O final de 2016 ficou marcado por um aumento inegável e preocupante da tensão entre os Estados Unidos da América e a Federação Russa. Certamente não será novidade para ninguém que Washington, ao longo dos últimos anos, acusou por diversas vezes a Rússia e a China de lançarem operações intrincadas de espionagem e sabotagem informáticas contra o governo e as empresas norte-americanas. Contudo, a animosidade declarada entre os EUA e a Rússia tem vindo a escalar e atingiu recentemente níveis de intensidade que podem preconizar o rompimento das relações diplomáticas entre as duas potências.
Cerca de dois meses antes das eleições presidenciais, o Presidente Barack Obama dizia, durante a cimeira dos G20 na China, que a dimensão cibernética era um elemento indispensável à sobrevivência de todos os Estados do mundo.
O estadista incitava ao refreamento da aquisição por parte dos governos de “armas informáticas”, sublinhando que é imperativa a implementação de normas que impeçam uma nova corrida ao armamento.
Dizia também que era importante que os Estados deixassem de lutar entre si e se aliassem uns aos outros no combate às ameaças crescentes representadas por atores não-estatais, como organizações terroristas.
Contudo, Obama frisava que os Estados Unidos estavam na posse de capacidades que lhes permitiriam retaliar em caso de ataques informáticos e que não se coibiriam de o fazer se assim o entendessem.
Apesar de não o ter dito declaradamente, este parecia ter sido um aviso direcionado à China e à Rússia, que, segundo ele, tinham já conduzido várias incursões às infraestruturas cibernéticas dos EUA.
Trump vence as eleições: Washington desembainha a "espada"
Mas a postura de Washington face às “aventuras” do governo de Moscovo no mundo digital incendiou-se, quando Donald Trump, candidato do Partido Republicano e crítico acérrimo da Administração Obama e dos opositores democratas, saiu vitorioso das presidenciais de 8 de novembro de 2016.
Os resultados eleitorais surgiram como uma surpresa (agradável para uns e desastrosa para outros), com os órgãos de comunicação social a preverem a vitória da democrata Hillary Clinton quase até ao último instante.
Este desenlace inesperado despoletou uma multiplicidade de rumores acerca da possibilidade da manipulação informática dos resultados pelas mãos de hackers ao serviço do governo de Vladimir Putin.
Na altura, o especialista em segurança informática e diretor de investigação da F-Secure, Mikko Hyppönen, dizia, durante o Web Summit, que não acreditava que a Rússia tivesse, de facto, invadido os sistemas informáticos das máquinas de votação eletrónica utilizadas em vários estados norte-americanos, mas não por falta de tentativa.
O responsável referia que o FBI tinha conseguido encontrar evidências de incursões cibernéticas malsucedidas nesses equipamentos.
Apesar da incerteza que envolvia – e, de certa forma, ainda envolve – a identidade do verdadeiro autor dos alegados ataques, Mikko Hyppönen avançava, com convicção, que o malware utilizado teria tido origem na Rússia.
Até hoje, de cada vez que os Estados Unidos acusaram o Kremlin de conduzir operações de espionagem ou sabotagem informáticas, Moscovo repudiou as alegações e desafiou o governo norte-americano a apresentar provas que ligassem a Rússia a esses ataques.
As acusações, e as negações que lhes seguiam, continuaram a ser trocadas entre os dois países, até que, em dezembro, Obama ordenava as agências de inteligência dos Estados Unidos realizassem uma investigação exaustiva e escrupulosa dos sistemas informáticos das máquinas de voto eletrónico para que, de uma vez por todas, se conseguisse apurar se houve ou não manipulação.
Aproximadamente um dia depois, o Washington Post publicava um artigo no qual apontava que a CIA estaria na posse de um relatório secreto que confirmava o envolvimento de hackers com ligações ao governo russo nos resultados presidenciais.
Segundo constava, o objetivo da operação teria sido prejudicar Hillary Clinton na corrida à Casa Branca em benefício de Donald Trump, visto que Putin teria mais a ganhar com o republicano no comando daquela que ainda é a maior potência a nível mundial do que teria se a ex-Secretária de Estado chegasse ao poder.
E os titãs colidem
Ainda em dezembro, e depois de a Administração Obama ter dito que estava preparada para tomar medidas contra a Rússia na sequência dos ataques lançados sobre os Estados Unidos, Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, exigia que o antigo rival da Guerra Fria apresentasse provas concretas que sustentassem as acusações, que considerava serem “indecentes”.
O próprio Presidente Vladimir Putin chegou a ser implicado no caso das eleições nos Estados Unidos, com fontes anónimas da NBC News a dizerem que o estadista teria estado diretamente envolvido na operação.
Esta polémica ainda não chegou a um fim, mas as relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a Rússia podem ter os dias contados.
Na passada quinta-feira, dia 29 de dezembro, Barack Obama ordenou a expulsão de 35 diplomatas russos e das respetivas famílias dos Estados Unidos, bem como sanções económicas, o que Washington descreveu como sendo uma resposta necessária e adequada que segue um extenso rol de avisos feitos ao governo russo e que não surtiram qualquer efeito.
Surpreendentemente, Vladimir Putin, apesar de ter sido aconselhado nesse sentido, não respondeu na mesma moeda e absteve-se de dar arranque a uma campanha de expulsão de diplomatas norte-americanos da Rússia, uma atitude elogiada por Donald Trump.
Esta história está ainda por ser concluída, mas nada de bom deverá sair de todo este imbróglio.
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