As pessoas idosas querem ficar nas suas casas o máximo de tempo possível e gerir a sua vida de forma independente. Mas, a variedade de serviços de saúde e de assistência social, assim como os muitos procedimentos associados podem tornar-se confusos, particularmente para os mais seniores e que vivem com uma ou mais condições crónicas, levando à necessidade de apoio e cuidados assegurados em contexto domiciliário.
Embora tenham começado a surgir em algumas regiões da Europa modelos de serviços colaborativos que reúnem os silos de assistência social, assistência médica e apoio informal, ainda há muito a ser feito para oferecer um apoio verdadeiramente integrado que atenda às necessidades das pessoas.
Foi com isso em mente que a Câmara Municipal da Amadora (CMA), em conjunto com a Santa Casa da Misericórdia da Amadora (SCMA) e a Altice elaboraram, em 2013, uma candidatura ao “ICT Policy Support Programme – Competitiveness and innovation Framework Programme”, com o projeto BeyondSilos.
Adriano Fernandes, coordenador de projetos na Santa Casa da Misericórdia da Amadora, explica que o objetivo da iniciativa “era o de integrar o silo do apoio social e o da saúde numa prestação de serviços a pessoas maiores de 65 anos que fosse única e diferenciadora e apoiada em tecnologia”.
“O que se pretendia era ir além destes silos e juntá-los numa prestação de serviços a pessoas que residissem nas suas casas e que beneficiassem de apoios sociais a nível de alimentação e higiene, por exemplo, mas que também pudessem ter acesso a componentes de saúde sem ter que sair dos seus lares para, por exemplo, ir à farmácia saber o estado geral da sua saúde”, esclareceu em entrevista ao SAPO TEK.
Da união da CMA, responsável pelas políticas públicas, com a SCMA, uma organização social com serviços na área das 3ª e 4ª idades, surgiu o projeto de cuidados integrados (cuidados sociais e de saúde em apenas um ato) ao domicílio apoiados pela tecnologia SmartAL, desenvolvida pela Altice Labs.
“A aplicação SmartAL, centrada na pessoa, foi desenvolvida para promover a autonomia do utente nas suas tarefas diárias, com a segurança de que o utente está acompanhado por um ecossistema de apoio. Este ecossistema, suportado no SmartAL, poderá ser constituído por cuidadores formais (ex. enfermeiros, médicos, assistentes sociais) e/ou por cuidadores informais (ex. familiares, vizinhos)”, explica ao SAPO TEK Alcino Lavrador, diretor-geral da Altice Labs.
Através de um serviço de teleassistência e de tele-monitorização de sinais vitais, como a temperatura, o peso, a tensão arterial e a glicémia, os utentes e qualquer cuidador formal (enfermeiros, técnicos de serviço social) ou informal (familiares) pode ter, em tempo real, a informação do estado geral de saúde da pessoa pela qual estão encarregues.
Mas, como funciona e como se pode aceder a esta plataforma? Vítor Ribeiro, responsável pelo desenvolvimento de produtos na área da saúde da Altice Labs, explica:
Apesar das pessoas com mais de 65 anos ou em condições de isolamento social serem o público-alvo do projeto (e daí a sua integração também com a televisão), a forma como esta plataforma foi desenvolvida torna-a perfeitamente capacitada para ser adaptada (com os ajustes necessários) a outras franjas da população, esclarece Adriano Fernandes.
“Até ao Beyond Silos, a Altice já tinha uma experiência de tecnologia e de plataformas que agregam dados mais clínicos dos utentes, mas com este projeto, a SCMA e a CMA trouxeram mais robustez a este tipo de plataformas a partir do momento em que integrámos a componente social”.
O projeto teve a duração de 37 meses, desde Fevereiro de 2014 a Fevereiro de 2017, com a experimentação a ter começado no primeiro trimestre de 2015, junto de 150 idosos do município da Amadora que já eram utentes acompanhados pela SCMA no âmbito do apoio domiciliário.
E, contrariamente aos outros cinco países que participaram no consórcio internacional no âmbito do projeto, no piloto português todos os utentes fizeram parte do grupo experimental e do grupo de controlo.
