A manutenção da Internet como um espaço livre, sem restrições nem manipulação de dados na rede é defendida como um dos princípios básicos para o futuro da World Wide Web. Todos os conteúdos e aplicações devem ser tratadas de forma igual, sem interferências nem limitações por parte dos ISPs, dos Governos ou de qualquer outra entidade, mas a realidade prova que estamos bem longe do conceito.

Limitações no acesso a um vídeo do YouTube, não por violação de direitos de autor mas por bloqueio de largura de banda, ou de chamadas de Voz sobre IP (VoIP) são dois dos exemplos que tornam mais simples perceber o que está em causa quando se debate a neutralidade da Internet, mas a extensão dos bloqueios pode ser maior.

Recentemente, a comissária europeia Nelie Kroes mostrou a sua indignação contra a decisão de fechar o acesso a uma aplicação desenhada para simplificar a localização de táxis em Bruxelas, alegadamente pressionada pelo lobby das empresas de táxis.

Este é apenas um dos exemplos de como decisões mais ou menos claras podem servir de entrave ao desenvolvimento de serviços, prejudicando a inovação e os consumidores, num jogo de posições que tem sido disputado ao mais alto nível.

A FCC (entidade reguladora das comunicações nos Estados Unidos) voltou a incendiar o tema com a preparação de um novo conjunto de regras para a neutralidade da Internet, entretanto aprovado, que prevê a discriminação positiva de um conjunto de serviços de vídeo, de alto consumo de dados, através de uma via prioritária que implicará pagamentos adicionais.

Na prática isso significa que serviços como o Netflix podem ser privilegiados face a outro tráfego de Internet, dando mais qualidade aos clientes que pagam. Mas a questão é que isso é uma discriminação face ao princípio de que todos os serviços devem ser tratados de forma igual, e poderá significar menos largura de banda para outro tipo de dados.

A Europa aprovou recentemente no Parlamento Europeu uma directiva que garante a neutralidade da Internet, impedindo os fornecedores de internet de bloquear ou limitar serviços de Internet dos seus concorrentes. Neelie Kroes tinha admitido em dias anteriores que um em cada quatro europeus vê os seus serviços de Internet bloqueados ou limitados, nomeadamente os serviços de peer-to-peer e de voz sobre IP, como o Skype.

Também no Brasil a questão está na ordem do dia, e a aprovação do Marco Civil, que passou no dia 24 de abril, mostra que o governo de Dilma Rousseff está determinado em avançar nesta direção.

A presidente do Brasil foi, aliás, a anfitriã da conferência NETmundial, onde um dos principais focos foram centrados na questão da governação da Internet. A declaração final indica alguma sintonia dos participantes no debate, retirando esse ónus das mãos do Governo norte americano e globalizando as decisões, mas só o tempo provará se os avanços debatidos se concretizam em verdadeiras medidas para a liberdade da Internet.

Nas próximas páginas detalhamos em formato de perguntas e respostas os principais tópicos sobre a neutralidade da Internet e a forma como afectam todos os utilizadores. O objetivo é ajudar a clarificar dúvidas que existam e todos os leitores são convidados a deixar as suas opiniões na caixa de comentários abaixo.

Próxima página: Perguntas e respostas sobre a neutralidade na rede

Nota de redação: Este artigo foi alterado para alguns dados. Tinha sido originalmente publicado a 28 de abril de 2014.

FAQ: Perguntas e respostas sobre a neutralidade na rede


Como podem as organizações manipular os dados?

Para além do controle da informação, que afeta da privacidade dos utilizadores através da possibilidade de monitorizar milhares de milhões de mensagens de email e conversas telefónicas com sistemas como os desenvolvidos pela NSA, a manipulação de dados pode ser feita também mediante a discriminação de tipos de tráfego.
Na prática isso significa que o fornecedor de acesso pode "fechar a torneira" - fazendo traffic shaping - a tráfego de dados em redes peer to peer, ou limitar o tráfego de acesso a serviços de VoIP ou de vídeo, impedindo a sua utilização ou fazendo com que esta seja de pior qualidade. Desta forma pode priviligiar os seus serviços face aos concorrentes e aos chamados serviços over the top (de conteúdos que funcionam sobre as redes de telecomunicações).

Essas limitações pode acontecer nas ligações ADSL, de fibra ou de Cabo, mas também nos telemóveis e tablets.

Que razões podem existir para esse controle e manipulação?
Para além de eventuais questões políticas de controle de acesso a informação que têm levado alguns países a estabelecer bloqueios a redes sociais ou a serviços de vídeo, há questões económicas e de estratégia de serviços que podem fundamentar estas decisões. As operadoras de voz (em telefonia fixa e móvel) não têm interesse em permitir que os seus clientes contornem os planos de tarifas de chamadas usando serviços de VoIP ou de mensagens como o Whatsapp, e a indústria da música e do vídeo é das principais interessadas no bloqueio de serviços P2P, por exemplo.


Como é que isso me pode afectar?


Estas limitações podem afetar a liberdade de acesso a onteúdos, serviços e aplicações. Mesmo que não use habitualmente os serviços P2P ou VoIP não quer estar limitado da possibilidade de o fazer se for necessário. E este é um princípio de que muitos internautas não querem abdicar.

Neste momento são permitidas essas limitações?
A legislação atual não permite que os fornecedores de serviços façam essa discriminação, mas as regras não são ainda claras. A comissária europeia Nelie Kroes admitiu na semana passada que um em cada quatro europeus vê os seus serviços de Internet bloqueados ou limitados, nomeadamente os serviços de peer-to-peer e de voz sobre IP, como o Skype.


Como posso contribuir para a neutralidade na Internet?


Existem várias organizações civis que promovem a abertura da internet através de diversas iniciativas, promovendo também petições e movimentos cívicos. Poderá sempre envolver-se nestas iniciativas, mas um dos principais papeis de cada internauta será estar atento e protestar também junto do seu fornecedor de serviço, mostrando que não está disposto a aceitar as limitações que possam ser feitas.

A EFF (Electronic Frontier Foundation) e alguns sites como o savetheinternet.com e o freepress.net são um bom ponto de partida.


Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico