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A próxima semana será pródiga em eventos sobre telecomunicações. De 4 a 6 de Dezembro irá decorrer o 11º Congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC) denominado "Odisseia nas comunicações 2001", precedido pela gala Europrix, um concurso europeu, apoiado pela Comissão Europeia, destinado a promover a qualidade e criatividade em produtos multimédia.


O TeK falou com Nogueira Leite, o presidente daquele congresso e com uma larga experiência na consultoria nesta área das telecomunicações, que avançou alguns dos temas a focar no debate entre concorrentes e profissionais do sector.



Nogueira Leite destacou da "lista" do congresso alguns "pratos fortes" como a preparação das redes UMTS tendo em conta os benefícios da portabilidade, a televisão digital terrestre, a última fase de liberalização da rede fixa, as relações entre o sector dos media e as telecomunicações, entre outros temas que irão reunir milhares de profissionais no Centro de Congressos da Fil, em Lisboa.

TeK: A Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC) irá dedicar-se ao tema "2001: Odisseia nas Comunicações" no 11º Congresso das Comunicações. Gostaria de saber, neste momento de acalmia e de relançamento do sector a razão da designação "Odisseia"?

Nogueira Leite: A designação de odisseia surge devido a uma multiplicidade de razões. A primeira, devido ao sector que se tem alterado muito rapidamente e que trouxe à vida das pessoas e organizações um conjunto de funcionalidades e potencialidades difíceis de prever, num passado recente.

Do ponto de vista empresarial é um sector que está longe de estar estabilizado, o ritmo de progresso tecnológico é extraordinariamente elevado assim como o seu crescimento. Por todos estes factores é um sector que vive uma odisseia não particularmente ligada a 2001, mas como uma clara referência ao filme de ficção científica "2001: Odisseia no espaço" do Stanley Kubrick que para muitos significa estarmos hoje a viver um futuro que até há pouco tempo parecia longínquo (diferente daquilo que se pensava em 1968, quando foi concebido o filme).
O futuro das telecomunicações é algo que podemos preparar, mas que não poderemos antecipar.

TeK: Porque aceitou ser presidente do 11º Congresso das Comunicações? Pensa que é o momento preciso para fazer um balanço? Quais as suas expectativas face àquele evento?

N. L.: Aceitei ser presidente basicamente por ter uma ligação muito antiga ao sector (já se aproxima dos 20 anos) e por ser um convite irrecusável. Não é só pela importância do congresso para os profissionais do sector, mas também pela intervenção de um "naipe" de personalidades, que me antecederam e que irão estar presentes.

Todos os momentos são passíveis de se fazerem balanços. De qualquer maneira só quem tem as lições bem avaliadas do passado recente é que está preparado para o futuro. Acresce que se trata de um momento de arrefecimento, em que a maior parte dos operadores caíram com os pés na terra. Temos que aprender com o irrealismo de algumas euforias, sem que isso nos leve a um pessimismo irreal. Há muitos desafios pela frente.

Estou à espera que o congresso seja um fórum importante de discussão de problemas do sector e de balanço. Espero que tenha alguma descontinuidade positiva, uma vez que algumas das questões que se discutem são novas, por mérito da evolução da realidade.

Naquele espaço irá discutir-se o carácter estruturante do sector das telecomunicações, a sua importância para a melhoria da produtividade, que é consensual e um problema nacional. As telecomunicações podem ter um papel importante especificamente nesta questão. Por outro lado, há muito tempo que se fala em convergência entre Media e telecomunicações. Temos um painel com os principais players do sector dos média em Portugal e vamos discutir se as relações entre eles se definem por namoro casamento ou flirt.

Há ainda outro painel que abrange a importância das telecomunicações no sistema bancário e o interesse que os bancos têm no sector das telecomunicações. Também há novidades no modelo de conferência, um frente a frente da TV Cabo e do Grupo de Televisão Digital terrestre do Grupo Pereira Coutinho. Resumindo, há não só um modelo diferente, mas como já foi referido uma descontinuidade positiva.

TeK: Em termos de personalidades convidadas, quem são os "cabeças de cartaz" ? E foi difícil trazê-los a Portugal?
N.L.: No essencial as cabeças de cartaz são portuguesas. O sector das telecomunicações em Portugal é passível de ser comparado com os sectores mais desenvolvidos, em outros países. Temos um congresso muito português, acrescentando valor e praticamente contando com a presença dos profissionais mais representativos das telecomunicações em Portugal.

Estará também lá o responsável de um grande banco de investimento internacional, dando as perspectivas do ponto vista financeiro, assim como convidados do país em destaque: a Itália.

As pessoas que estão no terreno e que têm uma grande capacidade de acção são o motivo deste congresso. Neste caso optar pelo nacional não lhe retira qualidade, antes pelo contrário...Foi uma opção clara, pois muitas vezes trazemos cá os Gurus para nos dizerem aquilo que já ouvimos, que lemos nos seus livros ou ouvimos em outras conferências.