“Quisemos chegar a 100% das pessoas que acompanhávamos em apoio domiciliário porque não queríamos deixar ninguém de fora e, apesar de termos tido mais trabalho em termos de avaliação, quisemos que o grupo experimental e o de controlo fosse o mesmo. Para não haver pessoas a não beneficiar da experiência, fizemos um período anterior ao projeto em que os 150 utentes faziam parte do grupo de controlo e, a partir do momento em que se iniciou a experimentação, passaram a fazer parte do grupo experimental”, esclarece o coordenador da SCMA.
Maior segurança, bem-estar e autonomia são os resultados de uma visão pouco paternalista
A aposta em disseminar ainda mais a assistência social e a saúde para pessoas idosas apoiadas pelo uso das TIC parece ter sido ganha, com as expetativas iniciais a terem sido largamente ultrapassadas e a afastarem a ideia paternalista de achar que por causa das pessoas já terem uma certa idade, nunca vão aprender a mexer nas novas tecnologias.
No contexto territorial da Amadora, em que 19% da população tem mais de 65 anos e, desses, 42% têm mais de 75 anos, em que existe uma representatividade elevadíssima de pessoas que vivem em condições de isolamento social, com um baixo nível de habilitações literárias e poucas habilidades do ponto de vista da tecnologia, seria de esperar um impacto negativo.
Contudo, os números do projeto piloto falam por si, com 86,4% dos utentes a usar a tecnologia entre três a quatro vezes por semana, 88,8% dos utentes consideraram que estes cuidados integrados ao domicílio foram sempre entregues da melhor forma possível e 96,7% indicaram que este novo serviço aumentou o seu grau de bem-estar, conforto e segurança.
“Do ponto de vista do impacto que teve diretamente nos utentes e nas pessoas, levou a que reduzíssemos o número de hospitalizações e de readmissões no hospital, ou seja, pessoas que no período dos 8 meses do projeto piloto, eram hospitalizadas mais do que uma vez, assim como também houve um aumento da autonomia das pessoas nas suas atividades diárias”, aponta Adriano Fernandes.
Para Alcino Lavrador, o melhor feedback provém da continuidade da utilização do SmartAL no Serviço de Apoio Domiciliário (SAD) da SCMA, assim como o feedback positivo que tem sido dado durante demonstrações do SmartAL a potenciais clientes, quer em eventos públicos, quer em visitas à Altice Labs.
“A centralidade na pessoa interligada ao seu ecossistema de apoio, as múltiplas funcionalidades integradas na ferramenta e a integração de múltiplos fornecedores de dispositivos de medidas de sinais vitais são os aspetos positivos mais apreciados pelos utilizadores. O desafio permanente relativo à melhoria contínua da facilidade de utilização da ferramenta por variadas personalidades de utilizadores, nomeadamente dos clientes-finais, maioritariamente idosos, é o feedback mais desafiante que temos recebido”, aponta o responsável.
Atualmente, a aplicação já está a ser comercializada, mas apenas no segmento B2B da Altice Portugal, para cenários de "Acompanhamento de doentes crónicos" e "Acompanhamento de idosos", tendo sido já feitas várias demonstrações a diferentes entidades do sector público e do sector privado, algumas já com propostas comerciais em andamento.
“Sendo o SmartAL uma ferramenta centrada no apoio à pessoa, e flexível para se poder ajustar a vários casos de uso, é também possível endereçar o mercado B2C, do consumidor final e dos particulares individuais”, esclarece o diretor-geral da Altice Labs.
Apesar do projeto ter acabado, a SCMA acabou de desenvolver aquilo que chama de Modelo Integrado e Centrado na Pessoa, ou seja, um modelo que junta a componente já referida de integração dos cuidados sociais e de saúde a uma componente centralizada na pessoa, em que são as organizações que se adaptam às pessoas e não ao contrário.
“Neste momento, estamos a identificar financiamento para que possamos transferir e alargar estes serviços a outras pessoas, numa primeira fase da Amadora e, numa segunda fase, noutros territórios fora da Amadora”, revela Adriano Fernandes.
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