Arranca na próxima quarta feira a primeira edição da SHiFT. A um primeiro dia de workshop seguem-se dois dias de conferência, num evento que pretende trazer para Portugal um modelo e uma linha de discussão pouco habituais. A designação do evento em si já é um apelo à mudança no relacionamento entre pessoas e tecnologia, tema central da discussão que conta com dezenas de oradores entre presenças nacionais, estrangeiras, institucionais ou representativas de iniciativas mais pessoais, como sejam blogs de sucesso internacional.




Pedro Custódio e Bruno Figueiredo, dois dos organizadores da SHiFT, falaram com o TeK e explicaram como nasceu a ideia de criar o evento e como gostavam de o ver evoluir, já que existe a intenção de o tornar anual.




Os dois responsáveis partilharam ainda a sua visão relativamente a alguns dos aspectos centrais à discussão no evento que quer falar em tecnologia mas do ponto de vista das pessoas, debatendo o impacto das TIC na vida quotidiana.




TeK: Que motivações levaram à criação da SHIFT?

Pedro Custódio:
A motivação que levou à criação da SHiFT foi a constatação, noutras
conferências estrangeiras, que a presença portuguesa ficava sempre aquém das
expectativas. Partindo dessa insatisfação e da ideia de que muito há a fazer
para retirar os verdadeiros benefícios de toda a tecnologia que invade os
nossos dias, nasceu a SHiFT de uma conversa informal entre três portugueses
(Pedro Custódio, Hugo Silva e André Ribeirinho) na Suíça, aquando de uma
participação numa conferência lá. A ideia não evoluiu logo para uma
Conferência, mas nasceu a vontade de fazer qualquer coisa em Portugal, que
pudesse de alguma forma "contextualizar" as discussões sobre tecnologias
para Portugal.
O modelo que a SHiFT quer trazer para Portugal é retirado de uma outra
conferência mais antiga, a Reboot, que se realiza em Copenhaga todos os anos por volta de
Junho e que já conta com 3 edições. Conjuntamente com a LIFT em Genebra
(Fevereiro) a ideia é criar um ciclo de conferências alargado ao panorama europeu
em torno de tecnologia. Sociais e económicas.




Bruno Figueiredo: O objectivo principal foi trazer a Portugal uma conferência cujo modelo informal e
participativo quebrasse o modelo tradicional de conferência que temos em
Portugal. A conferência designa-se SHiFT, ou mudança, precisamente porque se
pretende que seja objecto de mudança do relacionamento que as pessoas têm
com a tecnologia, isto é, torná-la mais simples, acessível e dinamizadora da
interacção social.




TeK: Na sua/vossa opinião que principais alterações as TIC têm induzido na forma
de viver a cidadania?

Pedro Custódio:
A forma como temos introduzido tecnologia nas nossas vidas tem mudado muito
nas vidas comuns. A forma como nos relacionamos, a forma como trabalhamos,
comunicamos e partilhamos tem mudado muito ao longo do tempo. Todas as
tecnologias do passado tiveram o seu impacto e a Internet terá o maior de
todos, uma vez que possui algo distintivo das anteriores: o poder da
produção.
Hoje em dia, qualquer cidadão, qualquer um de nós pode ser um
produtor de informação, pode produzir conteúdos para um ciclo de
espectadores, ciclo esse que curiosamente não se limita a factores
geográficos ou temporais. Ao escrevermos nos nossos blogs, ao publicarmos
fotos e tudo o mais que podemos fazer hoje em dia através da Internet,
estamos de facto a publicar, a publicar conteúdos que podem ser vistos por
pessoas em qualquer ponto do mundo a qualquer hora.




Bruno Figueiredo: As TIC introduziram fundamentalmente duas alterações. A primeira refere-se à
comunicação inter-pessoal. Hoje estamos mais perto da nossa família e amigos
e partilhamos mais facilmente os nossos interesses. A segunda refere-se ao
acesso ao conhecimento, seja ele textual, gráfico ou audiovisual. Estamos
hoje mais cultos e conscientes do mundo que nos rodeia. Estas duas
alterações permitiram um debate mais alargado sobre as questões que regem a
nossa sociedade, em todos os seus vectores.


TeK: Como encara o sucesso de tecnologias e serviços como as mensagens
instantâneas junto dos jovens e que implicações isso terá na sua formação?

Bruno Figueiredo:

Esse tipo de tecnologia baseia-se fundamentalmente na capacidade de
comunicação instantânea de forma não intrusiva. O telefone, por exemplo,
obriga a que a interacção se processe em determinado momento. Este tipo de
tecnologias permite a comunicação imediata mas a resposta pode ocorrer
quando o utilizador estiver mais disponível. As suas consequências são
obviamente uma maior interacção entre grupos sociais e uma maior partilha de
conhecimentos.

