Recentemente realizou-se a conferência de Saúde 5G, organizada pela NOS, que reuniu empresas, startups e especialistas para discutir a importância da tecnologia suportada por 5G nos hospitais e centros de saúde. Foram mostradas diferentes tecnologias criadas com o objetivo de colmatar a falta de médicos, enfermeiros e técnicos de saúde nos hospitais e centros de saúde.

No evento esteve presente Owase Jeelani, um neurocirurgião pediátrico britânico, com mais de 20 anos de experiência, sendo considerado um dos maiores especialistas de classe mundial. Atualmente é Neurocirurgião Pediátrico Consultor no Great Ormond Street Hospital (GOSH), em Londres, e realiza entre 200 a 300 procedimentos neurocirúrgicos e craniofaciais pediátricos todos os anos. Uma das suas especialidades é a separação de gémeos siameses, tendo ganho mediatismo pelo caso dos irmãos brasileiros que estavam presos pelo crânio. Foi utilizada a realidade virtual como um recurso importante na operação delicada e que o próprio médico explicou ao SAPO TEK como foi o processo, assim como a importância da tecnologia nas cirurgias críticas.

Owase Jeelani
créditos: INFO@DEPTHANDFIELDPHOTOGRAPHY.COM

“As cirurgias em si não são difíceis, mas a complexidade é que existem muitas etapas associadas. Numa cirurgia de rotina poderá ter 20 etapas críticas, mas no caso de uma separação tem 100. E o que temos de fazer é garantir que essas etapas sejam feitas na sequência correta”, explica o médico. Durante as operações, faz-se as primeiras 10 etapas, depois espera-se um tempo e retoma-se para as próximas 20 ou 30, e assim adiante. “Durante a execução do plano é preciso ter muito cuidado. E é aqui que entram a experiência e o conhecimento”.

A equipa sabe os problemas, as áreas críticas onde ficam presos. É neste contexto que é utilizada a tecnologia na ajuda a superar esses passos mais críticos e onde foram encontradas maiores dificuldades no passado. São utilizados modelos 3D e realidade virtual entre as técnicas das cirurgias, “de forma a compreender a anatomia um pouco melhor e de tornar o processo mais seguro a cada novo conjunto de etapas, enquanto aumentamos o nosso conhecimento”.

Para estas cirurgias mais complexas são utilizadas simulações em realidade virtual para praticar. Mas a realização real das cirurgias, como no caso dos irmãos siameses brasileiros, o neurocirurgião esteve presencialmente no Rio de Janeiro.

"Estamos a cerca de 10 anos de conseguir fazer este tipo de cirurgias de forma virtual. Toda a simulação, o treino e as experimentações, assim como a discussão com a equipa é feita em ambiente virtual”.

Owase Jeelani é um defensor da tecnologia, salientando as suas grandes vantagens. Mas a questão é a forma como esta é utilizada, “pois existem pontos positivos, mas também riscos, sobretudo quando se lida com pessoas, com a sua vida e saúde. É importante salientar que se vais utilizar uma nova tecnologia ou uma nova forma de o fazer, os benefícios têm de superar os riscos”. O médico acrescenta que essa é uma decisão dos profissionais de saúde e que deve ser constantemente cuidadosa na implementação, de se fazer as coisas que sejam melhores para o paciente ou criança. Não é apenas ser lançada uma nova tecnologia e ter a obrigação de a experimentar.

“O nosso objetivo não é o progresso da tecnologia, mas sim melhores tratamentos para as crianças. Se tivermos esse foco, então a tecnologia vai funcionar melhor”. Mas acredita que se esse foco mudar, e estiver a puxar pela tecnologia, então podem ser cometidos erros onde se fazem coisas que não são do melhor interesse da criança e que se deve ter cuidado.

A conetividade permite um médico estar em qualquer parte do mundo quando necessário

Sobre a utilização prática do 5G e os seus benefícios na saúde, Owase Jeelani afirma que a conetividade, como um todo, tem vindo a disseminar conhecimento, a nível global. A sua Fundação Gemini é considerada um serviço global de saúde porque as crianças em todo o mundo podem receber ajuda quando necessitam. “Tradicionalmente, quando é necessário ajudar, temos de viajar para país, etc. etc. ou trazê-la para o nosso país, num processo altamente complexo e limitado a ajuda de algumas crianças com este método”. A conetividade e agora com a introdução do 5G, é possível ligar-se remotamente a qualquer parte do mundo, interagir com essas famílias através dos prestadores de saúde locais e tentar melhorar os resultados dessas crianças.

