No final dos anos 90 Kevin Warwick desafiou a ciência colocando um implante no seu braço, ligado ao sistema nervoso, avançando mais tarde com a comunicação entre dois sistemas nervosos, usando-se a si próprio e à esposa como cobaias da experiência que ajudou a definir marcos relevantes para a investigação que tem vindo a ser realizada nesta área.
O professor de cibernética na Universidade de Reading, em Inglaterra, quer agora avançar na área dos implantes no cérebro e anda à procura de um doador, já que a sua mulher não parece muito disposta a deixá-lo experimentar. Mas entretanto tem vindo a dedicar-se à criação de cérebros biológicos para robots, com o objetivo de conseguir melhorar as funcionalidades dos seres humanos e ultrapassar limitações de doenças neuronais.
Foi nesta dupla perspetiva que o premiado cientista fez a sua apresentação na Semana Informática do Instituto Superior Técnico, explicando as possibilidades que se abrem com o avanço de interfaces tecnológicos entre um cérebro biológico e um computador.
O TeK aproveitou a oportunidade para uma conversa sobre o futuro próximo, no qual Kevin defende que seremos todos cyborgs e em que os humanos "tradicionais" se tornarão uma subespécie.
Entre a defesa da ideia de que os cientistas devem explorar os limites do conhecimento, mesmo com riscos próprios, e o reconhecimento dos problemas éticos e de segurança que a criação de interfaces entre o computador e o cérebro podem trazer, Kevin Warwick fala também das possibilidades que se abrem no domínio do "upgrade" das capacidades humanas.
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TeK: Foi pioneiro ao colocar um chip no seu braço e ao investigar na primeira pessoa os efeitos das ligações de sensores ao sistema nervoso. Ainda tem implantes? Tenciona voltar a ser cobaia de si próprio?
Kevin Warwick: Agora não tenho implantes. Ainda tenho alguns fios dos implantes que coloquei que não foram retirados, mas tenho estudantes que têm magnetos implantados e estamos a fazer investigação de substituição sensorial. Gostava de voltar a colocar implantes, e para mim o ideal seriam implantes no cérebro, mas a minha mulher não está muito satisfeita com isso e por isso ainda estamos a avaliar as possibilidades. Mas conseguir experimentar seria fantástico, seria um feito importante…
TeK: Experimentar na primeira pessoa este tipo de investigação exige muita coragem, especialmente no cérebro, que é uma "máquina" muito delicada…
Kevin Warwick: Sim, mas como cientistas somos de alguma maneira a nossa própria plataforma de experiência. Temos noção de que as coisas podem correr mal, mas é como os exploradores, que sabem que podem levar as explorações demasiado longe e por vezes morrem. Mas são exploradores e é isso que fazem. Sinto o mesmo em relação à ciência experimental, queremos descobrir. Se o pudermos fazer de forma segura apenas carregando em botões ou usando fórmulas ótimo, mas na área de investigação em que eu estou precisamos de testar os limites e é assim que funciona.
De alguma maneira não vejo isso como um problema. Ter conhecimento e tecnologia insuficiente no atual momento para dar o próximo passo é que é a questão crítica. Não tenho a certeza se temos as condições para avançar.
TeK: A sua investigação criou um movimento na utilização de sensores e de experiências nesta área das ligações entre sistemas biológicos e informáticos. Verificou-se uma adoção generalizada destas experiências?
Kevin Warwick: A comunidade científica tem evoluído muito. Os implantes cerebrais semelhantes aos que eu tinha já foram aplicados no córtex de vários pacientes e nos últimos anos foram bem-sucedidos com pessoas a controlarem braços robóticos com o cérebro e também com a ligação ao sistema nervoso, com uma equipa em Itália e outra na Suíça. Demorou alguns anos, mas estamos a avançar.
Não sei se todos vão dar crédito às minhas experiências iniciais… É curioso porque há algumas equipas que me agradeceram pessoalmente mas depois não referem os créditos da minha investigação nos seus trabalhos, também devido a problemas éticos e à forma como são financiados.
Mesmo com Miguel Nicolelis partilhámos alguma informação sobre a utilização de infravermelhos num encontro no Egito, e ele está agora a usar estes sensores em investigação com ratos, dando seguimento a pistas que eu comecei a seguir.
TeK: Muitos projetos nesta área estão a trabalhar com pessoas com doenças como Parkinson, ou limitações e deficiências. Mas o Kevin tentou ultrapassar limites de outra forma e para além de "curar "problemas o objetivo é fazer um upgrade ao ser humano e aumentar as capacidades.
Kevin Warwick: A via terapêutica é claramente importante, mas é apenas uma parte da investigação. Isto é algo que também está a mudar. Quando começámos a investigar, há quase 11 anos, mencionar melhorias dos humanos… bem, era muito difícil. Os filósofos podiam falar nisso mas os cientistas não. Por isso estava a "pisar os dedos" de algumas pessoas e tenho alguns episódios que o mostram bem, com a forma como algumas pessoas ficaram incomodadas com as minhas publicações.
