O departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Instituto Superior Técnico (IST) liderou no início deste ano um dos grupos de trabalho do consórcio europeu Net!Works, uma iniciativa financiada pela Comissão Europeia que procura estudar e antecipar horizontes e oportunidades para as telecomunicações em 2020.



Ao grupo de trabalho liderado pelo IST coube identificar oportunidades e traçar estratégias na área das cidades inteligentes, enquanto infraestruturas globais suportadas em serviços alimentados em tecnologias de informação de comunicação.



O TeK falou com Luís Correia, que dirigiu a equipa do IST envolvida neste projeto com cerca de quatro dezenas de participantes, para perceber no que consistiu o trabalho do grupo e em que áreas o conceito de cidade inteligente pode começar mais rapidamente a mostrar o seu potencial.



TeK: Pode explicar um pouco o que é o Net!Works e de que forma o grupo de trabalho que o IST liderou aí encaixa?
Luís Correia:

O Networks é uma plataforma europeia que agrega os grandes fabricantes de telecomunicações, os operadores e institutos de investigação e universidades. O seu objetivo é no fundo discutir e traçar estratégias sobre o futuro das telecomunicações. Não conseguimos prever futuro mas podemos discutir estratégias e tentar apontar prós e contras dos diversos caminhos possíveis. É isso que está a ser feito. Uma das componentes desse projeto é precisamente analisar as aplicações das telecomunicações e das tecnologias de informação em geral a casos concretos. Nesse contexto, as cidades inteligentes são uma das áreas para a qual nós olhámos, enquanto infraestrutura global e integrada. É uma área na qual hoje em dia já temos algumas coisas, mas são na maioria pequenos exemplos muito primários e desligados. O conceito é mais do que isso. É ter toda uma infraestrutura de telecomunicações ligada a outras infraestruturas de transportes, saúde, energia… e usar isso numa perspetiva integrada.


TeK: E o papel do IST qual é?

Luís Correia:
Não tratamos da implementação neste momento. O que fazemos é explorar os conceitos, pensar nas estratégias e olhar para as aplicações. Em concreto coordenamos o grupo de trabalho que desempenhou estas tarefas para as cidades inteligentes.



TeK: Quando começou o projeto e quanto tempo demorou?

Luis Correia:
Começámos em janeiro deste ano. Iniciámos com uma reunião na Alemanha, na Alcatel-Lucent, onde foi estabelecido um grupo de peritos para fazer isto. Este relatório está feito e o resultado foi entregue à Comissão Europeia. No próximo ano faremos uma atualização do trabalho, conjugando com outras tecnologias que possam aparecer na área das telecomunicações. Há outros grupos de trabalho que estão a tratar outras áreas e a acompanhar o desenvolvimento de novas tecnologias em campos distintos. Interessa-nos também perceber como vão evoluir e de que forma podem aplicar-se ao conceito de cidades inteligentes.


TeK: Que áreas foram identificadas no âmbito do trabalho realizado por este grupo?

Luís Correia:
eGovernment, energia e ambiente, transportes e saúde são as quatro grandes áreas que explorámos. Para além disso, o documento também aborda algumas questões sociológicas e de tecnologia, mais relacionadas com as questões da privacidade e da segurança, ou do acesso a dados. Todas questões muito relevantes em tudo isto.

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TeK: Quando acha que podem chegar ao terreno os conceitos e as oportunidades que identificaram no vosso relatório?

Luís Correia:
O horizonte temporal de aplicação é algo difícil de prever, mas uma das metas, simbólica pelo menos, é sem dúvida 2020. Contudo, há uma questão importante na aplicação de muitos destes conceitos. Muitas dos desenvolvimentos relacionados com as cidades inteligentes têm a ver com investimento público. Nem todas é certo, mas uma parte importante tem. Por exemplo, as empresas de energia são privadas, mas a iluminação pública pertence aos municípios… isto faz com que as realidades e os avanços possam ter ritmos muito diferentes de país para país.


TeK: Nessas quatro áreas qual ou quais lhe parecem mais desenvolvidas já hoje?

Luís Correia:
Creio que os desenvolvimentos mais expressivos estão hoje na área dos transportes. Há uma questão muito relevante e que condiciona os desenvolvimentos que vão surgindo. Esta é uma área onde existe muito pouca normalização o que dificulta tudo. Na área da saúde então isso é flagrante. Não existem standards. Cada fabricante trabalha com a sua tecnologia. Mas o problema vai para além desse setor.
Ao contrário do que é hoje a realidade nas telecomunicações, onde a padronização é a regra, há muitas áreas onde o uso da tecnologia ainda não funciona assim.
A área dos transportes mesmo assim é a que acaba por destacar-se porque, embora não tenha também muita padronização, já tem muito mais do que a saúde e isso tem facilitado a que existam mais experiências. Neste domínio vale também a pena considerar que a área dos transportes ao implicar uma grande movimentação de carros e de pessoas, muitas vezes entre países - com o número de fronteiras que existem na Europa - isso acaba por funcionar como um impulso. A necessidade de fazer fluir as pessoas tem ajudado a acelerar processos.
Na área da energia e ambiente, tal como na saúde, o que existe são também ainda, sobretudo, soluções muito privadas com a mesma barreira da padronização.


TeK: E em 2020, como acha que vamos estar, a nível europeu?

Luís Correia:
Arriscaria dizer que a área dos transportes é uma daquelas onde vamos ver maiores desenvolvimentos. Na área da energia provavelmente também porque tem um grande impacto económico. Tem muito a ver com eficiência energética. A área da saúde é aquela que exige mais investimento público e isso tende a marcar os desenvolvimentos. Por outro lado, no privado, há um efeito escala importante que não se conseguirá ter porque o setor é maioritariamente público.



