por Rui Seabra, Vice-Presidente da Direcção da ANSOL *

2008 foi um ano cheio de actividade em volta do Software Livre. Em termos de software em si, há que dar um claro destaque ao OpenOffice.org 3 e ao Firefox 3, ambos lançados em 2008, com estrondoso sucesso dos mais populares softwares multi-plataforma licenciados como Software Livre.

O OpenOffice.org 3 foi lançado em Outubro, com suporte para Português, e recorre como formato principal ao Open Document Format versão 1.2. Ainda não tenho os números relativos ao OpenOffice.org 3, mas tendo em conta que o OpenOffice.org 2 teve cerca de 520 mil downloads só em Portugal, pressupõe-se que o OpenOffice.org 3 tenha um sucesso ainda maior.

Quanto ao Firefox 3, lançado em Junho, é o mais popular browser livre, não me vou alongar sobre as suas novas funcionalidades, aliás bem destacadas num guia dedicado, mas é importante salientar o seu crescimento sustentado ao longo do tempo. Ao invés de recorrer a acordos com fabricantes de hardware para proibir a instalação de outros browsers e assim conseguir um monopólio, a sua grande qualidade, reflectida não só por apetecidas funcionalidades orientadas ao utilizador mas também pela segurança acrescida para quem com ele navegue na Internet, tem conquistado graças ao boca-a-boca uma quota de utilização sustentavelemnte crescente. Hoje em dia encontra-se algures entre os 20% e os 30%, e não pára de crescer.

Para além destas aplicações em particular, as mais populares distribuições de Software Livre têm continuado a publicar edições actualizadas dos seus sistemas, permitindo a quem o deseje tirar proveito de novas funcionalidades sem ter de esperar alguns anos por funcionalidades que podem inclusive vir a não surgir.

Há ainda que salientar em Portugal a Caixa Mágica pela sua participação no projecto Magalhães, que na realidade é um Intel Classmate de geração antiga carimbado de Magalhães e cuja única contribuição portuguesa de relevância é o GNU/Linux Caixa Mágica que arranca por omissão na edição e-escolinhas. Estar presente em cerca de 500 mil computadores significa que cerca de 500 mil crianças terão a oportunidade de lidar com Software Livre, o que é um passo muito positivo embora me pareça não ter sido devidamente acompanhado de formação aos professores para que possam tirar proveito do portátil como uma ferramenta de apoio ao ensino. Desta forma o Magalhães fracassa quando comparado com o projecto One Laptop per Child, que é apenas uma peça de uma nova teoria de ensino a crianças, baseada em princípios construcionistas.

2008 foi também um ano com grande foco nas normas abertas.

Foi possível descobrir através do fiasco do Microsoft OOXML que é possível enganar a ISO, empurrando para debaixo do seu selo normas pseudo-abertas mas sujeitas a restrições de patentes de software que excluem o Software Livre de participar de forma completamente legal [ver como em http://www.noooxml.org/forum/t-114765/microsoft-excludes-competitors-with-ooxml-patent-license]. Este processo teve também uma participação turbulenta em Portugal, marcada por uma requisição ao Governo feita na Assembleia da República, respondida pelo Ministério da Economia e do Ministério das Finanças, responsáveis pelo IPQ e pelo II-MF, demonstrando uma preocupante ignorância sobre a turbulência perante os vários problemas éticos (e eventualmente legais) do processo em Portugal.

Mas não foram só más notícias neste aspecto, o Open Document Format teve importantes desenvolvimentos durante 2008. É de salientar o ODF pois é uma norma verdadeiramente aberta: não tem restrições de patentes, é mantida por uma comunidade aberta e não comercial de produtores e consumidores do formato ODF, com implementação de referência livre e várias implementações para muitos sistemas operativos significativamente diferentes entre si.

O ODF é cada vez mais adoptado como norma de formato de documentos de escritório, e reconhecido por países de todos os continentes, e até é reconhecido pela Microsoft como uma norma essencial a suportar no Microsoft Office. De momento existem plugins para o Microsoft Office suportar ODF, desenvolvidos por terceiros, mas a Microsoft promete para algures em 2009 publicar suporte nativo ao Open Document Format.

Entre os downloads do OpenOffice.org e os Magalhães com Caixa Mágica, é possível estimar mais de um milhão de Portugueses a utilizar este formato. A única pergunta que fica no ar é porque é que as instalações de Magalhães com Microsoft Windows XP não incluem o software livre OpenOffice para Windows, uma vez que seria uma forma de trazerem uma suite para ferramentas de escritório livre e gratuita, em vez de virem literalmente "vazios" de software útil.

A percepção do Software Livre em Portugal é cada vez maior, como evidenciado pelo reforço associativo ao redor do Software Livre. Para além da ANSOL surge também no ensino, representado pela formação da Associação Ensino Livre, e no mundo empresarial pela ESOP. Acresce ainda que a expressão "Software Livre" foi o termo mais pesquisado no SAPO em 2008, na secção de tecnologia, de acordo com "2008 Ano em Revista" do SAPO, superando o serviço Meo, este sim dotado de uma poderosa máquina publicitária que recorreu ao humor dos Gato Fedorento.

Contudo, infelizmente, os concursos públicos e adjudicações da Administração Pública portuguesa continuam a favorecer, na minha opinião de forma dificilmente reconhecível como legal, vários fornecedores de software proprietário, com particular incidência para grandes fornecedores monopolistas, que beneficiam consecutivamente do escoar de milhões de Euros dos nossos impostos directamente para os seus bolsos sem qualquer concurso público. Pede-se uma autorização especial de corrida, o Governo concede e o Tribunal de Contas até assina por baixo.

* Texto escrito por Rui Seabra, Vice-Presidente da Direcção da ANSOL sob os termos da licença Creative Commons "Atribuição-Partilha nos termos da mesma Licença 2.5 Portugal" (ver http://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5/pt/)

Veja também as opiniões de outras associações convidadas a comentar o ano de 2008 pelo TeK, em 2008: Ano visto e revisto pelas associações do sector.