Mas agora a melhoria das capacidades humanas já é bem aceite. Há conferências, encontros, grupos de discussão. Pelo menos agora está mais divulgado e se consegui ter algum papel para disseminar essas ideias é ótimo.
É muito mais facilmente aceite que possam ser feitas experiências nesse sentido, mas o meu trabalho sempre foi uma mistura entre as duas coisas: uma parte da componente terapêutica e outra de capacidade de melhorar as funcionalidades dos humanos.
TeK: É mais fácil ter financiamento para investigação terapêutica? Sente isso como uma forma de condicionamento da investigação?
Kevin Warwick: Sim é verdade. É mais fácil conseguir financiamento para investigação terapêutica. O financiamento da minha investigação veio mais da área de redes informáticas, que viam oportunidades interessantes na comunicação, mais do que na área médica.
Ajudar pessoas deficientes é mais uma investigação "dentro da caixa": sabemos qual é o problema e procuramos uma solução para ajudar as pessoas. O que é muito louvável, mas não deixa de ser previsível.
A melhoria da condição humana é muito mais olhar para fora da caixa e para coisas que não conseguimos saber atualmente. Não sabemos se funcionam, como vão funcionar, se serão boas ou más. Podemos especular, como acontece na ficção científica, que avança o que pode ou não ser possível, mas até o experimentarmos cientificamente não sabemos.
Para mim é mais excitante olhar para fora da caixa do que para soluções previsíveis, mesmo que esta via seja importante.
Continua na página 2: Investigação terapêutica, robots biológicos ou upgrades humanos?
TeK: Mas o facto de ser mais fácil fazer investigação terapêutica e conseguir financiamento nesta área fará com que se consigam resultados mais rapidamente? Mesmo que os resultados podem ser usados nas duas áreas de investigação…
Kevin Warwick: Penso que sim. Muitos dos trabalhos que são feitos acabam por ter as duas componentes, com uma perspetiva de melhora das funcionalidades. Os cirurgiões com quem trabalho estão mais interessados na parte terapêutica, mas sabemos que os desenvolvimentos podem ser feitos nos dois sentidos.
Muitas vezes para ter aprovação ética das autoridades também acabamos por focar o trabalho mais na área terapêutica, e se outros benefícios ocorrerem é bom.
Se usarmos por exemplo a questão de uma pessoa cega, a quem damos um novo sentido. Para a pessoa que é cega é uma espécie de terapia, mas na verdade estamos a dar-lhe uma funcionalidade que outras pessoas não têm e por isso é uma espécie de melhoramento. É as duas coisas em simultâneo…
Por isso a questão está também na forma como fazemos o marketing da investigação.
TeK: Tem defendido muito a melhoria das capacidades dos seres humanos. Nos seus trabalhos refere que como espécie temos muito espaço para melhorar as nossas funções e evoluir, não no sentido que Darwin descreve. Quais são as funcionalidades que podemos melhorar e o que podemos atingir com a ajuda da tecnologia?
Kevin Warwick: Penso que não é realmente de forma direta uma evolução semelhante à descrita por Darwin, mas é uma evolução combinada entre a evolução natural e a tecnológica…
A forma como comunicamos é certamente uma das áreas que podemos melhorar. Estamos muito atrasados nesta área. As coisas evoluíram muito, usamos tecnologia para melhorar as comunicações, mas o interface entre o cérebro e a tecnologia, que é a nossa boca e os ouvidos, é ainda muito pobre. E já temos a tecnologia necessária para melhorar.
Uma coisa que as pessoas têm dificuldade em perceber é pensar em mais dimensões. O cérebro humano pensa em três dimensões, em termos espaciais e de tempo, e isso realmente limita as coisas, como por exemplo nas viagens espaciais. Não fomos a lado nenhum, fomos à lua que é como a casa de banho da Terra. Nem sequer fomos ainda a Marte como humanos. Isto porque pensamos em três dimensões. Se pensássemos em sete, oito ou 10 dimensões já poderíamos ter outras formas, como os wormholes que os físicos descrevem, viajaríamos entre um ponto e outro de forma rápida e seria simpático pensar em mais dimensões. Penso que a evolução nesta área seria importar uma área de computador no nosso cérebro e pensar em mais dimensões e começar a pensar fazer algumas das coisas que o Star Trek já antecipa.
TeK: O Star Trek é ainda um bom ponto de partida para incentivar a descoberta científica?
Kevin Warwick: Sim, acho que seria bom que mais cientistas vissem o Star Trek. Como cientistas temos de ultrapassar a ideia de que estamos limitados e definir objetivos, manter um espírito aberto…
Brian Josephson ganhou um prémio Nobel nos anos 70 pelo desenvolvimento na área da superconectividade, e desde essa altura ele defende que a telepatia é possível. E tem vindo a fazer investigação nessa área. Pode ser que nunca consiga provar a sua teoria no seu tempo de via, mas é importante que alguém pegue nestas ideias e desenvolva a investigação. E muitas vezes é assim que se fazem avanços científicos. Há um em 200 que consegue… mas é desta forma que se faz a evolução.
