As máquinas “podem fazer arte, fazendo os artistas que fazem a arte”. Esta é a atitude adotada por Leonel Moura há muitos anos, como assumido “artista que cria artistas”, reconhecido pelo seu papel pioneiro na introdução de elementos de inteligência artificial nas práticas tradicionais da arte.
Ao longo da extensa carreira, explorou diversas formas de expressão, desde pintura robótica até instalações interativas, esculturas de "enxame" e trabalhos em Realidade Aumentada, tendo no RAP (Robotic Action Painter), concebido em 2006 para o Museu de História Natural de Nova Iorque, uma das suas principais criações.
O RAP não é apenas uma máquina que pinta, mas um artista autónomo que toma decisões sobre as suas obras, refletindo a visão ousada, “divergente daquilo que costuma ser habitual no mundo das artes”, assume o próprio, sobre a interação entre máquinas e criatividade.
“A minha arte é fazer artistas. Não é tanto fazer as coisas em si, as esculturas os desenhos”, afirma Leonel Moura.
Nega que a inteligência artificial seja uma ferramenta ou uma fonte de inspiração, e olha para a tecnologia antes como uma entidade com a qual colaboramos para realizar alguma coisa e como um parceiro criativo, “como uma entidade capaz de inovação por si própria”.
Leonel Moura considera também que afirmar que a IA é uma ferramenta “é uma maneira que o humano tem de se achar melhor e tentar diminuir as suas capacidades”. Não é uma ferramenta porque uma vez desencadeada consegue fazer muita coisa por si só “que não está na cabeça da pessoa que a desencadeou”, acrescentou para completar a ideia, enquanto falava na conferência “Inteligência Artificial e a Arte”, organizada pela APDSI com o apoio da Ciência Viva, que aconteceu em Lisboa.
A conferência contou com um espaço de exposição que reuniu três projetos que misturam arte e tecnologia. Clique nas imagens da galeria para conhecer mais detalhes.
Uma inteligência (incomparável) em que o artista passa de fazedor a produtor
Há outros erros na forma de ver a inteligência artificial generativa, segundo Leonel Moura. Um dos maiores é a comparação recorrente com a inteligência humana, quando a inteligência artificial não funciona da mesma forma.
“A nossa inteligência tem uma componente emocional muito forte e a IA não tem essa componente (e eu diria, ainda bem). É basicamente uma inteligência estatística e (re)combinatória. O que é diferente da nossa”, afirmou.
“Por enquanto a inteligência artificial ainda tem de ser desencadeada, mas vamos ver mais para a frente”, refere Leonel Moura.
O problema da maioria está no mindset da maioria dos humanos, acusa, que pensa que somos os melhores em tudo, esquecendo que somos o resultado de uma evolução. Logo, porque não um dia aparecer outra entidade que evolua mais do que nós? E porque não uma máquina muito melhor do que nós e que vai fazer coisas completamente diferentes das nossas e ter outros objetivos, perguntou.
Entender a inteligência artificial como entidade autónoma, inteligente e criativa é difícil e compreende-se porquê. “Se o humano se acha o pináculo da evolução, imagine-se um artista, que acha que é melhor do que todas as outras pessoas”, justificou.
Para Leonel Moura a IA vem mudar muito o papel do artista, que passa de “fazedor” a “desencadeador” de algo que vai levar à realização de qualquer coisa da qual se perde o controlo durante o processo.
“Eu não tenho que ter imaginação. Quem tem que ter imaginação é a máquina. Eu tenho é que saber como é que eu vou estimular a máquina a fazer qualquer coisa de criativo”, argumentou.
E vamos gostar muito desta arte. Principalmente por dois motivos, explicou. O primeiro é que a partir de dada altura, arte passou a ser “aquilo que o artista diz que é”. Junta-se a perspetiva, de a arte também é aquilo que a comunidade aceita como tal.
E é nesse sentido que Leonel Moura acha que vamos começar a ter cada vez mais obras de arte feitas por inteligência artificial que não só vão ser aceites, mas das quais vamos gostar muito.
“Como artista, acho as alucinações o melhor da IA generativa. É onde é mais evidente a capacidade criativa da máquina. Quanto mais a máquina consegue fugir da realidade ou da verdade, melhor”, confessou Leonel Moura.
No projeto criado para a exposição da conferência da APDSI misturou as duas vertentes, imagem e música e ficou satisfeito com o resultado. Diz ter pedido ao programa de vídeo de IA para combinar imagens, mas não como as combinar e ficou surpreendido: “ele interpretou o combinar como combinar mesmo e então fez morphings”. Para Leonel Moura, é um vídeo onde no fundo foi uma espécie de produtor.
O trabalho tem por nome “Eles”, e “eles” são o próximo passo da inteligência artificial, que se desenvolver muito e fazer muita coisa. “E vai ser brutal”, acredita Leonel Moura.
Penousal Machado, Professor na Universidade de Coimbra, parece partilhar da mesma opinião. Em declarações ao Sapo TEK explicou que há pelo menos duas correntes na forma de ver a inteligência artificial: a IA fraca e a IA forte. E defende esta última.
Na inteligência artificial forte argumenta-se que as máquinas vão acabar por evoluir, tal como o ser humano “que, no fundo é uma máquina resultante de um processo evolucional”. E não há nenhuma razão forte para acreditar que temos algum ingrediente mágico e que não é possível. Mas “ainda estamos muito longe disso”.
“Estamos a falar de criatividade, poderíamos estar a falar de inteligência artificial. No fundo, é o mesmo. Se assumimos que as máquinas podem efetivamente ser inteligentes, a criatividade é um componente da inteligência, por isso, vai dar ao mesmo”, sublinhou Penousal Machado.
A moeda comemorativa desenhada com recurso à IA para a Imprensa Nacional Casa da Moeda - um dos projetos em exposição na conferência - é um exemplo “criativo”. A ideia foi obter uma moeda que parecesse efetivamente uma moeda desenhada por IA e não por seres humanos, explicou.
Além do multimédia "Eles" de Leonel Moura e da moeda, a exposição contou ainda com a presença de Inês Cardoso (Carincur), na demonstração da sua mais recente performance em que usa uns óculos de realidade virtual para dar um concerto, como se fossem um instrumento.
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