O Ubuntu para smartphones esteve durante algum tempo a reunir condições para se tornar um mito. Foi apresentando com o devido destaque, tinha um conceito interessante de continuidade entre dispositivos móveis e computadores e é Ubuntu, a mais popular das distribuições Linux.

A expectativa era alta, mas tardou em chegar. Já devia ter acontecido em 2013, em 2014, mas só em 2015 pela mão da espanhola BQ é que o feito foi possível. Entretanto no Mobile World Congress já foi revelado um novo equipamento, responsabilidade da chinesa Meizu.

Pelo meio a Canonical tentou a sua própria incursão, com a ajuda do crowdfunding, mas mesmo tendo conseguido reunir vários milhões de dólares, o valor não chegou para cobrir a quantia "leónica" pedida pela empresa sem fins lucrativos.

Desde a apresentação em 2012 e até ao final do ano passado o interesse pelo Ubuntu em smartphones foi diminuindo. O momentum foi recuperado no início deste ano, restando apenas saber se o sistema operativo móvel tem condições para se afirmar como uma alternativa aos principais players do mercado: Android, iOS, Windows Phone e BlackBerry.

[caption]BQ Aquaris E4.5 Ubuntu Edition[/caption]

Este foi o desafio assumido: deixar de parte o smartphone do dia a dia, um dispositivo Android na versão 4.4, para dedicar toda a atenção ao BQ Aquaris E4.5 Ubuntu Edition. Objetivo? Saber até que ponto o sistema operativo da Canonical está desenvolvido para fazer desafiar ou até fazer “esquecer” o que existe no mercado em termos de opções.

Foi uma aposta arriscada e que me deixou em prejuízo: deixei de fazer bastantes ações que faço diariamente com um telemóvel. Isto para dizer que o Ubuntu para smartphones tem de facto algumas ideias interessantes, mas que mesmo após todos estes anos de desenvolvimentos, o software chega ainda muito cru e com muita margem - e necessidade - de evolução.

Onde o Ubuntu é interessante



O sistema operativo em si é interessante. Tudo começa com um ecrã de desbloqueio onde existe um círculo que vai dando conta da atividade mobile que o utilizador teve ao longo do dia, sejam chamadas recebidas, mensagens enviadas ou tweets que tenham caído na rede social.

Depois os utilizadores não vão encontrar um ambiente de trabalho. Vão encontrar um interface denominado de scopes - locais definidos só para determinada aplicação ou conjunto de informações. No telemóvel podem existir vários scopes que funcionam como páginas de um livro.

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Vá deslizando para a direita para ver todos os “recantos” que tem no Ubuntu e se precisar de mais, basta acrescentar. Por exemplo, é possível ter um scope só de notícias, outro só com o YouTube ou outro só com imagens do Flickr.

O utilizador consegue assim definir o que é mais importante e relevante para si. E isto é algo muito positivo. Os scopes criados pela própria Canonical também são interessantes pois misturam na mesma página informações diferentes como o estado do tempo para o local onde está, restaurantes próximos e locais de interesse.

No entanto alguns destes scopes têm má qualidade. Falando do Instagram. O utilizador faz login com a sua conta e recebe uma espécie de “feed” de publicações que foram feitas pelas pessoas que segue. Além de aparecerem em número limitado, as imagens são de uma qualidade condenável. Se quiser ver mais detalhes sobre a publicação - ou a sua qualidade original - é obrigado a abrir a versão Web da plataforma.

Este Ubuntu Mobile recai muito em aplicações Web. Serviços “primários” como o YouTube, Gmail ou Outlook não estão desenvolvidos de forma nativa no sistema operativo. No caso das ferramentas da Google, as aplicações que existem são apenas Web Apps, ícones que lançam a versão mobile dos serviços.

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Nos scopes é ainda possível definir páginas para meios de comunicação de renome - BBC, El País ou Engadet -, mas vem tudo em língua estrangeira. Se não domina o espanhol ou o inglês, isto não fará grande sentido para si já que meios de comunicação portugueses não estão listados.

Mas um outro factor no qual o Ubuntu se destaca é no interface todo controlado através de gestos. Não existem botões físicos na parte frontal do BQ Aquaris E4.5 Ubuntu Edition porque eles não são necessários. Ao deslizar o dedo a partir das quatro extremidades do ecrã o utilizador vai conseguir resultados diferentes.

