A missão espacial da ESA que vai recuar 10 mil milhões de anos para “dar luz” ao lado escuro do Universo já tem data prevista de lançamento. A Euclid vai arrancar de Cape Canaveral, EUA, às 16h12 em Portugal Continental do dia 1 de julho, à boleia de um foguetão Falcon 9, da SpaceX.

Nomeada em homenagem ao pai da geometria, o grego Euclides, tem como protagonista um telescópio espacial que vai observar, durante seis anos, mais de um terço do céu - uma área quase 100 vezes superior à área observada pelo Telescópio Espacial Hubble em perto de três décadas.

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Além dos cientistas portugueses que ajudaram a planear as 50 mil observações que o telescópio vai fazer durante o tempo que a missão durar, a Euclid também tem um português “ao volante”.

Como responsável pelo desenvolvimento do chamado segmento de solo das missões da ESA para Marte, Tiago Loureiro já está habituado à azáfama das “andanças espaciais”, mas é sempre “um orgulho tremendo” assumir responsabilidades num novo desafio. Ainda para mais “numa das missões científicas mais importantes da nossa geração”, respondeu em entrevista ao SAPO TEK.

“É típico das fases críticas das missões, como é o lançamento, que as equipas sejam reforçadas com pessoas de outras áreas. É aí que contribuo”.

Nas suas funções principais na ESA para os projetos relativos a Marte, Tiago Loureiro controla todos os sistemas e antenas usados para operar missões espaciais em voo, bem como as equipas de operações. Na Euclid, assume o papel de diretor de voo adjunto.

“O diretor de voo principal lidera um dos turnos, e eu lidero o outro turno. Durante estas fases operamos 24/24 em dois turnos de 12 horas”, explicou. O turno de Tiago Loureiro monitoriza a contagem final antes do lançamento, e volta à sala de controlo 10 horas após o lançamento para continuar as operações iniciais da vida da missão Euclid. “É um orgulho tremendo ter esta responsabilidade”, sublinha.

“Trata-se de uma das missões científicas mais importantes da nossa geração e é muito bom ter um papel relevante na fase inicial das operações, em que a sonda acaba de chegar a um ambiente muito hostil e tem que ser tratada com ‘muito cuidadinho’”.

O desafio vem de aplicar toda a experiência profissional para garantir que as decisões certas são tomadas e que as equipas estão ao seu melhor nível, considera.

Sem missões preferidas, mas com histórias para contar

Tiago Loureiro tem vários projetos “na bagagem”, acumulados durante os vários anos que já integra a ESA. Garante que são todos preferidos “porque são todos diferentes e cada um tem a sua vertente especial”, mas há sempre algum que marca mais.

Justifica-se que o destaque vá para a “estreia”: o primeiro satélite da série de satélites meteorológicos MetOp. “Foi a minha primeira experiência num ambiente operacional, incluindo sentar-me na sala de controlo durante o lançamento e enviar o primeiro comando para esse satélite”.

Se as preferências custam a apontar, as histórias para contar abundam, entre sobressaltos e comemorações. A campanha de lançamento do MetOp-A será uma das mais engraçadas. “Fizemos sete contagens finais, penso que um recorde, pelo menos aqui no ESOC”, partilhou o responsável.

Ou seja, o lançamento foi adiado seis vezes antes de acontecer “e algumas das vezes quase no último segundo”. A equipa já sabia tudo de cor e ao fim da quarta tentativa “virou rotina e já brincávamos que a coisa nunca iria para o espaço”.

“Havia quem pusesse a música ‘Should I stay or should I go’ dos The Clash na sala. Enfim, uma risada”.

Quando viram o foguetão realmente a descolar os membros da equipa demoraram “uns segundos a ultrapassar o choque de que era mesmo a sério”, confessou Tiago Loureiro. O resto do lançamento e das operações “foram perfeitos”, garante.

Contagem decrescente (esperemos que “à primeira”) agora para a Euclid

Com lançamento previsto para o próximo dia 1 de julho, a missão em direção ao lado escuro do Universo passou nos últimos meses por uma fase de testes intensa. “Testes e simulações acontecem por definição no final. É muito normal encontrarem-se alguns problemas, e isso é bom, quer dizer que os testes cumprem o seu papel”.

A Euclid vai “entrar” nos últimos 10 mil milhões de anos de história do cosmos como a primeira missão espacial desenhada para tentar compreender o que está a acelerar a expansão do Universo.

Veja o vídeo preparado pela ESA sobre a missão Euclid

A maior parte do Universo é feita de ingredientes ainda desconhecidos: a matéria escura e a energia escura, duas incógnitas nas atuais cosmologia e física fundamental, explica a ESA. O telescópio espacial Euclid irá estudar o lado escuro do Universo através de dois métodos: o desvio da trajetória da luz provocado pela matéria no Universo, e a aglomeração de galáxias. Em conjunto, estes dois métodos irão permitir medir a geometria do Universo e ajudar a esclarecer de que é que este é feito.

O objetivo é mapear a distribuição espacial (a três dimensões) da matéria escura, e também lançar luz sobre o passado, presente e futuro da misteriosa energia escura.

A missão permitirá construir o mais vasto e exato rastreio tridimensional do Universo alguma vez realizado. Este rastreio irá incluir imagens de milhares de milhões de galáxias, o que ajudará a conhecer, por exemplo, a que velocidade o espaço se expandia em diferentes épocas da história do Universo, ou como é que as galáxias aglomeraram.

Os dados obtidos com o telescópio permitirão testar ou validar modelos que descrevem o passado e a evolução do Universo como um todo, e reforçar ou redefinir pesquisas correntes sobre uma das forças fundamentais: a força de gravidade.

“Permitirão também novos conhecimentos noutros domínios, como a evolução das estrelas em galáxias próximas ou a população de asteroides no Sistema Solar”, sublinha a ESA.

Tiago Loureiro está expectante quanto aos resultados da missão. “Espero que contribua para melhorar o nosso conhecimento sobre o Universo”, referiu. A missão Gaia onde também trabalhei é uma das mais produtivas em termos de ciência. Seria excelente que a Euclid superasse a Gaia”.