos decidirem com a rapidez adequada à Internet.



Nota da Redacção: A notícia foi corrigida em pequenas incorrecções do texto inicial. Lamentamos o incómodo que possamos ter causado aos nossos leitores.



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