É importante que os cientistas arrisquem, e o mundo científico está cheio de teorias que não se concretizaram…
TeK: Também arriscou em afirmar que no espaço de 50 anos todos seriamos cyborgs e que a espécie humana seria umam subespécie… Acha que este espaço de 50 anos é suficiente para que a tecnologia amadureça? O que falta? É a tecnologia, as questões éticas, a coragem como espécie para fazer a fusão com a tecnologia?
Kevin Warwick: Acho que é uma questão de restrição social. Ainda não temos a coragem como sociedade. Porque a tecnologia está a avançar muito rapidamente e o Braingate está a ser usado por várias pessoas mas precisamos de ir para as ruas e dizer que precisamos de 100 pessoas que possam fazer estes implantes, e há várias questões a responder. Essas pessoas são saudáveis e não têm problemas neurológicos, quem é que vai fazer os implantes, serão cirurgiões?
Por isso, socialmente é mais lento, conseguir aprovação ética e conseguir fazer a experiência… os atrasos virão daí.
TeK: Mas como vê a evolução? Daqui a 50 anos podemos ir ao nosso médico e pedir para fazer um upgrade de memória, ou de sentidos, pensamento multidimensional…
Kevin Warwick: Não vejo porque não. Se os médicos podem fazer melhorias físicas e estéticas, desde que tenha dinheiro podem fazê-la parecer o que quiser. Por isso não vejo qual o problema. Se estiver no sistema nervoso é muito menos problemático do que torcer o nariz por exemplo… Pode haver um problema de aceitação social mas também aceitámos a cirurgia cosméticas, e até aceitamos a utilização de certas drogas… é uma questão de colocar em contexto. Vai ser quase como fazer uma tatuagem.
TeK: Existem grandes oportunidades nesta área a nível comercial, em termos médicos? E numa primeira fase estará disponível apenas em países ricos, para pessoas ricas, criando uma nova forma de divisão?
Kevin Warwick: Penso que sim, mas também a nível militar haverá grandes desenvolvimentos. E sim, será uma diferença em "technospecies", porque as pessoas mais ricas podem ter acesso a tecnologia que as torna mais inteligentes e melhora a sua forma de comunicação. É uma nova divisão…
TeK: Temos falado sobretudo na utilização da tecnologia para a evolução dos humanos, mas existe também o reverso, de uso de cérebros biológicos em robots, e talvez estejamos mais perto de construir um robot biónico do que um cyborg.
Kevin Warwick: É um caminho diferente. Como sabe alguns de nós estão a "criar" cérebros e a colocá-los em robots. Para já o número máximo de neurónios num robot é de 30 milhões, ainda longe dos 100 mil milhões do cérebro humano. E é um problema tecnológicos. Pessoalmente não percebo porque não podemos tornar a questão maior, desde que tenhamos a framework, há ainda problemas a ultrapassar com o aquecimento por exemplo… ou a questão da alimentação dos neurónios.
TeK: Temos falado de problemas éticos, tecnológicos, mas há também, que considerar problemas de privacidade e segurança. Com a fusão da biologia e da tecnologia poderemos ter de considerar falhas no sistema, acessos indevidos à informação e até a possibilidade de um hacker inundar o nosso cérebro com informação que não queremos. Como vê estes problemas?
Kevin Warwick: Claramente se tentasse ver as coisas apenas do ponto de vista positivo estava a fazer um erro. Temos de aceitar que há possibilidade de problemas, como o hacking ao cérebro, vírus… Mas se virmos a forma como temos evoluído em termos de sociedade e tecnologia, sempre que a tecnologia tem mais-valias para oferecer nós adotamo-la, mesmo quando perdemos privacidade. Criamos toda uma série de problemas potenciais com o Facebook por exemplo, mas as pessoas partilham informação de forma aberta porque beneficiam com isso. Por isso temos cartões de crédito, telemóveis, com os quais fornecemos uma série de informação sobre os nossos hábitos.
Isso leva-nos a um outro nível porque estamos a abrir o nosso cérebro. Mas acho que se os benefícios forem evidentes vamos fazê-lo, porque temos vantagens e pensamos sempre que as questões negativas nunca nos vão acontecer a nós. Da mesma forma que com os computadores a segurança vai tornar-se ainda mais importante porque estamos a colocar o nosso cérebro em rede e temos de ter os mais avançados sistemas de proteção, um Norton qualquer coisa…. Um Super Norton.
Acho que vamos avançar, não nos vamos preocupar muito, mas a segurança vai ser uma enorme oportunidade comercial e vamos ter de pensar no assunto… ainda há questões por resolver nos computadores, com as pessoas a usarem as mesmas passwords indefinidamente em vários dispositivos….
Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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