O advento do computador e da Internet veio colocar um novo problema ao sistema de protecção de copyrights e da propriedade intelectual, actualmente a braços com a procura de uma solução que equacione, de forma equilibrada, os direitos das partes envolvidas num mundo cada vez mais digital: de um lado o respeito pelo criador, do outro o respeito pelo utilizador.




Napster e KaZaa foram nomes de destaque dos tempos áureos dos sistemas de partilha gratuita e não autorizada de ficheiros online, uma prática comum entre os internautas entretanto abalada pelo início da investida legal da indústria discográfica, que começou nos Estados Unidos, mas já se alargou à Europa e que obrigou muitos daqueles que não querem correr riscos a optarem pela via dos serviços de música pagos, actualmente também existentes em maior número.




Mas, no que se relaciona com o respeito pelos direitos de autor, o âmbito da discussão não se restringe apenas à partilha de ficheiros em redes peer-to-peer. A reprodução de software para venda ilegal, a credibilidade dos sistemas de registo de patentes e a necessidade ou não de criação de leis que regulem, a nível europeu, a patenteabilidade do software são temas igualmente importantes.




Foi com base nesta problemática de faces várias que o TeK quis falar com Marie Therese Huppertz, directora de corporate affairs da Microsoft EMEA, recentemente presente em Lisboa num evento que a sua empresa promoveu para discutir a relação entre o conhecimento e a propriedade intelectual.




TeK: Pegando no tema da sua conferência, que análise pode fazer do estado do sistema de protecção dos direitos de autor no espaço da União Europeia?


Marie Therese Huppertz:
Em primeiro lugar, o objectivo principal da UE é o de harmonizar as leis nacionais, e penso que no que diz respeito à protecção de patentes, muitos dos aspectos já foram harmonizados. Existem directivas implementadas, até mesmo as directivas sobre questões relacionadas com o que designamos como Sociedade da Informação. Por isso quando chegamos aos direitos de autor penso que já temos boas bases nesta área.


Uma área onde neste momento falta progredir e que nos preocupa muito é a legislação sobre propriedade industrial. A União Europeia há muito que tenta encontrar uma patente comunitária, mas a existência de um conjunto de línguas diversas acabou por dificultar o processo evolutivo. O registo de patentes continua muito mais caro na Europa do que no resto do mundo, comparativamente ao Japão e aos Estados Unidos e isso tem a ver com os custos envolvidos devido às diferenças de línguas.




TeK: Falando em patentes, neste momento ainda se discute se a protecção mediante tal sistema deverá ou não ser alargada às invenções respeitantes ao software. Depois de se ter alcançado um acordo político na última reunião europeia de Conselho de Ministros acerca do alcance de uma directiva a ser criada que irá contemplar a patenteabilidade do software, o Parlamento holandês poderá abrir um precedente na história da UE ao obrigar os seus representantes - que votaram a favor do projecto - a mudar a sua posição para uma abstenção. O que terá levado o Parlamento holandês a proceder de tal forma? Dúvidas acerca do conteúdo da directiva?


M.T.H.:
Penso que sobretudo será interessante ver se o voto do parlamento holandês irá mudar a posição do governo holandês. Ainda não ouvi qualquer declaração dos ministros do Governo holandês acerca do assunto, mas se existir uma reconsideração por parte do Governo, será mesmo um precedente, será a primeira vez que acontecerá algo do género.


Será também um problema muito sério, porque actualmente temos um processo de criação de leis em que há determinadas áreas decididas a nível europeu, num acordo entre todos os países, e para que tal aconteça foram criados alguns procedimentos entre os quais o Parlamento Europeu - como órgão representativo eleito pelos cidadãos - participa neste processo de criação de leis juntamente com os Governos dos países e o Conselho de Ministros e a Comissão Europeia. Existem outras áreas onde os governos nacionais e parlamentos nacionais têm que legislar. Se agora os parlamentos nacionais decidirem intervir irão incomodar o sistema europeu implementado.




TeK: Mas em relação à directiva. Há algumas vozes criticas que defendem que o software na sua essência não tem necessidade de ser protegido por patentes.