TeK: Como observador do sector, de que modo avalia a transformação da vida das famílias, das empresas, da administração pública e da sociedade em geral, devido à tecnologia? Considera que esta transição se está a efectuar mais lentamente que em outros países?

N.L.: As telecomunicações alteram muito a nossa vida diária e a das nossas famílias. A maior parte das pessoas que eu conheço voltam atrás se se esquecerem do telemóvel em casa. Querem poder comunicar em qualquer altura e em qualquer lugar.

Por outro lado as empresas, não só pela voz como através dos dados, alteraram a forma das pessoas poderem trabalhar à distância, poupando tempo e dinheiro. Este facto tem a ver com a cultura, com o desenvolvimento, com a diminuição drástica do distanciamento relativamente aos centros de ciência.

Na Internet há informação, as pessoas podem aceder a revistas, aos artigos, de uma forma praticamente imediata. A distância física tem hoje uma dimensão completamente diferente do que tinha no passado. Relativamente à Administração Pública, os estudos apontam que nos próximos dez anos se irá aprofundar imenso essa relação com as telecomunicações, facilitando a vida aos cidadãos e poupando imenso dinheiro ao Estado.

TeK: Como avalia a integração das diferentes tecnologias em Portugal e a adesão dos utilizadores e das empresas?

N.L.:
Não estamos em absoluto na linha da frente em Portugal, mas comparativamente a outros sectores temos uma proximidade muito maior ao desenvolvimento verificado em outros países. A área das telecomunicações é moderna e desenvolvida e onde estão claramente representados comportamentos de excelência. Apesar dos serviços de dados na área móvel estar mais desenvolvido no estrangeiro, as chamadas móvel-móvel são de um modo geral mais baratas em Portugal.

Alguns produtos como os cartões pré-pagos para telemóveis foram claramente inovadores e há pelo menos uma rede (se não todas) que têm produtos modernos.
Os portugueses, a despeito do seu baixo nível de educação têm uma grande atracção pelo tecnológico, apesar de (infelizmente para o país) não existirem muitos engenheiros e técnicos.

Julgo que tem havido um nível de receptividade muito grande das tecnologias mas nas organizações não tem sido muito fácil, porque isso significa alterar os processos, não só por incapacidade de gestão interior como por resistência à mudança em termos empresariais. Mais do que as pessoas, as empresas portuguesas têm tirado menos partido das potencialidades da tecnologia não os utilizando nas suas potencialidades totais.

TeK: Em sua opinião, quais os desafios associados à concorrência e à convergência e de que modo se torna necessário a adopção dos modelos reguladores às alterações do sector?

N.L.: As telecomunicações situam-se num sector que por razões históricas não pode funcionar adequadamente, devido a um monopólio natural e legal que se liberalizou gradualmente. Mesmo com a liberalização passa a haver operadores históricos e economias de escala. Isto implica regras que obriguem a abertura das redes a outros operadores.

Quanto ao modo como a interligação é feita e quanto ao preço é desejável apenas que potenciem uma verdadeira concorrência de mercado de modo a moldar um conjunto de áreas onde a boa vontade e a prática permitirá consubstanciar uma maior abertura ao mercado. Não só em termos da legislação que vigora como através da prática do regulador.

Há que ponderar vários aspectos, tal como possibilitar aos concorrentes que concorram com o operador dominante sem haver monopolização, usando o fine tunning da parte da regulação.

Relativamente à estratégia de integração de produtores de conteúdos, pode ser vertical ou basear-se numa plataforma para ser utilizada por vários, tendo em vista o consumidor final. Os méritos destas abordagens têm a ver com a racionalidade económica de cada empresa.

Na passagem para a 2, 2,5 e 3 geração móvel é importante que os operadores tenham a iniciativa de falarem uns com outros para verem, se dentro daquilo que a lei lhes permite, é possível minimizar o custo total das redes, usando infra-estruturas comuns. O core network tem de ser separado, mas não faz sentido que se instalem torres pelo pais indiscriminadamente. Todos ganham e ninguém perde.


TeK: Tendo em conta as pessoas que contactou para o congresso, pensa que no próximo ano haverá uma reanimação do sector das telecomunicações e das tecnologias?

N.L.:
Constatámos que existiram empresas com um ano económico relativamente razoável e com um crescimento aceitável. A Portugal Telecom teve um ano magnífico, a Vodafone teve um ano bastante bom, devido a expectativas mais realistas adaptadas à ao verdadeiro mundo onde vivemos. No desenrolar do ano 2002 criaremos novos serviços, surgirão inúmeras novidades no sector móvel, nomeadamente no campo do GPRS.

Tenho a esperança que este congresso vai ser recordado como um palco privilegiado e que a APDC e a comissão organizadora se encarregarão de ensaiar lá algumas das incertezas e das perspectivas da evolução do sector.

Este congresso servirá essencialmente para a troca de opiniões não necessariamente consonantes mas salutares, sem excessivas dependências de padrões uniformes, porque pertencemos a um sector moderno de telecomunicações suficientemente irreverente. Temos de concordar que estes são bons argumentos para quem nos pretende visitar e dar por bem empregue o seu tempo.

Dulce Mourato