Por Bruno Figueiredo (*)

Imagine que tem que enviar um email importantíssimo e que de repente o rato do seu computador fica sem pilhas e não tem nenhumas para as substituir. Apenas pode usar o teclado. É um impedimento temporário para o qual não estamos muito preparados. Mas há quem tenha de operar um computador dessa forma sempre. Os sistemas operativos tipicamente suportam estas necessidades. Mas o mesmo não acontece com todos os sites e aplicações.

Quem desenha sites e aplicações sabe que deve ter em conta necessidades de acessibilidade. Sem obrigação legal que o justifique, esta necessidade rapidamente é passada para segundo plano. Afinal a acessibilidade só afecta meia dúzia de pessoas, certo? Errado. Além de pessoas com necessidades permanentes, que são cerca de 10% da população, todos podemos deparar com dificuldades de acessibilidade temporárias. Quando partimos um braço e teclar se torna difícil. Quando estamos num sitio barulhento e não conseguimos ouvir alguém ao telefone. Quando ficamos afónicos e não conseguimos interagir com o assistente de voz.

A acessibilidade digital afecta vários vectores: o acesso a conteúdos, o processamento transacional e o acesso físico ao dispositivo com que interagimos. Como é que um cego consegue ler um gráfico de barras? Como é que consegue preencher o IRS online? Como é que usa uma máquina de vending e paga com o seu cartão multibanco? Todos estes exemplos são coisas que damos por garantidas mas que se traduzem em dificuldades diárias para muitas pessoas.

Para tentar ultrapassar estas dificuldades, foi criado o European Accessibility Act, que se traduziu em Portugal no Decreto-Lei 82/2022. Pela primeira vez médias e grandes empresas terão a obrigação de adaptar os seus serviços e produtos de forma a que possam ser usados por todos, independentemente da sua condição.

Mas qual a sua abrangência? Todos os serviços de base digital devem ser adaptados. Ou seja, abarca aplicações móveis, sites (incluindo versões móveis), linhas de apoio telefónico automatizadas, máquinas de auto-serviço, mensagens enviadas por email ou SMS, mensagens publicitárias e até versões digitais alternativas de comunicação feita em papel.

Onde o dispositivo usado é do cliente, a adaptação pode ser expedita. Mas no caso de estarmos a falar de máquinas disponibilizadas ao cliente, como quiosques, há que respeitar também a acessibilidade física a essas máquinas. Têm de poder ser operadas por alguém em cadeira de rodas, ou por exemplo, ter portas acessíveis para fones para invisuais terem alguma privacidade na sua operação.

Obviamente que muitas empresas terão de procurar apoio especializado para fazer esta transição, algo que será necessário de acompanhar com uma cultura interna permanente de acessibilidade. Não só ligada ao design e desenvolvimento de sistemas mas também aos testes com utilizadores. É algo que há muito estava a ser adiado, mas que é fundamental para a inclusão e autonomia de todos, independentemente da sua condição.

(*) Diretor de User Experience na Xperienz