Por Miguel Oliveira (*)
Acredito que estamos a assistir a uma transformação profunda na inteligência artificial (IA), uma transformação que vai além do que qualquer aumento de capacidade computacional ou sofisticação algorítmica poderia trazer. A interação entre humanos e máquinas está a tornar-se cada vez mais íntima, mais adaptativa e, paradoxalmente, mais humana. Na evolução dos Grandes Modelos de Linguagem (LLMs), o próximo passo não se fará com linhas de código em Python ou C++, mas sim através de conceitos associados à ciência psicológica. Acredito que a psicologia tornar-se-á uma nova linguagem de programação, e que o comportamento humano será o idioma que os LLMs irão dominar para operar de forma mais eficaz e fluida no mundo real.
Hoje, os LLMs aprendem a partir de grandes volumes de dados, utilizando padrões linguísticos, mas ainda estão longe de captar a verdadeira essência da mente humana. O que acontece quando, em vez de depender exclusivamente de dados, os LLMs começarem a aprender diretamente a partir dos nossos comportamentos? O condicionamento — processo de aprendizagem que ajusta as nossas ações com base em recompensas ou punições — é já hoje uma chave poderosa na programação de LLMs. Prevejo um futuro onde os LLMs não apenas respondem a consultas com precisão lógica, mas também compreendem os motivos emocionais por trás das perguntas, adaptando-se aos nossos estados emocionais e fornecendo respostas que, para além de racionais, sejam também empáticas.
Pense num modelo de IA que não só replica padrões de linguagem, mas que também consegue antecipar necessidades emocionais e adaptar-se a mudanças subtis no estado mental do utilizador. Um LLM que se ajuste ao contexto emocional e cognitivo de quem interage com ele, ajustando o tom, o conteúdo e até o tempo de resposta. Esta nova interação não seria limitada a resolver problemas cognitivos, mas teria a capacidade de endereçar necessidades emocionais, criando uma experiência de interação que, acredito, se tornará cada vez mais próxima da interação entre humanos.
Ao incorporarmos a psicologia como o novo código de programação, o processo de criação de IA muda de forma radical. A programação tradicional, baseada em regras, algoritmos e entradas pré-definidas, incorporará também sistemas moldados pelos princípios da psicologia, como o condicionamento, a aprendizagem social e a empatia. Acredito que os LLMs do futuro não estarão apenas equipados para responder de forma sintática ou semântica, serão capazes de reconhecer e responder às emoções e intenções por trás da comunicação humana. Aqui, variáveis como empatia, predisposição emocional e motivação tornam-se centrais no design e na interação da IA. Este é o caminho natural para o futuro da IA, onde a psicologia se torna a força criativa que guia a evolução de futuros sistemas.
A ideia de que a psicologia se tornará a próxima linguagem de programação pode parecer futurista, mas já estamos a ver os primeiros passos dessa transformação. Os modelos mais recentes da OpenAI, como o “o1 Preview” e o “o1 Mini”, exemplificam este caminho, utilizando o conceito de "System 2 Thinking", um princípio da psicologia que descreve o pensamento analítico e deliberado. Para além disso esta minha previsão é a extensão da afirmação de Andrej Karpathy (um dos mais reconhecidos especialistas em IA), que em janeiro de 2023, afirmou “The hottest programming language is English/ A linguagem mais “quente” para programar é o inglês”, reagindo ao facto do ChatGPT3 permitir a interação com IA através de linguagem natural.
A ciência psicológica, outrora centrada na observação e descrição dos comportamentos humanos, poderá vir a posicionar-se como um dos arquitetos do futuro da IA. Acredito que o código dos LLMs de amanhã não será apenas uma sequência técnica, mas sim uma tradução dos nossos processos mentais, interações e emoções. Estamos a caminho de uma era em que a IA será programada com base nas nossas experiências humanas, e a psicologia terá um papel central na definição dos parâmetros de interação e adaptação. Embora a engenharia continue a ser essencial, a psicologia será o motor da inovação, criando sistemas capazes de compreender e responder ao que sentimos, ajustando-se aos nossos estados emocionais e psicológicos.
Os conceitos da psicologia serão a nova sintaxe do código de programação dos sistemas de IA, e acredito que estamos à beira de uma nova era. Esta mudança já se reflete no uso crescente de ideias como o "System 2 Thinking", a teoria da mente e o condicionamento operante. Modelos como o “o1 Preview” e o “o1 Mini” da OpenAI são o primeiro passo para demonstrar como a inclusão de conceitos da psicologia permitirá que a IA vá de encontro não só às necessidades lógicas e cognitivas dos utilizadores, mas também emocionais, criando interações mais profundas e significativas.
(*) membro da Direção Nacional da Ordem dos Psicólogos Portugueses
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