Se tudo correr bem, Paulo Trezentos, Daniel Neves
e José Guimarães - três investigadores da Associação para o Desenvolvimento das
Telecomunicações e Técnicas de Informática
(ADETTI)- um centro de pesquisa do Instituto
Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa
(ISCTE) - vão colocar amanhã online a
Houdini, a segunda versão beta da primeira
distribuição nacional e em português do Linux.



Fazendo juz à filosofia open-source - que
defende que os programas devem poder ser copiados
e alterados gratuitamente - seguida por milhares
de programadores que desenvolvem voluntariamente
software para este sistema operativo
gratuito e livre, o projecto destes três
investigadores, designado de Caixa Mágica, não segue
objectivos comerciais.



Paulo Trezentos explica: "Nós não somos escravos
do marketing como as grandes empresas do
ramo, por isso não temos prazos-limites. Daí que
só pretendemos lançar na segunda-feira a Houdini,
se estiver estável e atingir os objectivos que nós
estabelecemos. Se não for esse o caso, só a
iremos lançar passados quinze
dias."



Não seria a primeira vez, pois ao longo dos sete
meses do trabalho de desenvolvimento que o Caixa
Mágica já leva, os jovens investigadores
decidiram atrasar por duas vezes o lançamento de
novas versões. Mas, para que tudo corra bem desta
vez, trabalharam durante todo o fim-de-semana,
incluindo madrugadas.



O projecto surgiu para solucionar um problema
comum a muitas distribuições do Linux. A maior
parte destas são muito difíceis de usar pelo
utilizador comum, que pouco percebe de
informática e nem quer perceber. Em comparação,
qualquer iniciado no mundo dos computadores
aprende em poucas horas a trabalhar com o
Windows.



Isto porque o seu modo de instalação,
configuração e utilização é bastante intuitivo.
Daí que o sistema operativo da Microsoft domine
em mais de 90 por cento dos PCs desktop e
o Linux apenas ocupe menos de três por cento
desse mercado, apesar de ser gratuito, livre,
robusto e seguro.



Foi para alterar este estado de coisas que o
Caixa Mágica surgiu, de forma a tornar o Linux
numa alternativa credível e não-comercial, como
sistema operativo que permitisse que "desde o
jovem ao idoso todos conseguissem pelo menos
instalá-lo", como afirmam no site. Assim, Paulo
Trezentos e Daniel Neves submeteram o projecto ao
Prémio Milénio 2000 organizado pelo semanário Expresso e pela Central de Cervejas, tendo este
sido atribuído à sua candidatura. O montante do
prémio foi de dez mil contos.



Instalar e configurar o Linux com a Caixa
Mágica

A primeira versão do Caixa Mágica, chamada Copperfield, foi lançado no
Verão, mas só continha um instalador do Linux
para modo de texto - sem gráficos - designado de
LICAS. A Houdini já contará também com o LUCAS,
um configurador em modo texto dos componentes de
hardware do sistema para o Linux e o
XLICAS - uma aplicação que permite a instalação
completa da plataforma através de interfaces
gráficos. Para a versão final, ficará então o
XLUCAS, um configurador em modo gráfico.



Enquanto que a Copperfield tinha "apenas uns sete
ou oito passos de opções que deveriam ser
seleccionadas pelo utilizador, esta que vai sair
segunda-feira, tem 14 passos", afirma Paulo
Trezentos. A equipa quis que todos os passos
tendessem a ser o mais intuitivos possíveis. "Nós
tentámos desde o início impor o mínimo de passos
ao utilizador, só mesmo aqueles que são
essenciais. Se precisar de mais, ele próprio pode
escolher mais, clicando num botão avançado,
quando se justifica, ou então, mediante a
selecção de uma opção para escolher outros
componentes para além dos mais utilizados",
explica.



No que toca à criação de partições, a Caixa
Mágica adopta três tipos de abordagens. Uma é
automática, e destina-se às pessoas que têm um
disco exclusivamente dedicado ao Linux.
Automaticamente, o Licas apresenta uma lista de
discos disponíveis para instalar este sistema
operativa. Existe em seguida
uma opção para os utilizadores que só têm um
disco, dando-lhes a hipótese de criar partições
dentro do disco.



