Opinião: SNC e o comboio em andamento

* Por Fernando Lopes e Sofia Apolinário

A partir de Janeiro de 2010, o POC e respectiva legislação complementar, irão dar lugar a um novo modelo contabilístico designado por Sistema de Normalização Contabilística (SNC) e que tem como objectivo adaptar os princípios contabilísticos geralmente aceites em Portugal às Normas Internacionais de Relato Financeiro (*).

A transição para o novo sistema terá impacto relevante ao nível das empresas portuguesas e exigirá uma preparação atempada, nomeadamente nos seus sistemas de informação.

Desde o ano 1999-2000, com o célebre problema das 2 casas decimais para representar o ano, e posteriormente com a adopção da moeda única na União Europeia, ou ainda no momento da introdução do SAF-PT, que não havia necessidade de, em simultâneo e à escala nacional, se alterar os sistemas de informação das empresas de forma a se adaptarem a um novo requisito imposto.

Para algumas empresas, como é o caso de multinacionais ou das empresas cotadas em bolsa, este problema não se coloca, uma vez que já têm os seus sistemas contabilísticos adaptados às normas internacionais. Mas para a esmagadora maioria das empresas nacionais o problema aparece agora do nada. Pior, a maioria apenas recentemente se apercebeu de que isto vai suceder.

[caption]Fernando Lopes[/caption]

Quase todas as pequenas empresas portuguesas têm as suas contas elaboradas e assinadas por profissionais especializados, que lhes pedem uma série de documentos e no final do mês mandam um cheque nem sempre pago de bom grado. Os seus empresários dificilmente procurarão obter informação sobre o tema, encarando-o como um problema "da contabilidade" arriscando a, no momento da prestação de contas, serem surpreendidos com o resultado apurado e com as demonstrações financeiras obtidas segundo as novas normas.

As empresas que mais se vão preocupar com este tema são aquelas empresas de média dimensão, que já têm sistemas próprios na gestão das suas contas, nomeadamente ERP's, e que terão que os submeter agora a alterações, algumas delas bastante profundas, para estarem dentro da Lei. Mas algumas destas empresas nem sabem ainda que este tema existe e que este requisito legal deverá ter que ser cumprido para evitar multas e pior, a não aceitação das suas contas pelas entidades competentes. Muitas destas empresas apenas se vão inteirar do real âmbito do problema quando os seus TOC's e ROC's lhes baterem à porta, provavelmente no primeiro trimestre de 2010. Mas, mais grave do que este desconhecimento, foi o momento, exageradamente tardio, em que a nova Lei foi concluída, não deixando tempo para que as empresas e os fabricantes de software se adaptassem devidamente e atempadamente. Por exemplo, o novo Código de Contas, que constitui uma das alterações com maior impacto nos sistemas de informação, apenas foi publicado a 9 de Setembro último. Como consequência, agora terão todos que correr atrás de um comboio já em andamento.

[caption]Sofia Apolinário[/caption]

A marcha inexorável da legislação

E enquanto os comuns mortais se preocupam (ou não) com toda esta problemática, os legisladores não param. Ainda em 14 de Setembro, ou seja a escassos 3 meses e meio do arranque do ano 2010, saiu mais um decreto regulamentar, desta feita a estabelecer o regime das depreciações e amortizações e sua implicação no IRC. Na segunda semana de Outubro foi publicada outra portaria a explicar as implicações do novo modelo no SAF-PT.

Se eu fosse humorista, diria que, dado ser um tema tão pouco importante, e dado as alterações a fazer nos diversos sistemas serem tão simples, este timing é mais do que suficiente, diria mais, que até ao dia 31 de Dezembro estamos perfeitamente a tempo para receber mais alterações à Lei, os implementadores estão mais do que habituados a trabalhar no reveillon. Mas como não pertenço aos Gato Fedorento, terei que me dedicar a esmiuçar estes decretos, a encolher os ombros e seguir em frente, tentando não ultrapassar os prazos e servindo os clientes o melhor que podemos.

Implementar ou não implementar

Devido à despreocupação com que empresas e classe política encararam até agora este tema, houve um cenário que me atravessou o pensamento: será que isto é apenas show off e que quando chegar o momento da verdade vai ser dado um prazo excepcional para acertar os sistemas? É possível.

Diria mesmo que, dados os atrasos que se vislumbram, este cenário não deve ser colocado totalmente de parte. Não seria descabido que o Governo a entrar em funções admitisse a entrada plena no novo sistema apenas para o final do primeiro semestre ou até para o segundo semestre. Embora não concorde com esta solução, admito que possa ocorrer. Não é perfeito, mas é melhor que fazermos de conta que estamos a funcionar com um sistema e 90% das empresas não o utilizar. Mas parece que estamos num "ponto sem retorno" no que toca à entrada em vigor e que a bem ou a mal o SNC será uma realidade no decorrer do ano de 2010, sem lugar a novos adiamentos. A realidade, de facto, é que muitas empresas irão ter no início de 2010 um sistema de contabilidade "POC" e em paralelo serão obrigadas a emitir o reporting no novo sistema, sendo obrigadas a extrair os dados dos seus sistemas e a tratá-los manualmente.

Em Espanha as novas normas foram implementadas no ano passado, ou seja mais uma vez vão à nossa frente. E foram mais inteligentes, porque adoptaram uma versão muito mais "light" das normas internacionais, fazendo com que as alterações necessárias, as diferenças entre o antes e o depois, fossem muito menores, facilitando a vida às empresas, profissionais de contabilidade e analistas de sistemas/implementadores. Nós optamos por um modelo mais complexo, e como quase sempre acontece, temos que correr agora atrás do prejuízo.

(*) Ou, para sermos mais precisos, tem como objectivo adoptar no normativo nacional os padrões internacionais em matéria de normalização contabilística, nomeadamente as Normas Internacionais de Contabilidade (IAS) e as Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS), de modo a assegurar um elevado grau de transparência e comparabilidade na informação financeira prestada pelas empresas.

* Director-geral e consultora da Abaco Consultores.