Pedro Custódio:
Os jovens são um exemplo para todos nós, essencialmente porque já o fomos.
As mensagens de SMS, os Chats, o yYutube, o Hi5 são eles próprios exemplos disso, os jovens rapidamente
aprendem a retirar o máximo partido das tecnologias e isso devíamos todos
olhar com o devido cuidado, há muito a aprender.




TeK: As TIC passaram a ser tema incontornável nos programas de Governo de alguns
anos para cá. Penetração de Internet e acesso à banda larga passaram a estar
no centro dos discursos. Isto está de facto a traduzir-se em ganhos para o
cidadão?

Bruno Figueiredo:
Obviamente que sim. Coisas tão simples como entregar os impostos ou pedir
uma certidão podem hoje ser feitas sem sair de casa, evitando filas. No caso
do acesso à Internet, esta permitiu aos cidadãos o acesso ao manancial de
conhecimentos que é a Internet, com todas as vantagens inerentes. As
tecnologias de comunicação a ela associadas permitiram também a criação
facilitada de grupos de interesse especializado e a manutenção de contactos
mais regulares entre familiares e amigos.



Pedro Custódio: O governo terá sempre um papel importante na formação da população e no
livre acesso à Sociedade de Informação. A reestruturação do próprio governo
passa certamente por uma introdução maciça de TICs nos serviços do Estado, é
vital para o bom funcionamento do mesmo. Parece-me até que
bastante tem sido feito em Portugal. Muito haverá certamente ainda a fazer é
claro, mas os resultados lá vão surgindo ainda que de uma forma nem sempre
transparente.




TeK: Mantemos uma reduzida taxa de acesso à Internet e de PC no lar. Temos de facto uma sociedade da informação?

Bruno Figueiredo:
Estamos seguramente a caminho. Embora essas taxas possam parecer pouco
altas, a verdade é que várias pessoas acabam por usufruir de uma só ligação.
O principal problema é a taxa de “analfabetização informática” que só pode
ser contornada com formação especializada. Com o tempo esta taxa será
substancialmente reduzida.




TeK: Com o controle crescente que entidades de vários países querem estabelecer
sobre a Internet, quais lhe parecem ser os novos desafios à privacidade?

Pedro Custódio:
A privacidade é muitas vezes um mito. A maior parte dos nossos utilizadores
da Internet desconhece a confidencialidade ou não a que os seus dados estão
sujeitos. Há muito a fazer nesse campo é preciso por um lado garantir a
"privacidade" mas por outro garantir um mínimo de controlo para prevenir
outros problemas maiores. Pessoalmente acho que o importante é estar esclarecido.




Bruno Figueiredo: A tecnologia, permitindo formas de comunicação instantânea por via
electrónica, permitiu também um registo facilitado dessas comunicações.
Estando os nossos comportamentos registados de forma digital é uma tentação
não só para governos, como também para empresas, acedê-los e controlá-los. As
pessoas ainda não estão totalmente consciencializadas para este problema,
mas os esforços de organizações como a Electronic Frontier Foundation
ajudarão a lançar o debate e em ultima instância defender os nossos direitos
e liberdades.




TeK: A SHIFT é uma iniciativa para continuar?

Pedro Custódio:
Gostávamos muito que sim, para o ano com mais apoio, mais planeamento e mais
participantes! Mas é importante perceber que há uma realidade portuguesa e que só
participando é que algo como a SHiFT muda para melhor e pode crescer.
Da parte dos voluntários que organizam este ano a SHiFT, a SHiFT 2.0 é ainda
uma quase total incógnita, e digo quase, porque já sabemos qualquer coisa!




TeK: Quantos participantes esperam no evento?

Bruno Figueiredo:
Esperamos 300 participantes.




TeK: Os resultados do encontro vão ser passados ao Governo ou usados para ajudara
definir medidas e acções?

Bruno Figueiredo:
Tencionamos partilhar os resultados não apenas com o governo, mas com toda a
sociedade. Muito nos honrará se o governo quiser pegar nessa informação e a
utilizar como apoio para definição de medidas e acções.




Pedro Custódio: Entre os oradores e convidados estarão representantes do Governo, esperemos que a sua participação seja um indício disso mesmo, mas é tempo de chamar a população civil à discussão das novas tecnologias. Procurar saber o que está
a ser feito, como está a ser feito e em conjunto ajudar a planear o futuro tecnológico. É um projecto ambicioso, mas ao alcance da participação de todos...
O convite está feito, cada participação irá certamente contar e acreditamos
que vai valer a pena.




Cristina A. Ferreira