A nova versão Houdini oferece também a
possibilidade de redimensionar a partição,
adianta o engenheiro informático do ISCTE: "Se o
utilizador tem uma partição de 10
Gigabytes para Windows, ele tem a hipótese
de puxar a partição para 4 Gb de Windows e 6 Gb
de Linux". Irá também incluir suporte de rato e
teclado e gestão de pacotes.



Para instalar pacotes de ficheiros, o utilizador
tem várias hipóteses de escolha dentro de uma
lista de categorias relativas a áreas como
Office, desenvolvimento e jogos. Depois de
seleccionar as que pretende, são instalados uma
série de pacotes. Segundo Paulo Trezentos, na
versão final, poderá escolher-se mesmo ao nível
do pacote. O Licas também adopta como critério de
instalação dos pacotes, o perfil escolhido da
máquina onde o Linux vai ser instalado, existindo
três à escolha: desktop, servidor e
personalizado. Neste último, o utilizador pode
escolher entre todas as categorias disponíveis.



Uma das novidades em relação à versão Copperfield
- mas que já é comum noutras distribuições de
Linux como a Mandrake - é que a Houdini vai
incluir detecção de hardware, o que
permite uma configuração mais rápida e melhor do
sistema, para que não aconteçam problemas de reconhecimento do
teclado, placa gráfica ou de som. Alguns dos pacotes binários de
ficheiros foram criados pela equipa da Caixa
Mágica, sendo outros da responsabilidade da
empresa alemã SuSe - que também tem uma
distribuição própria.



O motor de configuração do sistema será o
cmconfig. Quanto à configuração, existem três
alternativas à escolha de cada um, consoante o
seu nível de conhecimentos em informática. O
utilizador iniciado interage directamente com os
interfaces gráficos. No caso de ser alguém com um
nível médio de conhecimentos, poderá utilizar
ficheiros de configuração em formato XML
(eXtensble Markup Language) que são
semelhantes aos escritos em HTML. Mas para os
utilizadores experientes em Linux, que sabem quais
os ficheiros que precisam, existe a possibilidade
de realizarem o processo de uma forma manual.



A versão final

Em Janeiro de 2002, a versão final vai estar
disponível em dois CDs: o Caixa Mágica Estação de
Trabalho - destinado ao utilizador comum - e
Caixa Mágica Servidor - dirigida a
administradores de sistemas empresariais. O
primeiro disco vai incluir o OpenOffice - versão
open-source do pacote de ferramentas de
produtividade StarOffice da Sun -,
o browser de navegação para a Web Netscape "e outras aplicações a
que as pessoas que utilizam o Windows já estejam
habituadas ou que consigam rapidamente aprender a
trabalhar com elas", afirma Paulo Trezentos.



"Isto de modo a tentar conquistar as pessoas,
para que depois seja mais fácil mudar as
mentalidades", explica, acreditando que desta
forma possa começar a surgir mais software
livre. Mesmo que, para tal, nem todos os
programas incluídos possam ser
open-source: "desde que tenham uma licença
passível de ser distribuída, vai dar ao mesmo",
defende este professor da cadeira de Sistemas
Operativos do ISCTE, adoptando aqui uma posição
que considera "prática" e que contrasta com a
abordagem "fundamentalista" dos defensores das
distribuições da Debian, que só coloca nos seus
CDs programas open-source.



Apesar de estar já garantida a disponibilização
online dos dois CDs no site oficial do
projecto, os responsáveis reconhecem que "nem
toda a gente tem ligações à Internet
suficientemente rápidas para fazer o
download de ficheiros de mais de 600 Mb".
No entanto, ainda não definiram o modelo de
distribuição física, afirmando apenas que querem
chegar ao maior número possível de pessoas.
Ressaltam, porém, que dispõem de "estrutura para
eventualmente pedir à pessoa apenas o custo do CD
– que é de 50 a 100 escudos – mais o custo dos
portes de envio, não cobrando os aspectos
logísticos".