Se deslizar da esquerda até ao centro do ecrã vai chamar a barra de acesso rápido às ferramentas do sistema operativo: chamadas, mensagens, definições, câmara fotográfica, navegador de Internet e aplicações recentemente abertas. Este é um modo rápido e fácil de trocar de aplicações.

No final desta barra de acesso está o símbolo do Ubuntu que quando tocado leva o utilizador para a primeira página dos scopes.

Se deslizar o dedo da direita do smartphone vai abrir o modo multitasking que disponibiliza janelas com as diferentes aplicações que estão a ser usadas. De certa forma esta é uma repetição e faz o mesmo que o menu de acesso rápido, apenas com um aspeto diferente.

Se o utilizadores deslizar o dedo da parte superior do ecrã vai encontrar as opções básicas como notificações, acesso ao Bluetooth, Wi-Fi, dados móveis e indicar de bateria bem como gestor de luminosidade do ecrã.

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Deslizar da parte de baixo do ecrã é algo que só é possível em determinadas aplicações ou scopes e que serve como gestor de definições ou janela de mais opções de cada app.

Mesmo tendo um aspeto diferente dos restantes sistemas operativos móveis que existem no mercado, e mesmo exigindo uma curva de aprendizagem significativa que transmite aquela sensação de novidade, o sistema operativo acaba por ser muito simples e repetitivo.

O utilizador ou está nos scopes ou está nas aplicações. Nada é dinâmico, são raras as transições entre elementos e as opções de personalização estética são quase inexistentes - dá para mudar a imagem do ecrã de desbloqueio.

Apesar do conceito interessante, o Ubuntu para smartphones chega ao mercado já fora do prazo. Não tem um verdadeiro elemento de destaque que ainda não tenha sido pensado pela concorrência. Não transmite nenhuma sensação de modernismo. E também não existe nada no sistema operativo que “puxe” à interoperabilidade com o Ubuntu para computadores por exemplo.

E isto é dizer muito pois corre o risco de não interessar sequer aos utilizadores do Ubuntu existentes noutras plataformas.

Um grande problema de ecossistema


O ecossistema mobile do Ubuntu é o seu ponto fraco. São pouquíssimas as aplicações que existem para a plataforma. Navegar na Ubuntu Store é ir à descoberta do que não existe.

Os serviços mais populares em ambiente de smartphones não estão lá. O número de jogos - outro motor de interesse importante - também é muito baixo. Nem o mais básico dos Angry Birds é possível encontrar. O título de maior maturidade é talvez o Cut The Rope, mas apenas o primeiro título, dos mais recentes nem sinal.

E para saberem a importância que as apps têm na escolha dos consumidores, perguntem à Microsoft porque tem tanta dificuldade em atrair utilizadores para o Windows Phone mesmo tendo um sistema fluído e de utilização simples, dentro de alguns equipamentos bem interessantes.

E foi toda esta questão da falta de aplicações que me causou uma má impressão. Uma coisa é não querer, outra coisa é não poder perder cinco minutos no Candy Crush ou noutro jogo qualquer, não ficar a par das novidades dos amigos no Instagram nem de poder experimentar as aplicações de que toda a gente fala como o Meerkat, o Tinder ou o Perguntados.

“Mas para o básico o telemóvel serve”, poderão dizer alguns. Corretíssimo. Mas ficar a viver no básico é negar todo um mundo de oportunidades e boas ferramentas que estão a mudar o mundo - literalmente. Uber, WhatsApp e Snapchat são apenas três exemplos dos mais conhecidos e que colocam a nu a fragilidade do Ubuntu para smartphones.

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Nem as Web Apps que o sistema apresenta ou as suas próprias integrações com serviços populares como o Facebook no scope são aceitáveis ao nível do desempenho e da construção gráfica.

Dá muito que pensar como é que uma empresa chega a esta fase do mercado - já completamente desenvolvido e maduro - com uma proposta tão desprotegida e com tão poucos elementos de valor.

Ainda esta semana o vice-presidente da Canonical para a área dos dispositivos móveis, Christian Parrino, dizia não perceber a razão pela qual alguém compraria um smartpone com o Tizen OS da Samsung. A única coisa que posso acrescentar a esta discussão é que quem tem telhados de vidro, não deve atirar pedras desta forma.

