Um grupo de procuradores da região norte-americana de Bay Area, em São Francisco, viu-se a braços com uma acusação difícil de provar. O réu, suspeito de proxenetismo, havia enviado várias mensagens de texto a uma mulher, que serviam de prova à acusação. Numa delas, onde se lia que o “trabalho de equipa era a chave para um trabalho de sonho”, tinham sido inseridos dois emojis: um sapato de salto alto e um saco de dinheiro.

Os procuradores alegaram que as imagens sugeriam uma relação de trabalho entre os dois, ao passo que a defesa recorreu à tese de que os ícones implicavam interesse romântico. No entanto, quando as mensagens não são palavras explícitas e descritivas de uma intenção, mas sim grafismos passíveis de serem diferentemente interpretados, fica difícil concluir o que quer que seja.

De acordo com o The Verge, os emojis são cada vez mais uma constante em casos de disputa legal. Entre 2004 e 2019, assistiu-se a um crescimento exponencial na utilização dos mesmos, que são frequentemente integrados em mensagens de texto apresentadas como prova. Quase um terço de todos esses casos ocorreu em 2018.

Eric Goldman, professor de Direito da Universidade de Santa Clara, tem monitorizado o surgimento dos emojis em disputas legais e diz que estes nunca foram determinantes na resolução de um caso, mas à medida que se tornam mais comuns, a natural ambiguidade destes elementos pode representar um problema para os tribunais.

De acordo com Goldman, os emojis são mais frequentes em casos de assédio e abuso sexual. Mas as estatísticas elaboradas pelo professor contam apenas com os casos que, na sua documentação oficial, contavam com referências escritas aos termos “emoji” ou “emoticon”, dado que o motor de busca das bases de dados legais (Westlaw e Lexis) não suportam a pesquisa com os próprios emojis.

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“Vamos ver os emojis a aparecerem cada vez mais em casos que obrigam as partes envolvidas a comunicar umas com as outras”, diz Goldman em conversa com o The Verge. Em casos de homicídio, o emoji é recorrentemente utilizado em ameaças feitas pelo réu à vítima. Nestas situações, as imagens são interpretadas como representantes da disposição favorável que o prevaricador demonstrava em cometer o crime. Mas há casos de natureza diametralmente oposta que também obrigam as equipas legais a interpretar emojis.

Em Israel, em 2017, um casal foi obrigado a pagar milhares de dólares em taxas depois de um tribunal ter decidido que a utilização de um determinado emoji sinalizava, ao senhoria, a sua intenção de alugar uma das suas casas. A decisão teve por base uma sequência de mensagens em que o casal não só confirmava querer o apartamento, como fazia acompanhar as mensagens com vários emojis: uma garrafa de champanhe, um esquilo e um cometa.

Esta foi a última mensagem que remeteram antes de terem fechado negócio com outro senhorio, que lhes alugou um outro apartamento. O tribunal determinou que o casal agiu em má fé, uma vez que os emojis revelavam um sentimento de grande otimismo e interesse e levaram, consequentemente, o senhorio a confiar na palavra do casal.

De acordo com Goldman, é raro ver a resolução de um caso assentar largamente na interpretação de um conjunto de emojis. Os ícones, geralmente, surgem na forma de prova, para sustentar uma tese que é formulada com base em evidências mais fortes e palpáveis. No entanto, quando mensagens são lidas em tribunal, é importante sublinhar o emoji. “Quando recebemos uma piscadela no fim de uma frase, lemos essa frase de forma bem diferente do que leríamos se ela não estivesse lá”, diz o professor.

No que toca ao caso de proxenetismo, que foi julgado num tribunal californiano, a interpretação dos emojis teve de ser feita por um especialista em casos desta natureza. Em sede legal, o mesmo disse que os saltos altos e o saco de dinheiro podiam ser lidos como “calça os teus saltos e vai fazer dinheiro”. É comum ver a interpretação de emojis ser feita por especialistas numa determinada matéria. Ao contrário das palavras escritas, os emojis são contratualmente dependentes e transmitem uma mensagem que, normalmente, é concordante com uma determinada prática num determinado grupo.

Outro dos pormenores que causa problemas de interpretação em tribunal é o facto de os emojis terem representações diferentes nas duas plataformas móveis mais populares - Android e iOS. E a isso, soma-se o facto de as atualizações poderem mudar a forma como olhamos para um emoji.

Goldman é peremptório em afirmar que a justiça está mal preparada para interpretar estes ícones, mas também sabe que, para acompanhar os tempos, terá de se preparar para lidar cada vez mais com casos onde os “saltos altos” e os “sacos de dinheiro” são partes integrantes da forma como a defesa e a acusação sustentam as suas teorias.