TeK: Quantas pessoas junta o projeto em que participaram?

Luís Correia:
O projeto no seu todo junta mais de 800 empresas e grupos de investigação. No grupo de trabalho que coordenámos não estavam mais de 40 elementos.



TeK: Como é estar ligado a uma rede da dimensão. É fácil coordenar esforços e interesses?

Luís Correia:
Confesso que nem todos os parceiros são ativos. Muitos inscrevem-se, registam-se mas fazem-no apenas para garantir acesso à informação que vai sendo produzida, o que não tem mal nenhum. Aliás um dos objetivos desta plataforma é espalhar informação da estratégia. É normal que seja assim e tem também um pouco a ver com a dimensão das empresas e dos institutos de investigação envolvidas. Há muitas PMEs a participar nestes projetos.

Por outro lado, há vários grupos de trabalho a funcionar, que se debruçam sobre áreas distintas. Uns mais tecnológicos que outros. Há por exemplo um para a banda larga móvel e as novas tecnologias nesta área. Com o LTE quase comercial começam os trabalhos na geração seguinte. Existe outro sobre os sistemas de comunicações óticas, um outro na área da gestão de redes (integrar o Wi-Fi que temos em casa nos sistemas dos telemóveis) e que se juntam outros.
Assim, além dos parceiros não serem todos ativos há que considerar que se dividem pelos grupos de trabalho.



TeK: Nem sempre é fácil percecionar os resultados da investigação europeia. É o esforço para ligar tantos parceiros de áreas de tão distintas que torna difícil passar a mensagem?

Luís Correia:
Penso que o problema não é tanto esse. Este grupo de trabalho sobre as cidades inteligentes trata uma área que é muito fácil de comunicar para o exterior, porque os exemplos são a saúde, os transportes. São questões com as quais as pessoas lidam todos os dias e é muito fácil comunicar as aplicações de tecnologia às pessoas. Já comunicar a própria tecnologia, nomeadamente nas redes de telecomunicações, é muito mais difícil. Mas, sem dúvida, existem muitos casos de sucesso nos projetos europeus de investigação e o GSM, o UMTS e o LTE são exemplos disso. Arrisco-me a dizer que metade da tecnologia desenvolvida nesses sistemas foi desenvolvida em projetos europeus. A Europa tem sido um sucesso nesta área das telecomunicações. Os Estados Unidos praticamente já não têm indústria nesta área, a Ásia começa a ter agora, tal como a China. A Europa com o GSM conseguiu uma liderança nessa área e tem mantido. Isso deve-se em larga medida aos projetos de investigação.



TeK: Mas nesta área das cidades inteligentes há outras regiões do globo empenhadas em investigar e explorar o potencial que daí pode advir. Na sua opinião a Europa está bem posicionada para assumir uma posição de liderança como fez em áreas como as comunicações móveis?

Luís Correia:
Sim, há bons exemplos na Europa. Na Alemanha, Dinamarca, Suécia e mesmo em Portugal. Aveiro teve uma experiência que foi o Aveiro Digital. Temos em Évora mais uma iniciativa na área da energia. Existe um consórcio europeu de algumas cidades que são os Living Labs. Estes são exemplos que provam que a Europa já está a implementar algumas coisas e que já existe muita experimentação. Claro que muitas destas implementações, e tem que ser assim, não se enquadram na tal perspetiva integrada de todas as infraestruturas de comunicações, mas há de facto muitas experiências em curso e isso faz com que a Europa esteja muito bem posicionada. Por outro lado também existem muitas empresas interessadas e a investir.


TeK: E isso estende-se a Portugal?

Luís Correia:
Em Portugal também têm havido muitos projetos e há vontade de participar. A questão é que a participação requer sempre investimento, ainda que seja um investimento que no futuro ajude a poupar. Já tentei fazer alguns contactos e explorar a possibilidade de trazer para cá alguns projetos nos quais temos participado, mas é muito difícil obter recetividade dos municípios quando se fala em projetos que requerem investimento. Mesmo as iniciativas financiadas pela Comissão Europeia requerem sempre algum financiamento próprio e não é fácil encontrar recetividade para isso.


TeK: Diria que a uma falta de verbas se junta alguma falta de visão?

Luis Correia:
Acredito que no caso de alguns municípios esse também é o caso. Em projetos noutras áreas, como é o caso de um projeto que temos aqui no IST para medir as radiações eletromagnéticas dos telemóveis, mandámos cartas aos municípios oferecendo-nos para fazer estes testes gratuitamente. Em locais escolhidos pelos municípios e a custo zero. A maior parte dos municípios não nos respondeu.



TeK: O IST foi convidado a liderar este projeto europeu pela experiência acumulada nesta área das cidades inteligentes. Essa experiência foi acumulada como, em que outros projetos têm participado?

Luís Correia:
Andamos há alguns anos a trabalhar nesta área da aplicação das telecomunicações e das tecnologias a várias áreas. Começámos a trabalhar há uns 4 ou 5 anos. O que temos tentado fazer no fundo é ir um pouco mais além do âmbito universitário, onde desenvolvemos várias tecnologias. Temos procurado perceber como podem ser aplicadas essas tecnologias a várias áreas. Uma delas é por exemplo a do ambiente. Há cerca de dois anos produzimos outro documento onde identificámos uma série de aplicações nesse domínio.
Por exemplo na área de alarmes e monitorização, identificámos um conjunto de aplicações úteis para a monitorização de cheias, fogos, terramotos. Também já explorámos outras áreas, sempre nessa perspetiva de tentar perceber como aplicar a tecnologia que já está disponível.

Cristina A. Ferreira

Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

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