A parceria com a BQ


Sobre o BQ Aquaris E4.5 não há muito a dizer, acaba por ter no geral os mesmos pontos a favor e contra que existem no BQ Aquaris E5 e BQ Aquaris E5 4G já testados pelo TeK.

O que interessa perceber é como é que o Ubuntu se safa num smartphone de gama média-baixa. E até se safa bem.

O interface no geral é todo ele fluído, mas não está livre de alguns engasgos. No entanto, ao fazer a atualização de conteúdos nota-se lentidão. O smartphone fica a pensar alguns segundos antes de refrescar a informação.

Ao abrir uma aplicação nova também é notória a modéstia do software neste telemóvel em concreto, pois demora sempre entre dois a três segundos a abrir a aplicação.

Navegar na Internet também não se faz a uma velocidade estonteante, mas cumpre bem e não será isto que o vai impedir de consultar alguns dos seus sites preferidos.

A este nível de análise a experiência de utilização não é imaculada, mas também está longe de ser sofrível. Sabendo que o BQ Aquaris E4.5 será o smartphone Ubuntu mais modesto no qual a Canonical vai apostar, então neste ponto as perspetivas são boas pois tudo tende a melhorar.

Considerações finais



A menos que seja um entusiasta do Ubuntu ou um programador que quer explorar mais um sistema operativo móvel, atualmente a solução da Canonical ainda não é aconselhável. Muito menos para uma utilização quotidiana.

A falta de aplicações é o seu maior pecado. Mas existem outros como a falta de personalização estética, a falta de dinâmica gráfica no software e a falta de scopes de um fornecedor de conteúdos em português. Mesmo chegando ao mercado em 2015, o Ubuntu está tecnologicamente e visualmente vários anos atrasado relativamente à concorrência.

[caption]BQ Aquaris E4.5 Ubuntu Edition[/caption]

Tentar comparar neste momento o Ubuntu para telemóveis com o Android, iOS, Windows Phone ou BlackBerry seria como colocar uma criança de seis anos a discutir a atualidade política ou aplicações financeiras com um grupo de quatro adultos bem sucedidos na vida.

A comparação pode até nem ser totalmente justa pois os outros sistemas operativos já levam alguns anos de experiência no mercado. Mas também não se pode virar a cara ao facto de uma empresa ter que fazer algo mais disruptivo se quiser ter algum impacto no mercado.

Pelo que é possível ver, talvez o Sailfish OS seja o que está melhor posicionado neste momento para assumir essa posição.

Depois de vários dias de utilização do Ubuntu para smartphones, estou certo de que seria difícil manter esta opção como a minha escolha primária para enfrentar o quotidiano. Existem boas premissas nesta primeira tentativa que nos fazem esperar por uma segunda mais robusta e apelativa.

O problema é se a Canonical apostou tão pouco no software que isso vai traduzir-se em pouco feedback de utilizadores e programadores, colocando em risco o futuro da plataforma neste segmento.

Se o Ubuntu Edge tivesse chegado a existir, penso que a conversa neste momento seria outra. O facto de poder usar o smartphone como computador tinha um grande potencial para revolucionar o mercado - e ainda tem. Mas até esta promessa ser convertida em realidade, o Ubuntu arrisca-se a ser só paisagem no segmento dos dispositivos móveis.

Veja na página seguinte todas as características técnicas do Aquaris E 4.5 Ubuntu Edition

Rui da Rocha Ferreira


Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

BQ Aquaris E4.5 Ubuntu Phone

Ecrã: 4,5 polegadas com resolução de 960x540 píxeis (qHD)
Tecnologia de ecrã: IPS com capacidade para reconhecer cinco toques em simultâneo
CPU: MediaTek de quatro núcleos a 1,3Ghz com arquitetura Cortex A7
GPU: Mali 400
Memória interna: 8GB - 5,5GB disponíveis
RAM: 1GB
Sensor fotográfico principal: 8 megapíxeis
Sensor fotográfico secundário: 5 megapíxeis
Bateria: 2.150 mAh
Tamanho: 137x67x9 milímetros (Altura x Largura x Profundidade)
Peso 123 gramas
Outras características: Dual-SIM, redes 3G, Bluetooth 4.0, cartão microSD até 32GB