Daniel Neves, outro dos elementos desta equipa,
refere que existe a hipótese de distribuir
juntamente com uma edição do jornal Expresso o CD
Caixa Mágica Estação de Trabalho. "Só que isso
implicaria o custo de fazer 100 mil cópias do
disco, mas só nós próprios não temos receitas
para fazer isso. Sem qualquer forma de apoio não
vamos conseguir fazê-lo, de certeza".



Para além do desenvolvimento de
software

Mas o Caixa Mágica não é só uma
distribuição de Linux. Do ponto de vista dos seus
responsáveis, trata-se de um projecto que visa
promover em todos os aspectos o software
open-source
: seja através do desenvolvimento
de código informático, seja através da produção,
recolha e organização de documentação ou da
divulgação. Outra componente desta iniciativa foi
a publicação online no dia 26 de Outubro
de um documento intitulado Linux Empresarial que contou com
a colaboração de vários especialistas e simples
adeptos do Linux, no sentido de sensibilizar as
organizações para as vantagens da utilização da
plataforma nas empresas e função pública.



Os responsáveis pretendem ainda incluir dentro de
dois a três meses no site da Caixa Mágica as
funcionalidades do portal Linux Checkpoint - do qual foram
os criadores -, como um motor de pesquisa, um
espaço de chat, listas de fóruns de
discussão e de sites sobre o Linux. Outra parte
do projecto passa pela participação em
conferências nas universidades, feiras e outras
iniciativas, com o objectivo de divulgar o Linux
e o Caixa Mágica. Dentro deste âmbito, a equipa
esteve no Minho Campus-Party - que se realizou em
Agosto - e no Porto Cidade Tecnológica 2001 -
que ocorreu no dia 12 de Outubro.



Paulo Trezentos afirma ainda que a equipa assinou
um protocolo com o Ministério da Ciência e da
Tecnologia
, através da Fundação
para a Computação Científica Nacional (FCCN),
com vista a criar uma versão muito semelhante da
Caixa Mágica destinada às escolas. Em Junho de
2002, pretendem já ter testado o Linux em cinco
escolas, de forma a que, "se tudo correr bem, as
escolas possam escolher entre instalar esse
sistema operativo ou o Windows". O investigador
reconhece que este é um objectivo muito
ambicioso, uma vez que "isso seria uma
reviravolta muito grande".



Dinheiro e financiamento

Por agora, a equipa só dispõe de
financiamento até Junho de 2002. Para além do
montante de dez mil contos do Prémio Milénio,
conta também com apoio não-monetário do ISCTE,
podendo utilizar as instalações do centro de
investigação onde trabalham. Contam ainda com
ajuda da Fujitsu-Siemens, a nível dos
computadores que vão servir de teste. De início,
a Compaq também se dispôs a ceder
algum material, "mas agora com a fusão com a HP as
coisas ficaram em "banho-maria", ironiza Paulo
Trezentos. O projecto conta ainda com apoio
financeiro do MCT, mas "unicamente para
desenvolver a adaptação da Caixa Mágica às
escolas".



Colocados perante a questão de se tencionam
realizar algum acordo comercial de modo a obterem
finnanciamento, os investigadores respondem que
essa poderá ser uma das hipóteses, para além dos
subsídios estatais ou do mecenato empresarial.
Mas deixam um recado: "Há uma coisa que nós não
vamos abrir mão, seja uma estratégia empresarial,
seja uma estratégia mais voluntarista de
subsídio, que é o código-fonte - núcleo do
software - aberto. O CD vai continuar a
ser sempre open-source. Qualquer pessoa
vai ter possibilidade de pegar no CD, quer seja
ou não comprado, e fazer uma cópia para si, para
além de poder dar essa cópia a quem quiser."




NOTA DA REDACÇÃO (2001-11-06): Ao contrário do que se refere nesta notícia, a versão beta 2 do Caixa Mágica não foi colocada online ontem, segunda-feira, dia 5. Em declarações ao TeK, Paulo Trezentos afirmou que ainda haviam alguns problemas por resolver, mas que a sua equipa ia tentar solucioná-los, de forma a que a Houdini seja disponibilizada no site oficial do projecto.




Miguel
Caetano





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