Separação de gémeos siameses

Para si, o maior problema não é a falta de conhecimento, mas sim da falta de conetividade. “Sou um neurocirurgião, tenho um certo conjunto de conhecimento, mas apenas consigo alcançar um certo número de pacientes que vivem na minha zona geográfica, ou que consigam viajar para Londres. Nós temos tecnologia que permite às crianças, em qualquer parte do mundo, que necessite de minha experiência específica, poderão acedê-la. E isso é o conceito de serviço global de saúde”. Neste caso, deixa de ser um médico local, para ser um global.

Dando o exemplo do Brasil, refere que os cirurgiões eram bastante habilidosos, “eu não tinha melhores skills que eles, isso é uma certeza, o que eles não tinham era a experiência de fazer isto, mas quando partilhámos a nossa experiência com eles, passaram a ter a capacidade de fazer a cirurgia também”. Explica que quando é preciso fazer uma cirurgia, não significa que a tenha de fazer por outros, o que precisam é de suporte na partilha de conhecimento.

“Para mim o maior avanço que se pode fazer na área da saúde é a partilha de conhecimento. De cruzar os países com essa especialidade com aqueles que têm os pacientes, mas sem o conhecimento”

O especialista afirma que é aqui que a tecnologia de conetividade 5G terá um papel importante na indústria da saúde, mas que necessita ser bem planeado e instalado. Acredita que é preciso um foco e um objetivo, instalar o 5G em locais onde é preciso chegar a comunidades necessidades.

Mas será a tecnologia mais útil ao tratamento ou ao treino dos técnicos de saúde? Para o neurocirurgião ambos são importantes. O treino é a primeira fase, utilizando a realidade virtual, telemedicina e outros elementos tecnológicos para treinar as pessoas. “Esta é a primeira fase e é a mais fácil, porque não é necessária uma latência tão baixa para treinar e pode-se utilizar o que já existe”. Mas no passo seguinte de tratamento e executar cirurgias, entre distâncias geográficas, entra as necessidades de redução da latência e de segurança, que o 5G garante em comparação com o que existe atualmente.

Owase Jeelani
Owase Jeelani, um neurocirurgião pediátrico britânico, com mais de 20 anos de experiência, sendo considerado um dos maiores especialistas de classe mundial. Atualmente é Neurocirurgião Pediátrico Consultor no Great Ormond Street Hospital (GOSH), em Londres, e realiza entre 200 a 300 procedimentos neurocirúrgicos e craniofaciais pediátricos todos os anos.

“Algo que aprendemos foi não tentar adivinhar a tecnologia, porque há uma tendência em subestimar o tempo que demora a implementar a curto prazo e valorizar a espera a longo termo”. O pensamento segue no sentido da sua estimativa de que em 10 anos será possível utilizar realidade virtual nas cirurgias remotas. Considera que a realidade virtual já é bastante boa, mas ainda é necessário desenvolver e melhorar os sistemas hápticos. “Quando tivermos melhor háptica e VR, em que podemos criar os nossos modelos de realidade virtual, será possível ter acesso aos sentidos de uma cirurgia real. E nesse sentido, acho que em 10 anos será possível”.

E será o metaverso parte desse plano? O neurocientista acha que sim, embora considera que muito do que se fala ser possível fazer ainda está por ser visto. “Mas há muita coisa que iremos certamente conseguir fazer. Por exemplo, cirurgias vão poder ser feitas por robots. Penso que esta será a parte fácil, o controlo de robots para fazer as cirurgias, esteja esse perto de ti na mesma sala, ou em qualquer outro lugar. Algo que o 5G permite fazer. O que ainda não é possível fazer são as cirurgias abertas mais complexas que fazemos, que é um exercício manual muito tátil, como é o caso da neurocirurgia”.