Não tem nome, é apenas a “assistente” mas tem uma cara, uma diferença importante na nova assistente virtual que hoje entrou em funções no ePortugal, o portal que agrega toda a informação e serviços da Administração Pública em Portugal. Baseada na mesma tecnologia que é usada no ChatGPT, o GPT-3.5, a nova assistente é a segunda experiência do de serviços públicos em Portugal com a inteligência artificial geracional e os grandes modelos de linguagem, mas tem uma diferença importante em relação ao Guia Prático da Justiça (GPJ), usando um avatar e permitindo fazer perguntas por voz e texto, e dando a resposta em linguagem natural por voz também.

O avatar é um rosto feminino, bastante expressivo (até demasiado quando está em espera) e a resposta de voz é sincronizada com a expressão facial, aproximando mais a experiência daquilo que é uma interação com uma pessoa. Mário Campolargo, secretário de Estado da Modernização Administrativa, destaca mesmo que esta materialização de um “rosto humano” e uma voz com a pronuncia do norte, num projeto muito inovador e ambicioso.

O projeto, que foi desenvolvido em dois meses, conta com a parceria entre a Agência da Modernização Administrativa (AMA), a Microsoft, a DareData Engineering e a Defined.ai. É baseado no GPT 3.5 turbo, o mesmo modelo do ChatGPT da OpenAI, e está alojado no Microsoft Azure, tirando ainda partido da tecnologia de reconhecimento de voz e conversão de texto em voz, em Português de Portugal, usando a voz de Daniela Braga, a CEO e fundadora da Defined.ai. Na base da tecnologia está ainda o Azure Cognitive Search e Azure Cosmos DB, que fazem pesquisa sobre a base de conhecimento da Chave Móvel Digital e o arquivo das perguntas mais frequentes dos cidadãos na ligação ao serviço online, nas lojas e no centro de contacto do ePortugal.

A apresentação oficial foi feita esta manhã, no Centro Cultural de Belém, e João Dias, presidente da Agência para a Modernização Administrativa (AMA) sublinhou que “hoje pode ser o primeiro dia de uma nova era da forma como o Estado se pode relacionar com os cidadãos”. O desafio de atender a uma grande variedade de pessoas, com perfis e necessidades diferentes, e até com línguas diferentes, foi sublinhado pelo presidente da AMA que acredita que as soluções tecnológicas com os modelos de inteligência artificial podem contribuir para endereçar este desafio, com mais conveniência e acessibilidade, libertando os agentes da administração pública para tarefas de maior valor e para apoiarem as pessoas com questões mais complexas, ou os que não têm tanta literacia digital.

Apesar de se pretender rapidez, e facilidade de utilização, como muitas vezes acontece em demonstrações de funcionalidades em direto, a Assistente Virtual não respondeu às tentativas de Manuel Dias, CTO da Microsoft Portugal, para mostrar as respostas da nova ferramenta. “Devia responder em 5 a 10 segundos”, explicou, lembrando que é a Lei de Murphy e que todos os testes que foram feitos antes correram bem. A possibilidade de haver um pico de utilização, com a saída de notícias sobre a assistente virtual e muita gente a querer experimentar foi uma das hipóteses avançadas, mas Manuel Dias garantiu ao SAPO TEK que não seria uma questão de capacidade de resposta do Azure, mas de um middleware.

Depois da apresentação a assistente virtual foi retirada da página principal do ePortugal e passou a mostrar um aviso de possibilidade de demora, mas entretanto já foi reposta outra vez na homepage.

assistente virtual do ePortugal

Da Chave Móvel Digital para outras áreas do ePortugal

Por enquanto a Assistente Digital só dá respostas relacionadas com a Chave Móvel Digital, embora tenha um âmbito propositadamente alargado. Mas no futuro poderá também responder a outras questões sobre o Cartão de Cidadão, ou a Carta de Condução, por exemplo. A ideia é também que a ferramenta possa ser estendida a outros canais, como o call center ou um quiosque nas lojas, para encaminhamento do cidadão.

Ao SAPO TEK,  João Dias explica que os primeiros dois meses serão de testes, mas que depois o objetivo é usar a assistente noutras áreas de informação e até passar a funções transacionais, completando o serviço. “Pode renovar a Carta de Condução”, adiantou em conversa à margem da apresentação. Essa é uma possibilidade ainda em estudo mas que está contemplada no plano de desenvolvimento do projeto.

Durante um debate que se seguiu à apresentação, João Dias defende que a assistente virtual é mais do que um chatbot e que há vantagens adicionais à resposta ao cidadão e a esta facilidade de ter um interface em linguagem natural, em português de Portugal. “Há ganhos internos de operação, na nossa máquina operativa”, explica, dizendo que estas soluções podem ter um grande campo de aplicação, para analisar processos, analisar candidaturas, analisar processos nas finanças.

“Há um mundo de automatismo com oportunidades, e um processo da parte generativa, para criar novos conteúdos com estes grandes modelos de linguagem”, defende João Dias

Também Andrés Ortolá, CEO da Microsoft Portugal, destaca o potencial da tecnologia, adiantando que a empresa está a trabalhar em muitos cenários e que continua a investir para integrar tecnologia nos seus produtos, sempre com salvaguarda das questões éticas. “Portugal está na linha da frente do desenvolvimento desta tecnologia e temos visto muito interesse”, admitiu ao SAPO TEK à margem da conferência. Há outros Governos a fazerem pilotos com a tecnologia na Europa mas Portugal está mais avançado.

E até onde pode ir a capacidade de resposta da assistente virtual? Há espaço para ultrapassar o que está definido nos guiões? Nuno Brás, da DareData Engineering, admite que estamos neste momento face a uma mudança muito poderosa com a nova forma de interagir e que há que garantir o equilíbrio entre limitar demasiado a ferramenta e chegar a situações em que não tem resposta, ou “abrir um pouco mais” e ter capacidade de interagir sobre outros temas que não estavam previstos. “A monitorização está a ser feita para podermos ver se vamos necessidade de estreitar [esta maior liberdade]”, afirma.

Treinar os modelos, e testar intensamente são palavras chave para todos os intervenientes no debate. “Estes modelos são como crianças, estamos sempre a treinar e precisamos de mais dados, está constantemente a evoluir”, afirma Daniel Navas da Defined.ai.

A confiança é um elemento chave e João Dias assegura que a assistente foi treinada para dar respostas completas, mas que há avisos de que ainda é uma versão beta, e que está a ser trabalhada para que sejam dadas respostas mais completas. Por isso há uma monitorização atenta e os dados dão guardados, pelo que se sublinha que não devem ser partilhados no chat dados pessoais.

"Neste assistente virtual optámos por testar a aplicação da inovação com base em pilotos e esperamos que sejam escaláveis no futuro", afirmou o secretário de Estado da Modernização administrativa, lembrando que aqui o test bed é toda a sociedade. "Damos prioridade a inovação guiada pelas convicções humanísticas e preocupações éticas, e assim faremos com a avaliação do impacto deste piloto", defendeu, sublinhando que os resultados devem ser partilhados com a comunidade numa lógica de inovação aberta.

A assistente virtual do ePortugal está disponível a partir da homepage do site ou diretamente no site dedicado à ferramenta e também pode ser usado no telemóvel, em ambiente de browser.