Longe de cenários distópicos em que máquinas omnipotentes se insurgem contra o Homem, Manuela Veloso afirma-se como uma otimista natural no que toca ao mundo da inteligência artificial. A atual diretora do Centro de Investigação em Inteligência Artificial no banco norte-americano J. P. Morgan e investigadora na Carnegie Mellon University (CMU), nos Estados Unidos, esteve na Universidade Católica Portuguesa em Lisboa para uma conferência centrada em torno do passado, presente e futuro da IA.

Para Manuela Veloso, a chave para alcançar o potencial da tecnologia está na contínua cooperação entre o Homem e as máquinas, lembrando que “qualquer sistema de IA será sempre limitado”. “Agora fala-se muito em IA e há uma certa ideia de que esta vai resolver todos os problemas do mundo, mas temos de ter consciência de que esta é uma tecnologia muito «nova», com cerca de 60 anos de desenvolvimento”, relembrou a investigadora.

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Ao longo de seis décadas verificou-se uma grande evolução nos sistemas de IA em áreas como o reconhecimento de dados, como imagens ou texto, e até mesmo na aprendizagem tendo em conta o feedback dado por humanos. De acordo com Maria Veloso, o desafio atual é fazer com que a tecnologia seja capaz de tomar decisões por nós, justificando as opções que escolhe e as recomendações que faz aos utilizadores.

A investigadora explica que para superar o desafio, é necessário compreender as limitações da IA. Os CoBots, os robots de serviço com navegação autónoma desenvolvidos e utilizados na CMU, foram o exemplo prático escolhido pela professora para elucidar a plateia.

Os CoBots são os robots de serviço com navegação autónoma desenvolvidos e utilizados na Carnegie Mellon University.

Desenvolver uma “criatura” que fosse capaz de viver em “autonomia simbiótica” com os humanos era, para a equipa liderada por Manuela Veloso, algo muito mais interessante do que criar algo que fosse totalmente autónomo. Assim, os CoBots foram programados para ter noção das suas limitações, sendo capazes de pedir ajuda aos humanos, aprendendo com o feedback recebido.

Embora sejam dotados de inteligência, os robots que providenciam serviços de transporte e guia na CMU ainda têm dificuldade em explicar os seus problemas aos humanos. A questão esteve na base de uma das teses de doutoramento que Maria Veloso orientou, a qual se centrou numa tentativa de tradução das representações internas do “cérebro” dos CoBots para uma linguagem percebida por humanos.

Além disso, os CoBots ainda não conseguem compreender, por exemplo, situações de perigo à sua volta. Os robots “não têm a mesma atenção e perceção do que nós para coisas fora do normal”, afirmou Manuela Veloso. É verdade que ainda falta muito caminho a trilhar para superarmos os atuais desafios e chegarmos a sistemas verdadeiramente inteligentes, mas a investigadora deixa bem claro que é preciso persistir.

Um salto do mundo da investigação para o das finanças

Em 2018, Manuela Veloso tornou-se na diretora do Centro de Investigação em IA no J. P. Morgan. A investigadora contou que a passagem do mundo da Academia para o das finanças foi motivada por uma ideia de transformação tecnológica das instituições que nasceram antes da era do digital. “Como se trazem os benefícios da computação e da IA para estes «dinossauros»?” foi a pergunta que esteve por trás da sua decisão de integrar o departamento de investigação do banco norte-americano.

Desde então, tem desenvolvido vários projetos, transpondo a sua experiência de mais de 30 anos para um território por ela anteriormente desconhecido. A responsável deu a conhecer, por exemplo, a forma como a equipa que lidera conseguiu treinar uma rede neuronal para aplicar determinadas classificações em transações na bolsa com uma precisão na ordem dos 95%.

Na área das finanças, “é preciso pensar nos problemas de uma forma criativa”. Para ajudar a solucionar a profusão de Power Points e relatórios criados pela J.P. Morgan, ao todo cerca de mil milhões por ano, a equipa do Centro de Investigação em IA criou o AI pptX. O sistema é capaz de automatizar o processo de criação de documentos e apresentações detalhados, sendo descrito por Manuela Veloso como algo verdadeiramente “formidável”.

No entanto, e apesar do seu entusiasmo na implementação de processos de IA que facilitam tarefas financeiras, a responsável tem vindo a enfrentar uma batalha contra os reguladores bancários norte-americanos, dado às suas incertezas em relação à aplicação da tecnologia. Para Manuela Veloso, a questão de “ganhar confiança na tecnologia” assume uma importância fulcral e, para tal, é necessário garantir que são feitos testes até que os sistemas consigam ser funcionais.