M.T.H.:
O software é uma tecnologia como qualquer outra. Pessoalmente não vejo qualquer explicação para tratar o software de modo diferente. Acima de tudo, penso que existe uma necessidade de proteger o software. Estamos a falar de patentes que protegem as invenções envolvidas no software e não o software propriamente dito e as pessoas parecem muitas vezes confundir isso. É uma invenção tal como acontece em outras áreas e a diferença é que aqui a invenção está embutida no software. Por isso porque iríamos tratar de forma diferente os inventores neste área?


Se olharmos para o processo de desenvolvimento do software vemos que é muito demorado. Na Microsoft temos investigadores que estão envolvidos no estudo de matérias importantes, fundamentais, que exigem tantos passos de desenvolvimento que estão na realidade quase dez anos à frente daquilo que vemos actualmente no mercado. O desenvolvimento de aplicações anda normalmente cinco anos à frente do mercado.. Por isso não é bem "um dia acordamos, temos uma ideia vamos até ao Gabinete de Patentes e registamo-la", há realmente muito trabalho e esforço traduzido num produto que demora muito tempo.


Na minha opinião seria problemático se as emendas sugeridas anteriormente pelo Parlamento Europeu regressassem, porque significaria que não seria possível patentear algumas das partes do software. Isto iria não só afectar empresas como a nossa e o nosso investimento em investigação a nível europeu, mas principalmente empresas europeias, por exemplo, fabricantes de telemóveis, de dispositivos electrónicos de consumo ou empresas da área da indústria automóvel... Há invenções envolvidas no software que são usadas em quase todos os sectores imagináveis, por isso há que considerar que a decisão vai muito além do software, ou do que podemos descrever num primeiro momento como software.


Há ainda uma outra questão que é o facto das empresas europeias poderem ficar em completa desvantagem face ao que se passa no resto do mundo. Hoje em dia, e mais no que diz respeito à tecnologia, recorremos muitas vezes a acordos de licenciamento cruzado ou patent pools - o GSM é um exemplo. As empresas europeias estariam em desvantagem porque não poderiam acrescentar nada; se quisessem entrar noutros mercados, como os EUA, o Japão ou até mesmo a China ou a Índia, teriam muita dificuldade porque estes países têm sistemas de protecção de patentes. Uma regressão criaria uma séria desvantagem para todas as indústrias tecnológicas europeias face aos seus parceiros em outras partes do mundo.


Depois, não podemos esquecer que actualmente já temos protecção de patentes para aquilo que denominamos como software. O European Patent Office gere patentes para invenções ligadas aos computadores. Actualmente existem cerca de 30 mil patentes que podem ser consideradas como patentes de software e as empresas têm acordos de licenciamentos baseados nessas tecnologias. Se agora essas protecções fossem retiradas a nível comunitário, os acordos de licenciamento corriam o risco de ser invalidados.




TeK: Paralelamente, levantam-se novas vozes contrárias ao sistema de registo de patentes, desta vez nos Estados Unidos, onde recentemente a Electronic Frontier Foundation pediu ao United States Patent and Trademark Office a anulação de 10 registos de invenções relacionadas com a Internet, consideradas "demasiado gerais". Que alterações deverão ser introduzidas para que o sistema não seja acusado de erros deste tipo?


M.T.H.:
Relativamente aos Estados Unidos há realmente algumas criticas relacionadas com a exactidão do processo de análise. Em vez de passar pela eliminação do sistema, penso que a resposta estará em melhorar o mesmo. O processo de análise do European Patent Office é considerado melhor do que as práticas do gabinete norte-americano, mas o gabinete europeu de patentes tem um tempo médio de demora de atribuição de patentes de três anos. Neste mercado onde tudo se passa muito depressa a maioria das empresas quer ver as suas patentes garantidas de forma mais rápida. Por isso o processo tem de ser melhorado para se tornar mais eficiente. Penso que a maioria dos gabinetes de patentes não se importaria de considerar essas mudanças.




TeK: Por onde poderá passar a solução para fazer respeitar os direitos de autor considerando a Sociedade da Informação e todos os dispositivos tecnológicos com ela relacionados?


M.T.H.:
Não acredito no desenvolvimento de apenas um standard, uma solução única. Acredito mais na concorrência de diferentes soluções para diferentes tipos de conteúdos e de necessidades porque permitem a introdução de melhorias à medida que estas surjam. Ficar preso a uma única solução tecnológica é muito perigoso.